11 Novembro 2020
Dois textos chegam de Pinerolo, na Itália: um Comunicado conjunto da Diocese de Pinerolo e da Igreja Valdense, junto com uma Carta do bispo Derio Olivero. Trata-se do anúncio de uma decisão e das suas motivações, em vista de uma comunhão maior e mais urgente.
“O governo não pediu que nós, cristãos da zona vermelha, suspendêssemos as celebrações festivas. Estou ciente de que temos esse direito. Mas peço aos cristãos católicos que ‘voluntariamente deem um passo atrás’ e renunciem a esse direito por dois domingos, para contribuir com um bem comum, isto é, a contenção do contágio. Eu sei que é um sacrifício grande. Mas ser cristão não significa acima de tudo defender os próprios direitos, mas sim lutar pelos direitos de todos” (Dom Derio Olivero).
Os textos são de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, publicados em seu blog Come Se Non, 10-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como se sabe, o Decreto do presidente do Conselho dos Ministros do dia 3 de novembro de 2020 introduz limitações mais rigorosas em matéria de contenção e gestão da emergência da pandemia da Covid-19. O Piemonte aparece na zona vermelha dessas novas restrições. No entanto, em todo o território nacional, a celebração de Missas e Cultos continua sendo permitida.
Conscientes desse direito, consideramos, entretanto, que é preciso dar um passo atrás voluntariamente, suspendendo as celebrações e os momentos de culto nos domingos 15 e 22 de novembro.
Chegamos a essa decisão conjuntamente com a vontade de dar a esse gesto um valor ecumênico e de testemunho civil.
Gostaríamos também de dar um sinal de solidariedade e proximidade a todos aqueles que se viram obrigados a limitar drasticamente a sua própria atividade laboral e, ao mesmo tempo, comprometemo-nos a não provocar mais fardos ao trabalho dos agentes de saúde.
Por fim, estamos cientes de que suspender as atividades de culto não significa interromper a prática da caridade fraterna, continuando a nos comprometer como cristãos na solidariedade, na escuta, no amor fraterno e no acompanhamento das pessoas que passam pela dimensão da doença e do luto.
Convidamos todos os irmãos e as irmãs fiéis a cultivarem a própria fé e a própria piedade por meio da leitura bíblica e da oração pessoal.
Reiteramos a nossa certeza de que o Senhor continuará nos sustentando neste novo período de dificuldade e de dor, mantendo-nos na confiança e abertos à esperança.
Diocese de Pinerolo
Igreja Evangélica de Pinerolo
* * *
Caríssimas amigas e caríssimos amigos,
Em junho, com alguns amigos, escrevi o livro “Non è una parentesi” [Não é um parêntese]. Na época, eu estava quase certo de que a pandemia havia ficado para trás. Naquele texto, eu convidava a “não desperdiçar” aquilo que aquele momento terrível nos havia ensinado. Infelizmente, estamos novamente na mesma situação: muitíssimos contágios, muitos em terapia intensiva, muitas mortes. Os hospitais estão lotados, e muitas pessoas com doenças graves, talvez precisando de cirurgia, não podem ser internadas. Todos temos conhecimento de pessoas positivas, de amigos ou familiares internados, de pessoas em terapia intensiva. Todos somos convidados a reduzir os nossos movimentos, a conter as oportunidades de aglomeração. Principalmente nos nossos territórios (zona vermelha).
Muitas pessoas são convidadas a fazer sacrifícios graves para conter o contágio: penso nos nossos jovens que não podem ir à escola, não podem se encontrar para praticar esportes ou para conversar à noite; penso nos donos de restaurantes e naqueles que tiveram que fechar as suas atividades laborais.
São esforços enormes, necessários para reduzir as possibilidades de contágio, mesmo onde haviam sido feitos grandes esforços para se adequar às normativas (penso nas escolas, nos locais públicos e no comércio).
O governo não pediu que nós, cristãos da zona vermelha, suspendêssemos as celebrações festivas. Estou ciente de que temos esse direito. Mas peço aos cristãos católicos que “voluntariamente deem um passo atrás” e renunciem a esse direito por dois domingos, para contribuir com um bem comum, isto é, a contenção do contágio.
Eu sei que é um sacrifício grande. Mas ser cristão não significa acima de tudo defender os próprios direitos, mas sim lutar pelos direitos de todos. Muitos me dirão que devemos defender a nossa identidade, expressada sobretudo na celebração eucarística. Caras amigas e caros amigos, a nossa identidade está na nossa capacidade de seguir Jesus Cristo, que se fez dom para todos, capaz de santidade hospitaleira.
Eu sei, nós precisamos d’Ele para sermos um dom para os outros. Neste tempo, rezemos todos mais! Peço-lhes isso de joelhos. Rezemos mais, rezemos incessantemente por nós e por todos, particularmente por aqueles que sofrem. Redescubramos, na necessidade, a oração em casa. Muitos cristãos se esqueceram dela. Redescubramos a leitura da Palavra, na qual o próprio Cristo vem ao nosso encontro.
Não podemos nos reunir na igreja, mas podemos nos reunir em casa. Como seria bonito um momento de silêncio e de oração com os filhos ou com os netos! Em muitas casas cristãs, perdeu-se esse cuidado doméstico da fé. Sem o cuidado doméstico e pessoal da espiritualidade, a Missa corre o risco de se tornar um rito vazio.
Eu sei que, nestes domingos, sentiremos falta da dimensão comunitária, pilar do nosso caminho de fé! Eu sei disso e estou feliz que o aspecto comunitário esteja vivo e fecundo em nós, fiéis.
Nestes dias, serei o primeiro a me comprometer para cuidar mais dos contatos e para estar presente com vídeos, streamings, mensagens, telefonemas. Peço que os sacerdotes, os diáconos, os catequistas, os animadores façam o mesmo. Ou, melhor, peço que todos os cristãos dediquem mais tempo às relações. O cristão é um criador de relações dentro e fora da própria comunidade. Com um slogan, eu diria assim: “Fechemos para abrir”.
Eu sonho com uma Igreja menos repetitiva, menos individualista, menos autocentrada; sonho com uma Igreja que se faz diálogo, que se faz relação, que vive de relações, que é capaz de celebrar com genuína criatividade a ressurreição do Senhor sempre. Sonho com uma Igreja que encarna a encíclica Fratelli tutti, que vive o mandamento do amor.
A Igreja é o “Corpo de Cristo”. Neste tempo, ela vive a dimensão de um “corpo dilacerado”, na certeza de voltar a ser um “corpo ressuscitado”. Como diz sabiamente o teólogo Marco Gallo, “a liberdade de culto não é um bem absoluto, mas vive em equilíbrio com uma presença evangélica nos territórios e nos contextos. Acima de tudo, remetendo à questão litúrgica, a liberdade de culto não coincide com o culto público a todo o custo. É preciso ter confiança na liturgia, que sabe esperar os tempos oportunos, transformar-se em gestos ainda mais discretos, em contatos diferentes”.
Peço desculpas às pessoas sensíveis que talvez possam ficar escandalizadas com essa escolha. Caros amigos, peço-lhes que façam esse esforço também pelos seus filhos ou netos, que talvez não frequentam mais as nossas liturgias (e são muitos, infelizmente). Eles olham para a Igreja como uma instituição insensível à sua vida concreta, aos seus problemas; uma instituição fechada na sua doutrina, incapaz de diálogo; uma instituição fora do tempo.
Caros irmãos e irmãs, ajudemo-nos a criar uma Igreja capaz de falar não só a nós, praticantes (e de uma certa idade, como eu), mas ainda capaz de falar aos jovens e a quem não crê. Essa é a grande urgência.
Ajudem-me, amigos fiéis, a construir o futuro. De todos.
+Derio Olivero
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Pandemia e liturgia: os direitos dos cristãos e o bem de todos. Um comunicado e uma carta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU