23 Junho 2021
"A julgar por esses movimentos recentes, apesar de as ruas no dia de ontem, 19/06, haverem manifestado uma avalanche de gentes em todo o Brasil exigindo o Fora Bolsonaro, não será uma tarefa tão simples e sem traumas a sua deposição. Importante lembrar que a CPI, apesar das vitórias acumuladas, é resultado de uma ação da Minoria no Senado. E na Câmara, até o presente momento, nada indica que Bolsonaro esteja perdendo a adesão de sua base fisiologista", escreve Alexandre Aragão de Albuquerque, arte-educador (UFPE), especialista em Democracia Participativa (UFMG) e mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE).
Uma mensagem que passa despercebida para boa parcela da opinião pública brasileira é a primeira parte do voto do então deputado Bolsonaro na sessão do assalto ao mandato presidencial de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016. Disse o parlamentar: “Nesse dia de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história, nessa data, pela forma como conduziu os trabalhos desta Casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha”.
Em delação apresentada para a então força-tarefa da Lava Jato, o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso no final de 2016 devido às condenações por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, em ações penais nos fóruns de Curitiba e Brasília, entregou sua proposta em meados de 2017, admitindo haver financiado mais de 120 deputados federais para poder chegar à presidência da Câmara Federal, cujo apoio comprado foi decisivo para derrubar Dilma Rousseff do poder. O total arrecadado por Cunha com empresas privadas foi da ordem de R$410 milhões, entre doações oficiais e caixa dois (representando 70% das doações). A indagação é obrigatória: que relação há entre o elogio do então deputado Bolsonaro a Cunha com esta corrupção de caixa dois?
Importante registrar que o então juiz Sérgio Moro (codinome Russo no submundo jurídico e super-herói da Rede Globo), condenado em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeição e incompetência, enviou, à época, mensagem para o procurador-chefe Deltan Dallagnol, deixando claro que “era contra a delação de Eduardo Cunha”, esperando que as notícias sobre a negociação com o Ministério Público não passassem de rumores. Resultado, a delação foi rejeitada.
Em maio deste ano, Cunha teve a prisão domiciliar revogada e voltou a fazer política publicamente. No final do mês esteve em Brasília, numa reunião com o presidente da Câmara Federal, o deputado Arthur Lira (PP-AL), parceiros de longas datas, além de ter recebido visitas de diversos deputados do MDB. A Lira ele revelou estar disposto a ajudar Bolsonaro em sua reeleição.
Coincidentemente, também em maio, o seu ex-assessor parlamentar, Carlos Henrique Sobral, foi nomeado auxiliar especial do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Por que este “afago” do governo federal a Cunha? Parece haver forte concentração de interesses particulares no Ministério da Saúde, desde a cloroquina até às denúncias contra organizações sociais envolvidas com fraudes em hospitais federais no Rio de Janeiro.
Agora em junho tivemos outros dois momentos significativos para a conjuntura nacional, jogando possibilidades fortes de desestabilização e acirramento entre os atores políticos na cena dos próximos dias.
Por um lado, o depoimento do ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, na CPI do Genocídio, no Senado, dia 16. Uma tropa de choque acompanhou o filho Zero Um (Patriota-RJ) ao depoimento (primeiro sintoma de culpa no cartório?). O relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), indagou ao depoente se ele estaria confortável para prestar o depoimento pelo clima criado com a presença daquela intimidação. Witzel respondeu que não teria problema, afirmando não ser frágil como o porteiro (aludindo ao porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem residência, que foi intimidado pela Polícia Federal sob o comando de Russo).
O clímax do depoimento se deu quando o ex-governador denunciou o fato de ter passado a ser alvo de sabotagens e retaliações do presidente da República a partir do momento que mandou investigar com rigor o assassinato cruel e covarde da vereadora Marielle Franco (PSOL – RJ). Essas retaliações por parte de Bolsonaro resultaram inclusive em boicotes às ações do governo fluminense no combate à pandemia. No arremate final, Witzel expressou o desejo de prestar um depoimento secreto à CPI, sob segredo de justiça, prometendo oferecer revelações da maior gravidade. O fantasma sobre o mandante do assassinato de Marielle continua rodando a “famiglia”! Haverá algo mais? Certamente, com as revelações anunciadas, a CPI sairá fortalecida.
Já pelo lado bolsonarista, a Revista Veja, no dia 17, publicou uma entrevista com o mais novo militar a aparecer nas luzes midiáticas. Trata-se do general Luís Gomes de Matos, chefe do Superior Tribunal Militar (STM). A entrevista se deu após a decisão do comandante do Exército pela ocultação, pelo período de 100 (cem) anos, do processo envolvendo a relação de Bolsonaro e Pazuello, à frente do ministério da Saúde (novamente a saúde), assessorado por mais 15 coronéis. Destaca-se, assim, o autoritarismo imposto pelo Alto Comando às instituições republicanas e à população em geral por quatro gerações futuras.
Uma definição filosófica de um “feito correto”: aquilo que nós podemos contar aos outros. Nesse caso, por 100 anos, nada poderá ser contado. Por quê? O que haverá de tão incorreto que precisa ser ocultado por um século? Quanta vergonha, senhores!
Resumidamente, a entrevista de Gomes de Matos pautou:
1) pela defesa antecipada da competência e honestidade de Pazuello (“simples assim, um manda e o outro obedece”);
2) pela concepção de o personagem Bolsonaro apresentar-se como um democrata (não obstante todo o ataque a Imprensa, além do apoio aos atos pelo retorno ao AI-5), afirmando que ele foi eleito pelo voto (mas não se reportou ao twitter do general Villas Bôas, em 2018);
3) pela definição de que “todos aqueles que são contra o governo Bolsonaro estão esticando muito a corda”. Portanto, o chefe da Justiça Militar tomou posições partidárias. Consequência do lavajatismo?
Ainda neste contexto autoritário, o governo Bolsonaro está a defender que civis sejam julgados pela Justiça Militar por delitos praticados contra instituição militar. A fundamentação desta ação protocolada no STF situa-se numa Lei decretada em 1969, do Código Penal Militar, depois do AI-5, no auge da ditadura militar (1964-1985), pela qual civis podem ser julgados e punidos como crimes militares, em casos de ofensas e ataques, inclusive em situações de “crimes contra a honra”.
A julgar por esses movimentos recentes, apesar de as ruas no dia de ontem, 19/06, haverem manifestado uma avalanche de gentes em todo o Brasil exigindo o Fora Bolsonaro, não será uma tarefa tão simples e sem traumas a sua deposição. Importante lembrar que a CPI, apesar das vitórias acumuladas, é resultado de uma ação da Minoria no Senado. E na Câmara, até o presente momento, nada indica que Bolsonaro esteja perdendo a adesão de sua base fisiologista. Exemplo recente apresenta-se com a privatização do Sistema Eletrobrás, votada em ambas as Casas legislativas.
Portanto, é preciso continuar aumentando a pressão das ruas, das organizações da sociedade civil bem como a ampliação do raio de coesão das forças partidárias, para criar uma intensa e ininterrupta onda democrática visando à acumulação de capital político capaz de derrubar o bolsonarismo civil e militar do poder, insensível a mais de meio milhão de mortos pela Covid-19, indiferente ao desemprego recorde, alheio ao retorno do Brasil ao mapa da fome.
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