Os ataques à aldeia Palimiu já duram uma semana. Na noite deste domingo, 15 lanchas aterrorizaram os Yanomami.
A reportagem é de Elaíze Farias, com colaboração de Ana Lucia Montel, publicada por Amazônia Real, 17-05-2021.
Um novo ataque de garimpeiros contra a aldeia Palimiu, na Terra Indígena Yanomami, aconteceu na noite deste domingo (16), desta vez com o uso de bombas de gás lacrimogêneo. Por volta das 21h30 (horário local), um dos indígenas da comunidade ligou para o líder Dário Yanomami comunicando que os garimpeiros chegaram em 15 lanchas atirando e jogando bombas de gás na comunidade. Desde o dia 10 de maio, a comunidade vem sendo alvo de uma série de ataques diários de garimpeiros na TI Yanomami.
Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Yanomami disse que na hora do ataque de domingo estava ao telefone com um indígena de Palimiu e pode ouvir a explosão das bombas e os tiros. O bombardeio levou ainda mais terror à comunidade. Dário ouviu que os Yanomami estavam muito aflitos e gritavam de preocupação ao telefone.
“Muitas crianças, adultos e jovens estão com fraqueza. Ontem (domingo) os garimpeiros jogaram bomba de gás. Eles estão muito tristes. A fumaça de gás está se espalhando. As crianças e as mulheres estão muito fracas. Os garimpeiros jogaram bomba de gás para enfraquecer a luta deles”, disse Dário Yanomami, em áudio.
Há sete dias a aldeia está sem profissionais de saúde para atendê-los, observou Dário à Amazônia Real. O Distrito Especial de Saúde Indígena (Dsei) Yanomami e Ye´kuana retirou os funcionários da aldeia desde os ataques do dia 10 de maio. Nesta segunda-feira (17), a Hutukara emitiu nota solicitando proteção imediata, já que novos ataques são esperados.
“Ao fundo, era possível escutar o som dos tiros. A situação era grave. Reiteramos o pedido aos órgãos que atuem com urgência dentro de seu dever legal para impedir a continuidade da espiral de violência no local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiu, antes que conflitos de mais grave natureza ocorram”, diz a nota.
Dário Kopenawa Yanomami na coletiva de lideranças Yanomami na sede da Cáritas em Boa Vista (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)
A Hutukara pede a instalação com urgência de um posto avançado na comunidade de Palimiu para garantir a segurança no local e no rio Uraricoera. Os garimpeiros têm transitado na frente da aldeia, diversas vezes ao dia, tentando intimidar os Yanomami. A associação solicita ainda que o Exército brasileiro, por meio da 1ª Brigada de Infantaria da Selva, com sede em Roraima, promova apoio logístico imediato para ações dos demais órgãos públicos.
O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana (Condisi-Y), Junior Hekurari, divulgou vídeo nesta segunda-feira chamando os governos federal e estadual de “omissos”. “Até agora, a PF não mandou força policial. A comunidade corre risco muito grande. O governo federal precisa fazer intervenção imediata. O povo Yanomami está com muito medo; não estão conseguindo dormir”, disse Junior.
Segundo Junior Hekurari, a comunidade Palimiu sofre ataques diários desde o dia 10 de maio. Em sua contagem, os garimpeiros atacaram 16 vezes os moradores da comunidade, onde vivem aproximadamente 590 indígenas. “Hoje (17), completa uma semana de ataques que eles estão sofrendo”, disse à Amazônia Real.
A Amazônia Real apurou que os garimpeiros são ligados à facção PCC, que domina o tráfico de drogas em Roraima. O primeiro ataque ocorreu no dia 10, pela manhã, apavorando os indígenas. Muitos correram para a mata para se proteger. Neste sábado (15), lideranças indígenas foram à Boa Vista, capital de Roraima, relatar os ataques ao Ministério Público Federal (MPF) e informaram que duas crianças se perderam na fuga e morreram afogados.
No dia 11, os garimpeiros fizeram um novo ataque contra a comunidade, mesmo com a presença de agentes da Polícia Federal no local. No sábado pela manhã, antes de viajarem à capital de Roraima, as lideranças que falaram com a imprensa na sede da organização Cáritas disseram que viram grupos de garimpeiros rodando na comunidade.
A pedido do MPF, no último dia 12, a Justiça Federal determinou que a União “mantenha efetivo armado de forma permanente na comunidade Palimiú para evitar novos conflitos e garantir a segurança de seus integrantes”. A Justiça Federal também estabeleceu um prazo de 24 horas para que a União informe e comprove nos autos o envio de tropa para a comunidade da Terra Indígena Yanomami (TIY), sob pena de multa a ser fixada. Até o momento, a União não cumpriu a determinação judicial.
A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa do MPF, questionando sobre as providências para os sucessivos ataques e sobre os relatos que lideranças Yanomami deram no sábado (15), em Boa Vista. A agência foi informada que o procurador Alisson Marugal apura os fatos, mas não vai se posicionar para a imprensa. No sábado, o procurador da República conversou com os indígenas que foram a Boa Vista e reforçou as providências que estão sendo tomadas no MPF.
“O que nós pedimos na Justiça é que tropas federais fiquem na comunidade enquanto não houver a retirada do garimpo como um todo. Nós fizemos um outro pedido na quinta-feira para que a Funai instale imediatamente a base de proteção no rio Uraricoera. Que isso seja precedido com uma grande ação de retirada do garimpo do rio Uraricoera”, relato ele aos indígenas, em vídeo divulgado pela assessoria do MPF.
“Vamos levar ao conhecimento do juiz para que ele exija que o governo coloque tropas lá na comunidade. Vou continuar acompanhando essa questão, entrando em contato com a Funai para saber qual é o problema. O que a gente pode fazer é contar para Polícia e para o Exército o que está acontecendo porque aí a responsabilidade vai ser deles se não agirem. E levar à justiça o que está acontecendo, porque ela terá que responder também depois por um eventual conflito mais grave que aconteça lá”, completou.
Indígenas e agentes da PF na aldeia Palimiu na terça-feira (11/05) (Foto: Condisi-Y)
A assessoria de imprensa da Funai reenviou uma nota anterior sobre o caso, na qual afirma que “acompanha, junto às autoridades policiais, a apuração de suposto conflito ocorrido recentemente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima”. A assessoria não explicou por que a Funai continua tratando os ataques como “suposto conflito”, mesmo diante das evidências que apontam a ameaça aos Yanomami.
A Sesai foi procurada pela reportagem para saber sobre que medidas estão sendo feitas para que os atendimentos médicos sejam retomados na aldeia Palimiu e também aguarda resposta do órgão.
Em nota divulgada no último sábado, a assessoria da PF disse que “o foco da ação policial é promover a retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. E que já havia uma tropa de Manaus destinada a realizar essa operação, mas que agora “uma tropa do nosso grupo de intervenção da Superintendência de Roraima está em condições de ir fazer o mesmo trabalho de desintrusão”.
Nesta segunda-feira, a PF voltou a ser procurada pela reportagem para saber se as tropas já foram enviadas.
A assessoria de imprensa informou na tarde desta segunda-feira que o foco da PF, agora, é fazer a desintrusão dos garimpeiros da TI Yanomami, para cumprimento da ordem judicial nos garimpos. Segundo a assessoria, não há ainda planejamento para segurança na comunidade Palimiu.
O governo de Roraima também foi procurado para saber que medidas estão sendo tomadas para o caso. Em nota da Secretaria de Comunicação, o Governo de Roraima disse que “está preocupado com a situação de conflito entre indígenas e garimpeiros em áreas sob jurisdição federal no Estado” e afirmou que “está pronto para colaborar no que eu for preciso com o Governo Federal, que é o responsável pela fiscalização e tutela de povos indígenas”. Na nota, o governo atribui ao governo federal e não ao governo do estado a fiscalização e a apuração de crimes em terras indígenas.
Procurado na quinta-feira (13), o Ministério da Defesa informa que está contribuindo com a Polícia Federal por meio de apoio logístico, em Roraima, sendo de competência daquele órgão a ação de segurança.
“Adicionalmente, as Forças Armadas, sob a coordenação do Ministério da Defesa, permanecem em condições de executar as missões institucionais previstas na legislação vigente”.