12 Agosto 2020
Um católico gay das Filipinas registrou a sua poderosa trajetória de autodescobrimento e de como ele encontrou um caminho de volta a Deus e à Igreja. Agora, com sua experiência, ele quer ajudar católicos LGBTQs das Filipinas e de outros países a encontrarem este caminho também.
A reportagem é de Brian William Kaufman, publicada por New Ways Ministry, 11-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em ensaio publicado na revista Vice, Raymond Alikpala articula um discernimento espiritual robusto sobre a harmonização dos elementos fundamentais de sua identidade: gay com orgulho, católico devoto praticante e um filipino que valoriza a sua herança cultural.
Alikpala fala da compreensão que tinha de identidade LGBTQ, grandemente influenciada por sua origem étnica e pela fé católica:
“Como muitos filipinos, cresci em um lar católico, com muita devoção. Na maior parte da minha vida, eu estudei em escolas só para meninos, escolas de padres. A minha família, os meus professores e amigos nunca conversaram sobre o tema da sexualidade. Tudo o que eu sabia era que deveríamos evitar o assunto. Na verdade, eu comecei a temer o fato de que eu era gay, isso aconteceu quando eu tinha 6 anos. Não entendia, mas sabia que eu era diferente e isso me assustava. O que vai acontecer se descobrirem?”
Com medo de ser ignorado, Alikpala queria que a sua identidade sexual fosse algo temporário e que se encaixasse nas convenções sociais da heterossexualidade ao se relacionar com mulheres.
Após concluir os estudos na área do direito, Alikpala entrou para o noviciado jesuíta, primeiro passo para se tornar membro de uma comunidade religiosa. No entanto, um ano depois ele foi expulso porque fizera sexo com um outro rapaz.
Alikpala reflete que o celibato religioso virou um veículo poderoso para que ele refreasse a sua sexualidade enquanto dom divino.
Mas a sua caminhada espiritual, de reconciliação com a própria sexualidade, com sua fé católica e com as suas origens culturais não foi um processo fácil. O autor revela a luta que preciso travar para compartilhar o seu eu autêntico entre seus familiares, ao mesmo tempo em que se perguntava se haveria espaço para ele na Igreja:
“Depois de sair do noviciado e assumir a homossexualidade entre familiares e amigos, parei de ir à igreja por oito anos, porque não me sentia mais acolhido. Mas nunca deixei de examinar as minhas crenças”.
Ele então foi para o Camboja onde, como advogado, defendeu os direitos dos refugiados. Para Alikpala, a distância física de suas origens católicas e o seu histórico cultural serviram como uma via para que ocorresse uma redefinição de sua própria relação com a Igreja, ao redescobri-la de uma maneira mais profunda:
“Vivendo num país não cristão, livre da pressão da tradição e do julgamento, descobri o que era a Igreja Católica quem me possibilitava sentir-me em casa. Ela se transformou num espaço de conforto ao invés de medo, algo que no passado ocorreu”.
Com um novo senso de gratidão pela Igreja, Alikpala fala do papel importante que o clero pode desempenhar na cura das feridas espirituais e na promoção de um entendimento teológico mais amplo sobre o amor incondicional de Deus por todos, incluídos os católicos LGBTQs:
“Enquanto morei lá, uma amiga, que é freira, me ajudou a perceber que Deus foi representado como um capataz, com a lista dos Dez Mandamentos que devemos seguir. Temos que ir à igreja, nos vestir desse jeito, nos comportar daquele outro, evitar ofender o próximo. Mas o principal é o amor de Deus. E um Deus de amor não criaria mal algum”.
O autor do ensaio sublinha também como o exemplo do Papa Francisco e o ministério de alguns padres estão cultivando espaços para fiéis LGBTQs:
“Gosto de como o Papa Francisco, a seu modo, acolheu LGBTQs de volta à Igreja. Vejo também padres como o Pe. James Martin, jesuíta, consultor do Vaticano, alguém conhecido por construir pontes entre a Igreja e a comunidade LGBTQ. Conheço pessoalmente muitos padres das Filipinas que fazem o mesmo”.
As reflexões de Alikpala sobre a cultura e a sociedade filipinas ilustram por que as lideranças católicas devem trabalhar ativamente para curar o sofrimento espiritual que a Igreja inflige à população católica LGBTQ das Filipinas.
Para Alikpala, um ministério voltado a este setor e um trabalho social com o envolvimento dos bispos é fundamental: “Na comunidade gay das Filipinas, a maioria não se importa mais em pertencer à Igreja. Essas pessoas não precisam da Igreja para definirem quem elas são, porque simplesmente é mais fácil falar dos direitos LGBTQs sem colocar Deus no meio”.
De fato, como Alikpala reflete em seu trabalho junto aos católicos LGBTQs, ele próprio é testemunho de que há um lugar sagrado e inclusivo para pessoas LGBTQs na vida litúrgica da Igreja, e também para os que estão perto de tirar a própria vida:
“Sabendo que a Igreja ainda tem valor para as pessoas LGBTQs, venho buscando criar pontes. Em 2010, escrevi um livro de memórias chamado God Loves Bakla (mais tarde reeditado como Of God and Men: A Life in the Closet). Essa publicação é uma forma de ajudar os católicos gays filipinos que podem estar passando pelos mesmos problemas pelos quais passei. Recebi respostas muito positivas e, pelo menos em dois casos, me disseram que quem leu acabou não cometendo suicídio”.
Essa reconciliação espiritual de Alikpala ilustra um modelo poderoso que explora o amor incondicional divino em meio a atitudes pervasivas de homofobia, transfobia e intolerância.
A sua coragem de lidar com profundas feridas espirituais e de discernir no sentido de que existe uma compreensão profundamente diferente de Deus e de Igreja mostra que a via para harmonizarmos a nossa sexualidade, a nossa fé católica e as nossas tradições culturais não só é possível como também conta com o apoio de inúmeros religiosos em todos os níveis eclesiásticos.
Alikpala conclui suas reflexões com uma mensagem animadora do amor divino para os que buscam reconciliar estas identidades aparentemente irreconciliáveis: “Eu gostaria de dizer essas coisas a mais pessoas e dar, a cada uma delas, um abraço, porque ainda sinto essa dor e o meu coração sangra pelos jovens que passam pelas mesmas dificuldades. Eu gostaria que essas pessoas ouvissem que Deus as ama, ao invés de todas aquelas coisas odiosas que uns dizem. O amor divino é como um rádio em volume máximo. Não importa o que façamos, Deus não vai nos amar mais ou menos. Como podemos exceder o infinito?”
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Filipinas. Escritor católico gay reflete sobre encontrar formas de voltar a Deus e à Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU