13 Novembro 2020
Ataques e acusações ao vivo na TV, protestos nas redes sociais, manifestações sob a Cúria de Cracóvia. Enquanto o Vaticano abre a caixa de Pandora com o longo Relatório sobre os fatos e delitos do ex-cardeal McCarrick, na Polônia já agitada pelos protestos contra o aborto, irrompe um furacão devido ao escândalo dos abusos do clero. Desta vez, quem está no olho do furacão é o mais alto líder da Igreja Católica, o Cardeal Stanislaw Dziwisz, 81 anos.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 12-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Dom Stanislaw", o arcebispo emérito de Cracóvia, figura lendária por sua profunda amizade com São João Paulo II, que serviu por mais de quarenta anos como secretário pessoal, está no centro de uma tempestade pela acusação de ter encoberto em troca de dinheiro casos de pedofilia no Vaticano e na Polônia. Fala-se principalmente sobre os crimes do ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, que conheceu em 1976, com quem manteve relações próximas durante anos (tanto que McCarrick se referia a ele com o apelido de "Monsenhor Stan" ou "Monsenhor Stash") ou do fundador mexicano dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degollado, abusador serial punido somente depois de décadas.
Essas acusações - ainda a serem comprovadas - foram reveladas em um documentário exibido na noite de 9 de novembro na Tvn24, a maior emissora de televisão privada da Polônia, intitulado “Dom Stanislaw. A outra face do Cardeal Dziwisz”. Marcin Gutowski, jornalista da redação de “Black on the White”, assina a produção. Em uma hora e meia, Dziwisz vai sendo arrasado: casos de pedofilia escondidos de Wojtyla, laços com políticos do PiS, cartas ignoradas de vítimas de padres poloneses ou de McCarrick e Maciel; rios de dinheiro que o prelado teria recebido, juntamente com o então secretário de Estado Ângelo Sodano, para fechar os olhos às várias denúncias dirigidas ao Vaticano. No documentário é entrevistado, entre outros, o jornalista estadunidense Jason Berry, que já há muitos anos escreveu sobre as substanciais doações que Maciel concedia às altas esferas do Vaticano da época, comprando seu silêncio.
Pesadas acusações, algumas das quais já sussurradas há tempo nos corredores dos palácios do Vaticano, onde Dziwisz é lembrado como a eminência parda que detinha o poder especialmente nos últimos anos do pontificado de Wojtyla, marcados pela doença. Nunca antes, porém, e especialmente na Polônia, o cardeal havia sido minimamente atacado, como se qualquer crítica fosse uma descortesia com o santo Papa a quem serviu durante décadas, desde que era auxiliar de Cracóvia até sua morte em 2005.
Na onda de implacável indignação que se alastra no país da Europa de Leste desde o ano passado, especialmente depois dos docufilmes dos irmãos Siekielscy sobre os abusos do clero, agora também se pede ao Pe. Stanislaw para acertar as contas. Após o documentário, vários jornalistas, deputados do Sejm, senadores, representantes políticos, especialmente de esquerda, expressaram seu espanto com o "material chocante e aterrorizante" que foi ao ar e exigem verdade e justiça.
Na noite passada, várias centenas de pessoas participaram de uma manifestação em frente à Cúria em Cracóvia. Gritos como: “Hipócritas. Onde estavam suas instituições que deveriam proteger as crianças?” ressoaram pela avenida Franciszkańska. Nos últimos dias, grupos de mulheres se reuniram em uma manifestação na rua Kanonicza, onde mora o cardeal. Alguns dos protestos terminaram em agressões a policiais e prisões.
O caso, no momento, está dominando toda a mídia polonesa. O presidente da Conferência Episcopal, Dom Stanisław Gądecki interveio, pedindo que as denúncias sejam esclarecidas por uma competente Comissão da Santa Sé. “Ao mesmo tempo - acrescentou o prelado num comunicado -, gostaria de destacar que a Igreja na Polônia é grata ao cardeal pelos muitos anos de serviço junto de São João Paulo II”.
Dziwisz reitera o desconhecimento dos fatos contestados e diz que é a favor de uma investigação independente a seu respeito para que a verdade possa vir à tona. “Renovo a minha proposta de uma comissão independente para avaliar as ações tomadas pela Igreja nos eventos citados pelo documentário. Eu estaria disposto a cooperar plenamente, não se trata de esconder eventuais negligências, mas de apresentar escrupulosamente os fatos”.
Já no dia 20 de outubro, em uma entrevista reveladora, divulgada também pela Tvn24, o influente cardeal havia rejeitado todas as acusações, em particular a de ter ignorado o caso de Janusz Szymik, um padre de 48 anos que foi vítima aos 12 anos do padre Jan Wodniak, amigo de família. Szymik afirma ter entregue diretamente uma carta a Dziwisz, então titular de Cracóvia, denunciando os mais de 500 atos de violência sofridos por Wodniak de 1984 a 1989, na aldeia de Międzybrodzie Bialskie (duas horas a sudeste de Cracóvia), mas nunca obteve resposta. Dziwisz garante que nunca recebeu nada.
Afirmações estas desmentidas por um sacerdote de Cracóvia, o padre Tadeusz Isakowicz-Zaleski (conhecido fundador de uma organização sem fins lucrativos para pessoas com deficiência física e mental), que jurou ter entregue a carta ao arcebispo em 2012, publicando também uma cópia em seu blog. “Não me lembro de nenhuma conversa sobre isso. Não posso ter sobre a consciência não ter ajudado alguém quando procuraram meu apoio. É impossível”, justificou-se Dziwisz. “Se eu soubesse todos os detalhes, eu reagiria, mesmo que não tivesse o direito de fazê-lo porque era uma diocese diferente” (Bielsko-Zywiec, fundada por João Paulo II, ndr).
Alguém do episcopado polonês pensa que também o cardeal tenha caído numa espécie de "armadilha" que visa fazer a Igreja perder credibilidade para fins políticos. O povo, principalmente o católico, porém, invoca transparência por parte das hierarquias eclesiásticas. A mesma demonstrada pelo Vaticano com a publicação de 460 páginas de relatórios sobre McCarrick.
Há menos de duas semanas, na Polônia, havia causado agitação a história do cardeal Henryk Gulbinowicz, 90 anos, emérito da arquidiocese de Wroclaw, punido pelo Papa por violência contra menores e atos homossexuais. Para ele a proibição de participar de qualquer celebração ou reunião pública, de usar as insígnias episcopais e a proibição de serviço fúnebre e sepultamento na catedral. O cardeal, também acusado de colaboracionismo com o regime comunista, foi obrigado a pagar "uma quantia adequada em dinheiro na forma de uma doação para as atividades da Fundação São José, criada pela Conferência Episcopal Polonesa para apoiar as atividades da Igreja em favor das vítimas de abusos sexuais”.
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Polônia, cardeal Dziwisz sob acusação: “Ele encobria abusos por dinheiro”. Manifestações na Cúria de Cracóvia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU