23 Julho 2021
Enviado de Biden para o clima elogia Índia, China e África do Sul e diz que “outros países” estão “removendo os pulmões do mundo”.
A reportagem é de Claudio Angelo e Felipe Werneck, publicada por Observatório do Clima, 21-07-2021.
O enviado especial para o clima do governo americano, John Kerry, afirmou nesta terça-feira (20) em Londres que alguns países estão aumentando o desmatamento e “continuando a cortar ilegalmente a floresta tropical”. Segundo o americano, esses países estão “removendo os pulmões do mundo, destruindo uma biodiversidade insubstituível e desestabilizando o clima, tudo ao mesmo tempo”.
Os tais países não foram nomeados, mas o sujeito oculto da frase tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro. Numa fala que não poupou elogios a grandes emissores do mundo em desenvolvimento, como China, Índia e África do Sul – e que mencionou de forma positiva até mesmo aos vilões clássicos do clima Arábia Saudita e Rússia –, o Brasil apareceu apenas de forma velada, e mal na fita.
O que não deixa de ser irônico, considerando que Kerry e Biden estiveram, três meses atrás, a um passo de dar um cheque gordo ao governo brasileiro a título de “cooperação em clima” para “salvar a Amazônia” – incorretamente chamada de “pulmão do mundo”.
Foi preciso uma campanha internacional movida por ativistas, indígenas, artistas e intelectuais no Brasil e nos Estados Unidos para demover o governo americano da ideia de premiar Bolsonaro por seu mau comportamento ambiental. O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encarregou-se de fazer outro tanto, pegando um avião para o Pará para melar uma operação da PF contra madeira ilegal na mesma semana em que se reuniu com a equipe de Kerry para pedir dinheiro. O serviço foi finalizado pelos alertas de desmatamento na Amazônia, que cresceram nos últimos meses e podem revelar uma taxa de devastação na casa dos 10 mil quilômetros quadrados pelo terceiro ano seguido.
O czar do clima dos EUA fez um discurso forte – descrito pela imprensa britânica como “apaixonado” – no jardim botânico de Kew, na capital inglesa. O objetivo da visita foi criar momento político para uma reunião na semana que vem que juntará ministros de cerca de 30 países para tentar costurar as negociações da COP26, a conferência do clima de Glasgow, em novembro.
A conversa será dura, porque a rodada de discussões informais de maio não produziu praticamente nenhum resultado, e há pontos fundamentais que seguem travados pelo motivo de sempre: países desenvolvidos cobram ambição dos países em desenvolvimento em corte de emissões e países em desenvolvimento cobram financiamento adequado, que aqueles ainda não entregaram.
Kerry comparou a situação do mundo na 2ª Guerra Mundial, quando a ameaça existencial do nazismo juntou os renitentes EUA ao Reino Unido e aos inimigos soviéticos, à atual crise climática, que igualmente demanda respostas globais.
“A crise do clima é o teste do nosso tempo, e enquanto alguns ainda podem acreditar que ela está se desenrolando em câmera lenta, esse teste é tão agudo e existencial quando qualquer outro que o antecedeu”, afirmou.
Ele fez uma longa lista dos impactos que a humanidade já sofre com a crise do clima, e lembrou que mesmo as promessas de corte de emissões feitas pelos países na assinatura do Acordo de Paris deixariam o mundo aquecer 3ºC – duas vezes mais do que o 1,5ºC preconizado pela ciência. Citando o IPCC, o painel do clima da ONU, Kerry ressaltou que o mundo tem até 2030 para cortar 45% das emissões de gases de efeito estufa se quiser entrar numa trajetória compatível com 1,5ºC. E que a Agência Internacional de Energia já disse que isso significa parar novos investimentos em petróleo e carvão já neste ano e construir todos os dias, daqui a 2030, a maior usina solar do planeta.
Numa metáfora utilizada há anos pelos cientistas e ambientalistas e largamente ignoradas pelos governos, o americano comparou o combate à crise climática ao esforço de guerra, quando as fábricas dos EUA tiveram sua produção toda direcionada a tanques e aviões militares. “É precisamente o que precisamos fazer agora: tratar a mudança climática como a crise que ela virou e montar uma resposta comparável à mobilização de guerra, uma oportunidade maciça de reconstruir nossas economias na esteira de uma pandemia histórica.”
Para isso, prosseguiu, os EUA e a China já se mostraram dispostos a cooperar. “Obviamente não é um mistério que a China e os EUA têm muitas diferenças. Mas, no clima, a cooperação é a única maneira de nos libertarmos do pacto suicida atualmente em curso no mundo.”
No último domingo (18), na primeira visita a locais devastados pela tempestade que matou pelo menos 170 pessoas no oeste da Alemanha, a chanceler Angela Merkel reconheceu que o país precisa fazer mais: “Temos de ser mais rápidos na luta contra as alterações climáticas”, disse Merkel, que deve deixar o cargo em setembro.
Ela comanda há quase 16 anos um país em que a participação das energias renováveis no consumo final bruto chegou a 19,6%, superando a meta para 2020 (18%). As emissões na Alemanha têm caído gradualmente desde a década de 1980, e a meta para 2030 determina redução de 65% em relação a 1990, com o objetivo de atingir a neutralidade em 2045, o que coloca o país à frente de muitos outros industrializados. Mas ainda é pouco. “As decisões políticas que estão sendo tomadas agora não se alinham com 1,5ºC, escreveu a ativista alemã Luisa Neubauer, do movimento Fridays For Future.
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Kerry faz crítica velada ao Brasil em discurso em Londres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU