17 Fevereiro 2021
Para o novo bispo de Nápoles, na Itália, a cidade tem mil cores, algumas luminosas, outras mais escuras. Algumas tintas têm o sabor das feridas, dos medos e das dores do seu povo, enquanto outras são iluminadas pela imensa riqueza humana da qual este povo é guardião.
A reportagem é de Emanuele Imperiali, publicada em Corriere del Mezzogiorno, 14-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pe. Mimmo Battaglia, em primeiro lugar, como se sente depois de ter sido contagiado pela Covid?
Eu me sinto um pouco melhor, obrigado.
O senhor desembarcou em Nápoles há pouco dias, uma cidade que condensa uma concentração de problemáticas, mas também de oportunidades. Degradação social, periferias muitas vezes não integradas à cidade, dificuldade econômica das famílias ampliada pela pandemia. Por outro lado, sensibilidade, generosidade, vontade de resgate. Como conjugar essas múltiplas faces que trazem à mente o Jano bifronte?
Mais do que um Jano bifronte, Nápoles é a cidade das mil cores. Pino Daniele a descrevia assim, a quem eu escutava durante os anos da comunidade junto com outras canções com Antonio, um jovem filho desta terra que caiu nas malhas da dependência. Nápoles realmente tem mil cores, algumas luminosas, outras mais escuras. Algumas tintas têm o sabor das feridas, dos medos e das dores do seu povo, enquanto outras são iluminadas pela imensa riqueza humana da qual este povo é guardião. De minha parte, como bispo, estou dando esses primeiros passos na ponta dos pés, pedindo licença.
Por isso, não tenho receitas prontas para iluminar as sombras, mas sinto a necessidade de me encaminhar atrás das suas luzes, deixando-me iluminar também pelo espírito napolitano de solidariedade, de acolhida, de criatividade e audácia, de coragem e resiliência. Veja, quando há algumas noites eu encontrei alguns pobres na prisão, esquecidos por todos, toquei as tintas foscas do sofrimento, mas ao mesmo tempo fiz a experiência da luz que brilhava nos seus olhos agradecidos, iluminando as mãos dos voluntários que, com amor, compartilhavam tempo e bens.
Pois bem, chamado pelo Senhor para servir a esta terra, desejo me pôr a serviço da sua luz, deixando-a crescer até romper toda escuridão. E, para fazer isso, acredito que a minha cor, aquela que eu recebo do Senhor e desejo compartilhar com toda a cidade, crentes ou não, deve ser a da esperança.
O sinal que o senhor deu no momento da sua posse, colocando na frente de todos na catedral aqueles que costumam ser os últimos, é forte e, ousaria dizer, revolucionário. Muda a gramática de uma sociedade que sempre privilegia os poderosos, os famosos, os poderes fortes. Na sua opinião, captou-se o seu significado disruptivo?
O Evangelho é disruptivo, e, como bispo, desejo indicá-lo aos meus companheiros de caminho como uma bússola confiável. Sem recorrer ao alfabeto do poder, mas conjugando a frágil linguagem da ternura. A fragilidade do Evangelho é fonte de força e contém em si o germe da ressurreição. A escolha de entrar na catedral com pessoas que representavam a dor e as feridas da cidade foi uma exigência de ternura para mim. Um sinal para mim mesmo, antes que para os outros. Para que nunca se esqueça que pertencemos a uma Igreja chamada a ser discípula da fragilidade.
No mundo, dá-se atenção aos poderosos, àqueles que importam, cuja imagem e cujo papel são conhecidos por todos. O Senhor, por sua vez, nos convida a dar atenção a todos, mas com uma ordem de precedência clara e inequívoca: partindo dos últimos. É na capacidade de estarmos atentos a eles que está em jogo a nossa fidelidade ao sonho de Deus e o nosso ser Igreja do avental, comunidade que anuncia uma Palavra capaz de revolucionar a lógica do ser humano, subvertendo os seus critérios e as suas prioridades, redesenhando os caminhos de vida de uma forma mais humana.
Veja, na Didascalia apostolorum, está escrito que o bispo, durante as celebrações, deve atribuir os lugares de acordo com um critério preciso: se chegar uma pessoa poderosa, com um lugar de honra na sociedade, não deve fazer favoritismos, mas, se chegar um pobre, principalmente se for estrangeiro e idoso, o bispo deve até parar e, sob o risco de se sentar no chão, é chamado a lhe ceder o seu lugar. Eu quis indicar isso. Para que eu possa me lembrar todos os dias da minha peregrinação pelas vielas e pelos claro-escuros desta cidade. E, ao mesmo tempo, como pastor, quis compartilhar desde já com o povo de Deus que me foi confiado o sonho de uma Igreja pobre e para os pobres, capaz de falar a todos, precisamente por ser próxima daqueles aos quais ninguém fala e dos quais ninguém canta: os últimos.
O senhor é um pastor filho do Mezzogiorno [o Sul da Itália], nascido na Calábria, que exerceu o seu ministério pastoral em uma zona interna da Campânia. Agora, a escolha do papa recaiu sobre o senhor para a capital do Sul. Quais são, na sua opinião, as semelhanças e as diferenças entre essas faces do Sul?
O Sul é acariciado pela beleza do sol, fecundado pelo encontro encantador entre o azul do mar e o verde das colinas, mas também profundamente marcado pela complexidade e pelas contradições de tantas feridas. Entre a minha gente da Calábria, os amigos de Cerreto Sannita e os filhos de Nápoles, certamente existem diferenças de caráter, de traço, de história, mas o que une o Mezzogiorno é muito superior: penso na capacidade de resistir sem nunca perder a esperança, mesmo quando tudo parece favorecer o contrário. Penso no dom inato de acolher o outro com um sorriso, antes mesmo de perguntar quem é e o que quer. Penso na audácia criativa dos sonhos que conseguem semear riquezas de alma e de genialidade para a humanidade inteira, a partir das coisas simples, humildes, pequenas.
Isso não significa afirmar que o que une as nossas terras e a nossa gente são só coisas belas. Há também o desemprego, a pobreza educacional, o enraizamento das máfias, chagas que temos em comum e que absolutamente não representam uma “meia alegria”. Mas, olhando para os tantos rostos e para as tantas histórias encontradas nesses anos, da Calábria a Cerreto, até chegar aos primeiros nomes, às primeiras lágrimas, aos primeiros sorrisos encontrados em Nápoles, pude constatar um desejo profundo de resgate e a vontade de se unir para derrotar esses males como comunidade, como povo, para além de todo individualismo infecundo. Gostaria de me pôr, juntamente com todos os filhos de Nápoles, a serviço desse processo de comunidade, desse desejo de bem, dessa esperança secular e cristã ao mesmo tempo.
O Sul, a Campânia assim como a Calábria precisam de esperança, de resgate.
Sem retóricas. Sem mais adiamentos. Acima de tudo, está em jogo o futuro das novas gerações. E, de fato, é precisamente a partir delas e com elas que se deve iniciar esse caminho de libertação. Por isso, também para a nossa metrópole, é necessário e urgente dar origem a um pacto educativo forte, capaz de colocar novamente no centro o desafio educativo, dando origem a uma cultura de rede, criando um sistema de comunidade baseado na escola, nas comunidades cristãs, nas instituições, no terceiro setor, no mundo das associações e do voluntariado, assim como em todas as realidades educacionais presentes no nosso território, em uma espécie de aldeia educacional global.
As crianças, os adolescentes, os jovens não são o nosso futuro, mas o nosso presente! Não devem ser nem iludidos nem desapontados. Ai de nós! Por isso, o tempo da responsabilidade obstrutiva é agora. É preciso agora um pacto educativo capaz de gerar uma cultura da inclusão, para que ninguém seja deixado para trás, nem hoje nem nunca. Partir das novas gerações também significa promover uma cultura do trabalho capaz de conjugar desenvolvimento e justiça social, tirando terreno de toda forma de mentalidade e de ação mafiosa. Só podemos realizar tudo isso juntos.
O diretor do Corriere del Mezzogiorno escreveu na sexta-feira, 12, que, com a sua carta, dirigida aos doentes e publicada na íntegra pelo jornal, o senhor está reacendendo a centelha da política. Aquela que, quando éramos jovens, caracterizava a esquerda cultural e que hoje talvez só a Igreja de Francisco possa interpretar, para além da fé que cada um de nós professa. Aquela que tem um horizonte e que aponta para o bem comum. O senhor se encontra nesse voo pindárico?
Acima de tudo, permita-me agradecer ao diretor d’Errico por ter lido, comentado e dado relevância à minha mensagem por ocasião do Dia Mundial do Enfermo. A centelha da política se reacende toda vez que nos deixamos interpelar pelo rosto do outro, pela sua voz, pelas suas feridas, pela sua dor. Reencontrando no seu rosto o nosso rosto, na sua voz a nossa voz, nas suas feridas as nossas feridas, na sua dor a nossa dor. Para nos reerguermos juntos, apoiando-nos uns nos outros, compartilhando as asas da esperança e a bússola do desejo. De fato, a política é desejo de partilha, de enamoramento pela pertença comum ao mesmo corpo chagado e luminoso, fraternidade que nasce do fato de nos sabermos todos filhos de uma comunidade em que ninguém pode se salvar sozinho.
O Pe. Milani, com os seus meninos, escrevia: “Aprendi que o problema dos outros é igual ao meu. Sair juntos dele é política, sair sozinho dele é avareza”. E a avareza leva à morte social, enquanto o amor generoso pelo bem comum leva ao florescimento da comunidade.
Creio que trabalhar pelo florescimento da nossa Nápoles, do Mezzogiorno e de todo o país é agora mais do que nunca um dever para todos, do qual ninguém pode escapar, seja qual for a sua ideia política ou a sua orientação partidária. E creio que, para fazer isso, é preciso começar de novo, como afirmou o Papa Francisco na sua recente mensagem para o Dia da Paz, a partir de uma renovada cultura do cuidado. Cuidar uns dos outros. Redescobrirmo-nos todos feridos e, ao mesmo tempo, todos samaritanos. Todos perdidos e todos reencontrados pelo amor do outro. Pelo outro. Eis o que é a política, deixar-se interpelar pelo outro com amor. E precisamente por isso não pode se reduzir a uma simples gestão do existente, mas é e deve se tornar projeto, tensão, sonho e profecia.
A política é chamada a se fazer próxima da história das pessoas, próxima do sentido da vida, para ser capaz de dar sentido à vida. Tudo isso significa desviar a atenção da segurança, entendida como mera ordem pública, para a segurança social que nasce da capacidade de dar um nome às necessidades e uma forma concreta aos direitos. Quando isso não acontece, mortifica-se o social e se esquece que a solidariedade é inseparável da justiça, correndo-se o risco, assim, de cair em uma cultura corrupta e mafiosa, em que se dá por caridade aquilo que cabe às pessoas por justiça! Se a política está longe das ruas, dos problemas concretos das pessoas, das suas feridas e do seu cansaço, então a política, paradoxalmente, é infiel a si mesma, tornando-se uma política distante da política.
Os últimos – Francisco os define profeticamente como descartados –, os sem-teto, os sem-emprego, os sem-esperança, o povo a caminho que não encontra uma bússola e se sente negligenciado. Que esperança é possível dar a eles para que sigam em frente com dignidade?
Nestes primeiros dias napolitanos, eu quis me encontrar com as páginas mais sagradas do livro de Nápoles: os seus filhos feridos. Na peregrinação simbólica que eu fiz na manhã do meu ingresso, encontrei-me com pessoas frágeis, pobres, vítimas de violência, pessoas marcadas pelo abuso, pela falta de trabalho, pela injustiça, menores em risco. Rostos e nomes precisos, fora de todo anonimato, mas ao mesmo tempo representativos dos tantos rostos e dos tantos nomes esquecidos pela indiferença. Devo-lhe confessar que foram eles os primeiros a me darem a esperança, a fortalecerem a minha confiança no sonho de Deus, o meu desejo de apostar a vida no Evangelho.
Agora, tenho o dever de pôr novamente em circulação a esperança que me foi dada. Trabalhando ao lado de todos os homens e as mulheres de boa vontade para restituir dignidade e confiança na vida àqueles que foram postos às margens por um sistema social injusto, baseado unicamente na lógica do lucro. Devemos todos nos pôr a caminho e perceber quem está ao nosso lado. Sentarmo-nos à mesa da vida, deixando uma cadeira vazia e uma refeição quente para quem não respondeu ao chamado, sem começar a festa antes de ter procurado por toda a parte e com todo o esforço pelo outro que eu não conheço, que eu perdi pelo caminho, que eu deixei para trás sem me dar conta, mas sem o qual a festa será menos rica, e eu, menos homem.
Para dar esperança novamente aos últimos e conter a cultura do descarte, da qual o Papa Francisco tanto fala, é importante, portanto, não só partir, mas também permanecer com o coração na periferia, porque é de lá que vêm todas as vozes, as demandas, as inquietações. Isso não envolve o risco de negligenciar o outro e os outros. Partir da periferia é uma escolha inclusiva. Faz bem para toda a cidade. É óbvio que não é só uma questão de atitude e que essa atenção à periferia, existencial e não apenas geográfica, deve se traduzir em escolhas estratégicas reais e concretas.
Casa e trabalho, por exemplo, são realidades urgentes para as quais não devemos baixar a guarda nem confiar em inúteis paliativos que minam na raiz a dignidade das pessoas. A esperança também passa pelas políticas inteligentes de pessoas que levam no coração o bem desta nossa bela cidade e estão dispostas a investir o melhor nela. Eu estou junto. A Igreja também está. Hoje e todos os dias.
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“Uma política distante do povo é infiel.” Entrevista com Mimmo Battaglia, novo bispo de Nápoles - Instituto Humanitas Unisinos - IHU