11 Fevereiro 2021
Possuem diversas denominações: “Desordem do colapso das colônias”, “Armagedom de polinizadores”, “Doença de maio”, “Apocalipse das abelhas”. Contudo, todos estes rótulos se referem ao mesmo e misterioso fenômeno: há pouco mais de 20 anos, pesquisadores alertam sobre uma diminuição drástica e sem precedentes das populações de abelhas, tanto domésticas como silvestres em todo o mundo.
A reportagem é de Federico Kukso, publicada por SINC e reproduzida por Heraldo, 07-02-2021. A tradução é do Cepat.
As advertências soam, tempo após tempo: em 2008, a Associação Britânica de Apicultores informou que a população de abelhas no Reino Unido havia diminuído cerca de 30% em relação ao ano anterior. Na mesma data, nos Estados Unidos, os apicultores anunciaram que tinham perdido 28,1% de suas abelhas. Em 2010, a perda foi maior ainda: 43,7%. E em 2019, registrou-se uma diminuição de 35,6%, segundo a Bee Informed Partnership. O resultado foi um aumento do preço dos alimentos, especialmente no caso das amêndoas, que até agora dependem totalmente das abelhas melíferas para a sua polinização.
Não se trata de um fato isolado. Ocorre no marco de um declínio mundial da chamada “entomofauna”. Segundo um estudo publicado em 2019 pelo ecólogo espanhol Francisco Sánchez-Bayo, mais de 40% das espécies de insetos estão ameaçadas e em possíveis vias de extinção. Para este cientista da Universidade de Sidney, o desaparecimento dos insetos poderia desencadear um “colapso catastrófico dos ecossistemas da Terra”.
Nos últimos anos, os anúncios sobre o declínio global dos polinizadores levaram a mobilizações em nível global e a estreia de vários documentários como Vanishing of the Bees (2009), Colony (2010), Queen of the Sun: What Are the Bees Telling Us? (2010) e More than Honey (2012), entre outros. Tudo para chamar a atenção dos tomadores de decisão. No dia 2 de dezembro, por exemplo, membros do grupo ambiental alemão Campact instalaram um cemitério com 200 abelhas em cartaz de tamanho grande em frente à Chancelaria em Berlim para exigir uma nova lei para protegê-las.
“Nas últimas décadas, relatou-se tanto a diminuição na abundância como na diversidade de espécies de abelhas em nível local, regional e nacional, em diferentes continentes, mas até agora não havia sido realizada uma avaliação a longo prazo das tendências mundiais”, conta o biólogo evolutivo argentino Eduardo Zattara. “Além disso, os estudos existentes têm uma forte marca no hemisfério norte, em particular na América do Norte e Europa”.
Para encontrar um enfoque alternativo e avaliar se o progressivo desaparecimento das abelhas é um fenômeno global que atinge todas as principais linhagens, este pesquisador da Universidade Nacional de Comahue, na cidade de Bariloche, mergulhou junto com seu colega Marcelo Aizen nos dados disponíveis publicamente no Centro de Informação sobre Biodiversidade Global (GBIF), uma colossal rede internacional de bases de informação, que contém mais de três séculos de registros de museus, universidades e cidadãos privados.
Nela são reunidos dados sobre todos os tipos de forma de vida que existe na Terra, de espécimes de museus, coletadas nos séculos XVIII e XIX, a fotografias de smartphones geomarcadas e compartilhadas por naturalistas amadores, nos últimos dias e semanas.
Após um intenso e paciente trabalho de big data, os cientistas argentinos se surpreenderam com o que detectaram: um quarto das 20.000 espécies de abelhas conhecidas não aparecem nos registros públicos, a partir dos anos 1990.
“Nosso trabalho é o primeiro que evidencia que este é possivelmente um fenômeno de caráter global”, alerta Aizen, coautor da pesquisa publicada na revista científica One Earth.
A relação entre os seres humanos e as abelhas remonta a 9.000 anos atrás, quase a partir da invenção da agricultura, segundo uma análise química realizada na Turquia. Pinturas rupestres nas Cuevas de la Araña, em Valência, também parecem mostrar pessoas coletando mel.
Os antigos egípcios foram os primeiros a estudá-las, conforme demonstram hieróglifos de 2.400 a. C., o mel e a cera eram utilizados em todo o Mediterrâneo oriental e para além do mesmo como meio de conservação, tanto pelos babilônios como pelos assírios.
No entanto, sua presença na Terra é muito mais antiga. Há cerca de 100 milhões de anos, quando o mundo era dominado pelos dinossauros, as abelhas evoluíram a partir de seus antepassados, as vespas caçadoras de insetos. E fizeram isso em estreito vínculo com as plantas.
Para atrai-las e garantir sua reprodução e sobrevivência, várias espécies vegetais desenvolveram flores com pétalas de cores chamativas e diversos aromas. Mais tarde, evoluíram para produzir néctar, uma comida rica em açúcar que as abelhas consumiam em troca de seus serviços como polinizadores. Perfeitamente adaptados um ao outro, prosperaram e sobreviveram à extinção em massa da flora e a fauna de 65 milhões de anos atrás.
Charles Darwin ficou fascinado pelas abelhas. Considerava que estes insetos sociais – como as vespas, as formigas e as térmitas – eram enigmas evolutivos. Um dos traços mais chamativos destes insetos é a ampla gama de diferentes tipos de comportamentos que possuem: algumas formam sociedades complexas onde os indivíduos estão quase completamente subordinados às necessidades do grupo social, inclusive renunciando à sua própria capacidade de se reproduzir em prol dos interesses da colmeia.
São conhecidas cerca de 20.000 espécies de abelhas, das quais aproximadamente 250 são zangões, 500 a 600 são abelhas sem ferrão e 7 são abelhas melíferas. Acredita-se que estas últimas são as mais exitosas de todas as espécies de abelhas, com maior distribuição no mundo. Teriam se espalhado da Ásia para a Europa e África, há cerca de dois a três milhões de anos.
Após todo este tempo, a polinização das abelhas silvestres – junto a moscas, mariposas, pássaros e morcegos – continua sendo fundamental para a reprodução de centenas de milhares de espécies de plantas. Muitas vezes invisíveis, estes insetos desempenham um papel central em nossas colheitas: são chave para garantir um rendimento adequado em aproximadamente 85% dos cultivos alimentares. Ao menos 130 cultivos de frutas e hortaliças dependem das abelhas para a polinização. Sem elas, não haveria mirtilos, alfafas, aspargos, brócolis, cenouras, abacates, cebolas, abobrinhas, morangos e maçãs, por exemplo.
“Agora, a apicultura não é apenas o negócio de produzir mel”, conta Zattara. “Muitos apicultores vendem ou alugam colmeias para produtores agrícolas para conseguir uma polinização suficiente e que seus cultivos sejam rentáveis”.
Além e impressionar o mundo, os relatórios de perdas significativas de abelhas intrigam os cientistas. “Algo está acontecendo com as abelhas, e é necessário fazer alguma coisa”, aponta este pesquisador do CONICET. “Não podemos esperar até ter a certeza absoluta porque raramente chegamos nas ciências naturais”.
Em sua pesquisa, esta equipe de biólogos descobriu que o número de espécies de abelhas que estão nesta grande base de dados do Global Biodiversity Information Facility diminuiu consistentemente, a partir dos anos 1990.
“Não afirmamos que 25% das espécies de abelhas conhecidas se extinguiram, mas, sim, que não aparecem nos registros”, esclarece Zattara. “Vemos que há uma retração generalizada. As populações das abelhas silvestres em seu conjunto vêm diminuindo em abundância. E isso faz com que uma espécie seja mais difícil de encontrar e registrar. Nossa interpretação é que isto reflete uma situação de estresse na biodiversidade. Ainda não é um cataclismo de abelhas, mas o que podemos dizer é que as abelhas silvestres não estão prosperando”.
Há várias hipóteses sobre o desaparecimento das abelhas. Curiosamente, esta tendência se acentuou nos anos 1990, no início da era da globalização e continua até o presente. Durante este período, houve uma transformação acelerada do uso da terra: a monocultura se expandiu por várias regiões do mundo e levou a um maior uso de agrotóxicos e outros insumos químicos agrícolas que têm efeitos letais sobre a saúde das abelhas.
“Os verdadeiros responsáveis por este declínio são os suspeitos de sempre”, enumera Zattara. “O avanço da fronteira agrícola, a urbanização, a introdução de espécies invasoras e os eventos extremos provocados pela mudança climática. São alterados os padrões de floração. Ao estar tão ligadas ao seu ambiente, as abelhas são muito sensíveis a estas modificações”.
Também se responsabilizou o uso de uma categoria de agrotóxicos para cultivos, os neonicotinoides, potentes agentes neurotóxicos, que atuam diretamente sobre o sistema nervoso central das pragas vegetais. Pesquisadores alertam que em altas doses, matam as abelhas, enquanto que em doses mais reduzidas, deterioram as capacidades cognitivas das abelhas coletoras, fazendo com que fiquem incapazes de encontrar o caminho de retorno à colmeia. Isto fez com que, em 2018, a União Europeia proibisse o uso de três agrotóxicos neonicotinoides (clotianidina, imidacloprida e tiametoxam), após as advertências da Agência Europeia de Segurança Alimentar, em cultivos como o milho, girassol, trigo, cevada e aveia.
O comercio internacional também provocou a introdução de patógenos das abelhas, como o ácaro Varroa proveniente da Ásia. Parecido com os carrapatos, prende-se ao corpo das abelhas para sugar sua hemolinfa ou líquido circulatório.
Em sua pesquisa, os cientistas do Grupo de Ecologia da Polinização da Universidade Nacional de Comahue, na Patagônia, observaram que a diminuição de abelhas não é uniforme. Os registros de abelhas Halictidae, a segunda família mais comum, diminuíram 17%, a partir dos anos 1990. As abelhas melificas, uma família muito mais rara, diminuíram até 41%.
Também não acontece exatamente o mesmo em nível global. A Europa mostra dois períodos separados de declínio: um entre os anos 1960 e 1970 e uma diminuição mais recente entre os anos 1980 e 1990. Na África, ao contrário, aprecia-se uma queda contínua na riqueza de espécies, a partir dos anos 1980, ao passo que na Ásia a diminuição parece ter começado duas ou três décadas antes.
Na América do Norte, América Central e Caribe, por sua parte, a queda acentuada na riqueza de espécies ocorre entre os anos 1990 e 2010. “Para a América do Sul, existem muito menos registros de ocorrência de abelhas em nível continental em comparação com a América do Norte e Europa, mas existiria uma perda de diversidade de abelhas ao menos comparável com o que ocorre em outras regiões”, explica Aizen.
“Paradoxalmente, na América do Sul temos um dos exemplos melhor registrados, em nível mundial, do declínio de uma espécie em particular. Este é o caso do Bombus dahlbomii, o maior zangão do mundo que está em queda, tanto no Chile como na Argentina, em razão da contínua e crescente importação do zangão europeu, Bombus terrestres, a partir de meados dos anos 1990”.
Zattara e Aizen reconhecem que as conclusões de sua pesquisa devem ser interpretadas com cautela em razão da natureza heterogênea do conjunto de dados e os possíveis traços de sua coleta. “No melhor dos casos, isto pode indicar que milhões de espécies de abelhas se tornaram muito raras”, apontam. “No pior dos casos, é possível que já tenham se extinguido em nível local e mundial”.
O certo é que a análise destes cientistas respalda a hipótese de que há uma diminuição global na diversidade das abelhas. E que requer a atenção imediata dos governos: o desaparecimento destas espécies poderia impactar fortemente a economia dos países.
“Acredito que estamos a caminho de uma crise de polinização”, aponta Aizen. “Esta crise afetará a reprodução de milhões de espécies de plantas silvestres e de cultivos muito dependentes de polinizadores, em especial de frutas que embora em termos de biomassa representem uma proporção muito baixa do total da produção agrícola, são importantes para uma alimentação saudável”.
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As abelhas também desaparecem dos registros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU