25 Março 2021
“O que existe é uma desordem da realidade e um debate na cúpula do poder, razão pela qual são ventiladas diferentes estratégias para definir o poder global. Isso também nos convoca a pensar em termos de contrapoder”, escreve Julio C. Gambina, economista argentino, em artigo publicado por Rebelión, 24-03-2021. A tradução é do Cepat.
A terceira década do século XXI se apresenta para nós de forma dramática, já há um ano, com a pandemia de coronavírus e os gravíssimos efeitos de 124 milhões de contagiados e quase 2,8 milhões de mortes em todo o mundo, sem horizonte de solução imediata.
A questão se agrava com uma queda na produção e circulação econômica mundial, que impacta fortemente sobre a maioria empobrecida da população. Trata-se de um quadro que potencializa a desigualdade social e agiganta a inequidade da “ordem” capitalista.
Quando mais se requer a cooperação internacional, o que ocorre são respostas “nacionais” de países que detêm o poder econômico, aprofundando a anarquia da sociedade contemporânea, em uma espécie de “salve-se quem puder”. A discriminação social também opera no interior dos países, independentemente de sua capacidade econômica.
A “desordem” é a norma do sistema mundial e convida a pensar novas normalidades do sistema mundial. Recentemente, Boris Johnson explicitou o interesse britânico em intervir em uma revisão estratégica da ordem global desde a “Guerra Fria” [1].
Importa observar os sinais que vêm de Londres, quando pensamos na longa duração da hegemonia imperialista inglesa até o seu deslocamento, em 1945, pelos Estados Unidos. Do poder britânico ao ianque, com um século e meio de dominação imperialista, em um momento de disputa pela hegemonia da ordem/desordem atual.
Da velha ordem liderada pela libra esterlina se passou para a delineada pelo poder do dólar estadunidense. Nem o iene e nem o euro puderam, em suas tentativas de disputa, e o yuan é muito novo em sua presença como moeda global para disputar o que agora acontece na produção e na circulação de bens e serviços. Por isso, entre outras questões, é que se dá a “guerra comercial” entre os Estados Unidos e a China.
O que existe é uma “desordem” da realidade e um debate na cúpula do poder, razão pela qual são ventiladas diferentes estratégias para definir o poder global. Isso também nos convoca a pensar em termos de contrapoder. Existem velhos e novos atores na disputa pela direção da ordem mundial, onde os interesses econômicos e a produção de valor e mais-valia sustentam as estratégias diplomáticas, culturais, políticas.
Por isso, a desordem atravessa o comércio das vacinas e a saúde privatizada como esferas de negócios de laboratórios que disputam a apropriação do excedente econômico em todo o planeta.
Pasqualina Curcio, economista venezuelana, denuncia que a base do investimento para o desenvolvimento das vacinas está no Estado e nas organizações científicas e técnicas sem fins lucrativos, com uma contribuição de apenas 25% do total proveniente de laboratórios privados [2]. Completa a denúncia destacando o grande negócio que significa a produção e distribuição das vacinas, com um lucro monumental, que para a farmacêutica estadunidense Moderna resulta em uma receita pelas vendas de 24 bilhões de dólares.
A Pfizer/BioNTech, também estadunidense, terá uma receita pela venda de suas vacinas de 23,6 bilhões de dólares. Para o caso da AstraZeneca/Oxford, de capital inglês, sua receita alcançará 19,7 bilhões de dólares. Por sua parte, a Jhonson & Jhonson venderá 12,7 bilhões de dólares. Em todos os casos, operou-se com um investimento privado mínimo ou mesmo nulo.
Isto resulta na face mais cruel da presente ordem capitalista, onde o que se exacerba é a mercantilização como base material das relações econômicas associada à exploração da força de trabalho e a pilhagem dos bens comuns.
Não em vão, a lógica do presente inclui a desigualdade social baseada no acesso, ou “não acesso”, das pessoas ao dinheiro, imprescindível para intervir no mercado para a compra e venda dos bens e serviços, para reproduzir o metabolismo vital da sociedade, mas também a depredação da vida natural com a pilhagem de bens comuns usados como matérias-primas para um desenvolvimentismo depredador. Extensão e dominação a partir da mercantilização, do dinheiro e suas formas digitais associadas ao desdobramento das comunicações na rede e a destruição do planeta pelo produtivismo em nosso tempo.
A nova ordem que se busca pretende potencializar o livre comércio, a livre concorrência e o livre câmbio, como formas de potencializar a liberação da economia, afiançando uma lógica sustentada na propriedade privada dos meios de produção. Pretende-se manter uma dinâmica para produzir bens de troca, e com eles a apropriação de lucros e a retomada de um ciclo de geração de excedentes para ampliar a esfera da dominação do regime do capital.
A democracia liberal ampliada a partir do poder constituinte das burguesias, em fins do século XVIII, na tradição da revolução francesa e estadunidense, constitui o mecanismo privilegiado da política contemporânea. Economia e política no capitalismo, que como sempre aparecem atravessadas pela violência física e intelectual, pela repressão dos corpos e a manipulação das consciências e o senso comum.
Não. As crescentes lutas contra a mercantilização, para transformar o sentido da produção, dos bens de troca aos bens de uso, são parte essencial de uma nova visão da ordem social contemporânea. Mas também está em jogo a disputa no plano da luta contra o fetiche do dinheiro e a potencialidade de imaginar uma sociedade cuja produção seja planejada para resolver necessidades vitais da população e o planeta, para a vida do presente e do futuro.
Não é somente o poder que intervém na definição da nova ordem. Também pesam as opiniões sobre a subordinação social, racial e de gênero. A luta por “outra ordem” está plenamente vigente, o que supõe orientar a prédica e as ações a favor das mais amplas e insatisfeitas necessidades sociais.
[1] Télam. Reino Unido aumentará su arsenal nuclear por primera vez desde el fin de la Guerra Fría, aqui.
[2] Pasqualina Curcio. El negocio de la vacina contra el covid-19. La muestra más inhumana del capitalismo, aqui.
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Entre a ordem e a desordem, a busca de uma “nova ordem mundial” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU