14 Janeiro 2021
Em seu mais recente e fascinante livro, Reviravolta: Como indivíduos e nações bem-sucedidas se recuperam das crises (Record, 2019), o pesquisador americano Jared Diamond estuda as condições sob as quais uma nação consegue lidar com as crises ou as mudanças profundas que poderiam tê-la destruído. Não se trata de teoria, mas de observação histórica de países que conseguiram enfrentar e superar as situações mais graves, sejam elas resultado de um choque externo ou de uma lenta decomposição interna.
A reportagem é de Antoine de Ravignan, editor-chefe, publicada por Alternatives Économiques, 13-01-2021. A tradução é de André Langer.
Transpondo para a escala política um quadro analítico que os psicólogos especializados em situações de emergência utilizam ao nível dos indivíduos, o autor identifica uma dezena de critérios que, se cumpridos – pelo menos em parte –, podem fazer a diferença entre o colapso e o renascimento de uma sociedade. O primeiro dos quadrinhos a marcar, obrigatório, é o reconhecimento da crise. Outro, igualmente crítico, é a avaliação honesta da gravidade da situação.
Diante da crise climática, esses pré-requisitos não são atendidos, apesar das aparências.
Declarar o estado de emergência climática, como convidou em 12 de dezembro o Secretário-Geral das Nações Unidas, constatando a falta de avanços reais desde a adoção do Acordo de Paris firmado cinco anos antes, e conforme já o fizeram o Parlamento Europeu ou algumas autoridades locais, e inclusive a França (1), poderia facilmente ser considerado um dado adquirido. Além de modificar o Artigo 1 da Constituição, como prevê agora o Presidente Macron.
Ontem, os compromissos nacionais para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa no longo prazo poderiam ser considerados uma boa notícia (2). Eles traçaram uma trajetória e ofereceram perspectivas. Hoje, e porque nada foi feito para alcançá-los, os governos estão assumindo novos compromissos de longo prazo, ainda mais ambiciosos do que os anteriores. Para ser um país desenvolvido que pode ser frequentado, agora é necessário ter anunciado um objetivo de neutralidade de carbono até meados do século.
Alguns chegam inclusive a exagerar. Mas na medida em que suas decisões de curto prazo continuam na prática a ser inconsistentes com seus compromissos de longo prazo, torna-se impossível acreditar neles. Além de desmonetizar a palavra do Estado, demonstram em suas escolhas concretas que não levam a sério a crise climática, apesar das evidências fornecidas pelos cientistas. Os céticos do clima, pelo menos, têm a virtude de não serem hipócritas.
Na França, a negação do governo atingiu um novo marco com a aventura comovente da Convenção Cidadã pelo Clima. Após nove meses de trabalhos intensivos, esta assembleia de não especialistas escolhidos por sorteio de todas as esferas da vida apresentou recomendações cuja relevância e nível de ambição foram amplamente elogiados pelos especialistas. Essa experiência mostrou que a maioria concordou em exigir escolhas e superar muitos conflitos de interesse.
No entanto, o Executivo, no projeto de lei “Convenção Cidadã”, que deverá ser apresentado em fevereiro próximo e votado após o verão, esvaziou as propostas dos 150 cidadãos em grande parte de sua substância. Drama e insulto para aqueles que investiram e acreditaram nele, o exercício parece uma encenação cínica.
Esta hipocrisia já nem esconde o fosso entre as ambições de longo prazo consagradas na lei do clima e as decisões de curto prazo, em particular as orçamentárias. No entanto, muitas medidas, que combinam a melhoria da saúde, a criação de empregos e a redução das emissões de gases com efeito de estufa – especialmente a renovação dos filtros térmicos – já podiam ter sido aceleradas como parte da resposta à crise sanitária.
A insuficiência e a demora da ação coletiva são tais que a meta de um mundo “bem abaixo” de 2 °C não é mais crível. Não ultrapassar esta barreira – que, recordemos, já representa uma enorme pressão sobre os ecossistemas e, portanto, sobre as sociedades humanas – seria supor que a humanidade nunca ultrapassaria o orçamento das emissões de gases de efeito estufa que lhe resta, que se esgotará em apenas vinte anos no ritmo atual, pelo menos antes da crise da Covid (e em dez anos se mantivermos a meta de 1,5 °C de aquecimento).
O caminho tomado atualmente é o de um mundo acima de 3 °C e nada até agora impede essa perspectiva. Devemos parar de agir e de pensar como se a crise de um mundo acima de 2 °C fosse ser evitada. Muito simplesmente porque se tornou evidente, a partir da realidade das políticas implementadas e das tendências atuais, que não será.
Se disséssemos a verdade, se reconhecêssemos a realidade desta crise e destas ameaças, pararíamos de gesticular, de tentar gravar palavras no mármore macio da Constituição, para passar dos avanços de segunda categoria para decisões estruturantes.
Aceleraríamos, por um lado, os esforços para neutralizar as nossas emissões o mais rapidamente possível, sabendo que este investimento é uma oportunidade para melhorar o emprego e o bem-estar. E, por outro lado, repensaríamos ao longo do caminho as nossas organizações sociais e territoriais, bem como a partilha e distribuição das nossas riquezas para nos colocarmos em posição de ultrapassar os choques que infelizmente não iremos evitar.
O tempo da Covid poderia ser usado para pensar numa aventura que pudesse ser solidária e feliz, quando aquela em que nos encerramos tem todas as chances de ser muito triste.
1. A “emergência ecológica e climática” está inscrita no Código de Energia desde 2019.
2. Como a Lei POPE, na França, que havia decidido em 2005 (já) uma divisão por quatro as emissões de gases de efeito estufa em 2050.
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Clima: e se disséssemos a verdade? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU