18 Dezembro 2020
“Os líderes da igreja, padres, religiosos e religiosas, e os leigos devem começar a escutar, tal como Lawler e Salzman defendem. Reafirmar as identidades trans e intersexo é um ato de amor que todos os católicos precisam abraçar”, escreve Michael Sennett, homem transgênero e assistente administrativo na Igreja de Santo Inácio de Loyola em Chestnut Hill, Massachusetts, em artigo publicado por New Ways Ministry, 17-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Advento é um caminho de renovação da minha esperança, muitas coisas são necessárias para mim como homem católico transgênero. A graça salvadora deste ano foi um artigo do National Catholic Reporter dos teólogos Michael G. Lawler e Todd A. Salzman, intitulado “A Igreja Católica precisa ouvir transgêneros e intersexuais”. O artigo foi uma lufada de ar fresco em um cobertor sufocante de ódio e intolerância que frequentemente experimento dentro da Igreja.
Embora o artigo seja atraente pelo título, eu estava cético, pensando que o ensaio seria mais um chamado não sincero para o diálogo. Mas os dois primeiros parágrafos despertaram interesse. Lawler e Salzman citaram a parábola da ovelha perdida do Evangelho de Lucas propondo que pessoas trans e intersexo não são pecadores, mas “ovelhas perdidas no deserto católico”. Aplicar a metáfora da ovelha perdida para a experiência de católicos trans e intersexo é notavelmente adequada. Deixe-me explicar por quê.
Não por culpa própria, pessoas em inconformidade de gênero têm enfrentado um intenso ódio da Igreja Católica. Quando os católicos impõem o rígido binário homem-mulher, me sinto estranho no espaço que meu corpo ocupa. Quando padres pregam contra a “ideologia de gênero” ou bispos escrevem cartas que equiparam a disforia de gênero a sentimentos fugazes, me sinto incompreendido e abandonado. Quando documentos da Igreja como “Homem e Mulher os criou” do Vaticano e “Compaixão e Desafio” da Arquidiocese de St. Louis usam linguagem como desejo e tentação por identidades de gênero não tradicionais, linguagem que está tão intimamente ligada ao pecado, eu sinto vergonha dentro de mim. Pessoalmente, há um limite para o ridículo com que posso lidar antes de me desligar e me isolar da Igreja. Em outras palavras, o ambiente hostil criado e mantido por alguns católicos me obriga a querer fugir do rebanho e me tornar uma ovelha perdida.
Para ser claro, não estou perdido por causa de minha identidade como homem trans. Estou perdido porque a Igreja se recusa a me ver como sou. Os cristãos me acusam de me separar de Deus por causa da vida que supostamente escolhi. A única escolha que fiz foi viver como meu eu autêntico, em vez de mergulhar mais fundo na depressão e na autoaversão. O que me leva, e a outras pessoas transgênero ou intersexo, para mais longe de Deus é a rejeição das comunidades da Igreja. Então surge um ciclo. Eu deixo. Eu volto, mas me sinto um tolo porque ninguém se alegra. Em vez disso, sou recebido com transfobia, acusações de pecado, suspeita e culpa. Então, algo ou alguém vem para reconciliar minha fé. E o ciclo continua.
Mas Lawler e Salzman renovam meu senso de esperança reconhecendo as pessoas trans e intersexo não como pecadoras, mas como ovelhas perdidas neste ciclo. Os teólogos percebem que somos alienados não por causa de quem somos, mas por causa do que dizem os documentos oficiais da Igreja. E, ao contrário dos documentos da Igreja que criticam a “ideologia de gênero” e oferecem apelos ao diálogo que podem até não existir, Lawler e Salzman buscam um diálogo real. Onde minha presença no discurso muitas vezes não é permitida ou levada a sério, esses teólogos pedem um engajamento sério. Os líderes da igreja, padres, religiosos e religiosas, e os leigos devem começar a escutar, tal como Lawler e Salzman defendem. Reafirmar as identidades trans e intersexo é um ato de amor que todos os católicos precisam abraçar.
No verdadeiro estilo do Advento, a leitura do artigo de Lawler e Salzman e o uso da parábola da ovelha perdida restaurou minha esperança antes exaurida pela inação da Igreja. Posso sentir a continuação de olhos, ouvidos e corações se abrindo para as vidas e experiências de pessoas trans e intersexo. Espero sinceramente que, com a vinda de Cristo, chegue também uma era de aceitação.
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O chamado de teólogos para o diálogo oferece uma esperança renovada de Advento, escreve transgênero católico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU