"O discurso tecnocrático não é suficiente. Para evitar ser sugados pelo cinismo que a crise pandêmica traz consigo, precisamos de uma beleza, um novo desejo, uma esperança comum, um futuro que não seja a mera repetição do que já conhecemos", escreve Mauro Magatti, sociólogo e economista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 03-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dez meses de pandemia pesam bastante. Será por causa do inverno, será por causa das festas natalinas - tão diferentes do que estávamos acostumados - mas o cansaço e a desorientação são cada vez mais palpáveis. A chegada da vacina certamente é uma boa notícia. Mas a campanha de vacinação será longa e complicada, ao passo que agora está claro que nos próximos meses o vírus continuará sua propagação, obrigando-nos a manter as medidas de proteção e distanciamento social elevados pelo menos durante todo o primeiro semestre de 2021. Na esperança de conseguir evitar um novo lockdown prolongado.
A nossa resistência - individual e institucional – está sendo severamente testada. O governo [italiano] estendeu o congelamento das demissões até março e aprovou novas medidas de apoio à economia.
Mas não se pode esperar continuar assim por muito tempo. A anunciada recuperação econômica será mais fraca do que o esperado. O medo, a solidão, a raiva crescem no coração de muitos, enquanto as filas diante dos refeitórios da Caritas revelam a concretude dos problemas diários de muitas pessoas.
Diante de tudo isso, não basta dizer “tenham paciência que a retomada logo virá”.
Em primeiro lugar, porque agora são muitos aqueles que, com base em sua própria experiência pessoal, que há tempo anda exatamente na direção oposta, não acreditam mais. E depois porque, se é verdade que a própria pandemia é consequência de um modelo de desenvolvimento equivocado que aumentou as desigualdades e criou graves desequilíbrios no ecossistema, não se pode indicar como cura aquela que é a causa da doença. Se há uma coisa que esta crise está nos dizendo é que o simples crescimento quantitativo agora produz tantos problemas que anula os benefícios.
As críticas são tantas que parecem intransponíveis. É preciso ser muito concretos para combater o desemprego, apoiar as empresas, reformar a educação e a saúde, iniciar novos investimentos. Mas por mais que se possa e se deva agir rápido e agir corretamente, o tempo que nos separa de um novo equilíbrio, de uma situação melhor do que aquela em que acabamos não será curto.
Um grande problema: no mundo da “gratificação imediata”, do tudo e agora, dos resultados de curtíssimo prazo, como reabrir o futuro? Como diria o antropólogo Ernesto de Martino, diante das crises se abre a possibilidade de uma odologia (de odós, estrada), uma reflexão rigorosa sobre os caminhos e as trilhas possíveis a partir da nova situação, para garantir que a dimensão mortífera do trauma não sufoque totalmente as oportunidades vitais que a partir dele de qualquer forma se abrem.
“Concretude” hoje significa ser capazes de indicar uma direção de sentido que nos permita orientar e manter juntos os comportamentos de todos no plano econômico (com empresas capazes de entender que só a escolha da sustentabilidade ambiental e do investimento nas pessoas pode permitir permanecer no mercado), político (com instituições aptas a tornar efetivo o sentido de um destino comum que nunca como neste momento voltamos a perceber) e social (com um novo protagonismo da sociedade civil, baseado na ideia de uma solidariedade contributiva que reconhece e, ao mesmo tempo, confia a cada um a tarefa de aumentar o bem comum).
Neste contexto, não é retórico afirmar que as duas encíclicas do Papa Francisco - Laudato si' e Fratelli tutti - têm a força simbólica de delinear as coordenadas de referência do futuro possível que juntos possamos imaginar. Ao enfatizar aspectos complementares - a questão ambiental, de um lado, e as questões sociais, de outro - as duas encíclicas tocam nos pontos esquecidos de nosso tempo individualista.
Verdadeira origem da crise que vivemos: ter esquecido, isto é, que tudo está relacionado com tudo, que ninguém se salva sozinho, que não há crescimento econômico sem desenvolvimento social, que protagonista e destinatário do desenvolvimento só pode ser o ser humano em sua integralidade (material e espiritual, individual e coletiva).
Vamos dar uma olhada ao nosso redor. Não há outras hipóteses significativas. Exceto, é claro, as promessas - tão grandes que se tornam exorbitantes - da inovação, da ciência, da tecnologia. Realidades muito preciosas (constatamos isso com a vacina) que, no entanto, sozinhas não são capazes de satisfazer nem as demandas individuais nem as exigências coletivas. O discurso tecnocrático não é suficiente.
Para evitar ser sugados pelo cinismo que a crise pandêmica traz consigo, precisamos de uma beleza, um novo desejo, uma esperança comum, um futuro que não seja a mera repetição do que já conhecemos. Temos de reconhecer um desafio que envolve todos, a começar pelas novas gerações às quais é confiada uma responsabilidade particular por aquilo que seremos capazes de construir. E isto é especialmente verdade para a velha Europa, que há muitos anos vem lutando por encontrar a sua identidade. Talvez isso surpreenda alguns. Mas nunca como hoje a esperança que nasce do Evangelho pode ser o fermento para uma transformação profunda da vida social.