29 Junho 2021
"Toda código e sacramento, a Igreja foi gradualmente alienando a história dessas pessoas – e o testemunho evangélico que está inscrito nela. Em nome do código e do sacramento, desenvolvemos toda uma retórica do acolhimento que cheira bem pouco a verdadeira hospitalidade", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 27-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enquanto se acirra a batalha verbal sobre o PL Zan, parece-me que algo está faltando em toda essa conversa. Algo que a nota do Vaticano acabou empurrando ainda mais contra um fundo que não olha para nenhum dos "engajados" na grande discussão pública. Faltam as vidas das pessoas. Falta a pergunta social sobre o que essas vidas podem dar à nossa convivência, algo que a vida de pessoas heterossexuais pode dar.
Todos nós precisaríamos disso. Histórias de vida que valem para todos porque são vivências humanas - mesmo que nossa opinião seja diferente, ou acreditarmos que somos diferentes.
Também precisaríamos disso na Igreja, mas já perdemos o trem décadas atrás com os divorciados e novamente casados. Toda código e sacramento, a Igreja foi gradualmente alienando a história dessas pessoas – e o testemunho evangélico que está inscrito nela. Em nome do código e do sacramento, desenvolvemos toda uma retórica do acolhimento que cheira bem pouco a verdadeira hospitalidade.
Estamos cometendo o mesmo erro com as pessoas LGBT: obcecados pela batalha contra a teoria, deixamos pouco espaço para a sua vivência - que não só tem algo a nos dizer, mas também muito a nos ensinar.
Nestes dias, nos faltou uma palavra credível da Igreja que seguisse nessa direção. E o que é pior, não faltou somente a nós, que já criamos calos a determinados desafinos eclesiásticos, mas faltou à sociedade italiana - faltou, sobretudo, para as gerações mais jovens. Que têm dificuldade para entender a posição da Igreja, e não só por culpa delas ou da cultura dominante.
Não sabemos dar palavra às vivências - e cada anúncio que indica uma escuta obrigatória nos parece insuportavelmente retórico. Também porque não basta ouvir, é preciso também aprender com as vivências humanas - são portadoras de uma normatividade também para a Igreja.
O Evangelho de hoje é muito claro sobre isso. Não apenas nos deixamos interpelar pelas vivências, mas inclusive somos capturados por elas e conduzidos onde estão. Pelo menos, assim faz Jesus. E quando as vivências entram em conflito entre si, quando as urgências do viver parecem não deixar espaço para nada além de uma alternativa seca (você ou eu), Jesus nos mostra que não é assim quando nos movemos na ótica do Reino.
O tempo que ele dá a outra pessoa não é tempo roubado de mim - nunca é tempo perdido para todo o resto da humanidade.
Até a esplêndida frase de uma mulher que conta a Jesus toda a verdade. Que apenas uma vida pode dizer. É por isso que precisamos desesperadamente das palavras das vivências humanas, algo que nenhum código e nenhum sacramento jamais poderá dizer e colocar à disposição da comunidade humana.
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
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Por trás dos códigos existem vidas. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU