28 Janeiro 2021
O anonimato protege os responsáveis pelo perfil do Instagram Brasil Fede Covid. Só esse fato já seria suficiente para explicar a frase “falhamos como sociedade”, proferida pelo criador da página. Mas a resposta à pergunta da reportagem da RBA informa a razão da criação desse projeto que está no ar há cerca de um mês. O objetivo: “Denunciar os macabros momentos de confraternização entre os brasileiros e a covid, no verão 2020/2021”.
A reportagem é de Cláudia Mota, publicado por Rede Brasil Atual - RBA, 27-01-2021.
“O projeto Brasil Fede Covid surgiu para mostrar que falhamos como sociedade. Provar que os brasileiros são frios e só pensam em sua bolha social”, afirma o criador do perfil. “Além disso, encontramos no Instagram uma maneira de ajudar o poder público na fiscalização de eventos clandestinos e ilegais, que contribuem diretamente para o agravamento da covid no Brasil.
”Ele conta que a ideia surgiu após perder a avó, no começo de dezembro, para o coronavírus. “Aos 85 anos, ela estava isolada em casa há meses, mas pessoas irresponsáveis não deixaram de frequentar festas clandestinas e levaram o vírus para casa”, lembra. “Após alguns dias, algumas pessoas que tinham me desejado pêsames e ficaram chocados com a história da minha avó, já estavam participado de festas ilegais em vários lugares do país. Além de festar, publicavam aquilo abertamente nas redes sociais. Aí surgiu a ideia de denunciar essas festas que matam pessoas".
O sucesso inesperado, segundo o fundador do Brasil Fede Covid, foi instantâneo. Já são mais de 316 mil seguidores. De segunda a sexta recebem cerca de 500 denúncias por dia via mensagem privada do Instagram. Aos finais de semana “passa fácil” de mil. “Inicialmente, não acreditava no sucesso do perfil. Mas já no primeiro dia fui surpreendido. Não parava de encontrar novos materiais e aquilo foi ganhando uma proporção absurda. O público passou a denunciar essas bolhas de insanidade. Hoje, recebemos mais de mil denúncias por dia. O projeto conta com 20 colaboradores de vários cantos do país. Pessoas de todas as idades, profissões e classes sociais”, diz.
Todos são voluntários. “Por ser um perfil que não pode sair do anonimato por questões de segurança, é bem difícil monetizar. Então somos todos voluntários. ”As denúncias trazem imagens de espetáculos musicais, festas, bares, academias, torcidas de futebol e até igrejas. Em comum, a falta de máscara e a aglomeração. Quase inacreditável para quem está isolado em casa, preocupado em manter o distanciamento social e a saúde, de si e dos outros. Em alguns casos, o perfil até conseguiu fazer com que prefeitos ou empresas patrocinadoras adotassem medidas contra os espaços que estão atuando em total contrariedade às recomendações dos órgãos de saúde pública.
“Quanto mais perto do povo, mais medo o governante tem de tomar medidas restritivas. Percebemos poucas prefeituras atuando com rigor contra as festas clandestinas”, lamenta o criador do Brasil fede covid. Em alguns casos, fica até evidente que existe algo interno para que certas casas noturnas, além de outros locais de aglomeração recorrente, não sejam interditadas. “Isso é nítido. Endereços denunciados duas vezes por semana e que não recebem visitas das autoridades, nem para uma fiscalização básica”, critica.
Para o fundador da página, é lógico que a postura negacionista do governo federal, principalmente do presidente Jair Bolsonaro, contribuiu diretamente para que a crise da covid tomasse proporções tão desastrosas no país. “Poderíamos ficar horas listando os erros. As palhaçadas envolvendo todo o processo da chegada da vacina ao país são o grande exemplo dessa incompetência. ”Mas, destaca ele, com o passar do tempo perceberam que muitos “falsos progressistas” também aglomeram na mesma proporção que os seguidores do presidente da República. “Temos vários relatos de pessoas ligadas a movimentos de esquerda, além de regiões tradicionais frequentadas por eles, organizando e participando de grandes festas ilegais”, denuncia. “Isso nos deixa muito tristes, pois é o reflexo da nossa sociedade. O verdadeiro ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço!’”, compara. “Mesmo que o projeto Brasil Fede Covid não tenha uma bandeira política, já denunciamos todos os lados possíveis, é desesperador para progressistas de verdade como nós aceitarmos esse declínio social que estamos vivendo.”
O jovem acredita que o Brasil perdeu o tempo do lockdown – defendido por especialistas como o neurocientista Miguel Nicolelis. “Deveria ter sido adotado no início da pandemia para a reestruturação do sistema de saúde. Estamos há quase um ano no meio dessa crise interminável e nada foi feito. Hoje, é visível que pouquíssimas pessoas continuam em isolamento”, considera. “Um lockdown obrigatório geraria um problema social sem precedentes. Uma verdadeira guerra. Além disso, seria inútil, pois duvidamos que o poder público teria capacidade para controlar o povo.”
Segundo o criador do perfil de denúncias, para amenizar o problema das enormes aglomerações seria necessária uma fiscalização verdadeira, diária e intensa. “No caso das festas ilegais, por exemplo, os organizadores deveriam ser presos, e os participantes multados. Eles não movimentam mercado algum, muito pelo contrário. Acabam com as esperanças de empresas que estão trabalhando sério”, afirma. Além das imagens de eventos que já ocorreram, o perfil informa sobre festas que ainda vão acontecer, o que possibilitaria ações preventivas do poder público. “Mas também não acreditamos que essas fiscalização tão necessária vá acontecer sem pressão e exposição. Ou seja, a única solução para o nosso país é a chegada da vacinação em massa. Até lá, temos que fazer de tudo para diminuir a circulação do vírus.”
O comportamento “CovidFest”, afirma, é a maior marca do egoísmos e da falta de empatia dos brasileiros. “As pessoas realmente não estão preocupadas com a sociedade e, principalmente, com as outras vidas que estão ao seu redor. No perfil, sentimos uma revolta muito grande das pessoas, mas até mesmo na revolta vemos uma seletividade. Isso é triste demais.”
Apesar de todo o horror vivenciado nos posts que administra diariamente, para ele o Brasil ainda tem jeito. “Mas precisamos de um trabalho de base, que comece com a educação das nossas crianças, que precisam aprender conceitos básicos da vida em sociedade, coisa que perdemos há anos. Precisamos de uma reestruturação como sociedade, que sem humanização nunca irá prosperar.”
O Brasil Fede Covid faz sua parte e tem reconhecimento. Marcas famosas já deram retorno a posts do perfil, negando participação nas festas que aglomeram milhares de pessoas em plena pandemia Brasil afora. Também artistas, governantes de estados e municípios. Com a esmagadora maioria dos comentários favoráveis no Instagram, é no Twitter – ambiente mais propício a ‘robôs’ – que os responsáveis pelo Brasil Fede Covid sofrem mais ataques. E já são mais de 18.300 seguidores por lá. Questionadas por seguidores no perfil, se sentem vontade de desistir, a resposta é taxativa: “diariamente”. Mas quando indagados até quando pretendem continuar com o trabalho “super importante”, não deixam dúvidas: “Até quando for necessário evitarmos aglomerações”.
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‘Falhamos como sociedade’, diz criador de perfil no Instagram que denuncia CovidFest - Instituto Humanitas Unisinos - IHU