05 Agosto 2020
Um dos mais influentes pensadores da atualidade, Ailton Krenak vem trazendo contribuições fundamentais para lidarmos com os desafios que enfrentamos hoje: uma terrível pandemia, um governo de extrema-direita e os diferentes efeitos do aquecimento global.
A reportagem é de Helio Carlos Mello, publicada por Jornalistas Livres, 02-08-2020.
A vida não é útil. Livro de Ailton Krenak. (Capa/Reprodução)
“Se enxergarmos que estamos passando por uma transformação, teremos que admitir que nosso sonho coletivo de mundo e a inserção da humanidade na biosfera terão que se dar de outra maneira. Nós podemos habitar este planeta, mas terá que ser de outro jeito. Senão, seria como se alguém quisesse ir ao pico do Himalaia, mas pretendesse levar junto sua casa, a geladeira, o cachorro, o papagaio, a bicicleta.”
Em reflexões provocadas pela pandemia, o líder indígena e escritor volta a apontar as tendências destrutivas da chamada civilização: consumismo desenfreado, devastação ambiental e uma visão estreita e excludente do que é a humanidade.
Crítico mordaz à ideia de que a economia não pode parar, Krenak provoca: “Nós poderíamos colocar todos os dirigentes do Banco Central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, com a economia deles. Ninguém come dinheiro.” Ele também tem um recado para os bilionários que estão investindo em viagens espaciais e sonham com o eventual estabelecimento de colônias em outros planetas: “Vão logo, esqueçam a gente aqui!”.
Para o líder indígena, “civilizar-se” não é um destino. Sua crítica se dirige aos “consumidores do planeta”, além de questionar a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia. Se a terrível pandemia da Covid-19 nos faz sentir que o chão nos falta, as ideias de Krenak despontam como os “paraquedas coloridos” que ele descreve em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, que já vendeu mais de 50 mil cópias no Brasil e está sendo traduzido para o inglês, francês, espanhol italiano e alemão.
A vida não é útil reúne cinco textos: “Não se come dinheiro”, “Sonhos para adiar o fim do mundo”, “A máquina de fazer coisas” e “O amanhã não está à venda” (publicado como e-book gratuito), além daquele que dá título ao livro — todos adaptados de palestras, entrevistas e lives de Krenak, realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020.
Ler e ouvir Ailton Krenak é algo que surpreende o espírito. Das montanhas de Minas, seus cursos d’água e brisas, às vezes tão frias, vales de ideias revolvem a planície de nosso mundo.
Minas de pedras de poesia e saber, penso no Drummond, sabendo que nunca esquecerei desse acontecimento nas retinas castigadas, que tinha pedra no meio do caminho.
Indígenas, ouro da terra, esmeraldas tão lindas, pergunta meu ser. Nem sei, brilha a pedra dura no canto escuro de nossas recusas, escuso acusa. Grita a face oculta da nação que enterra seus mortos, vende rios, florestas, identidades.
De Minas Gerais canta, proseia, indaga, o indígena Ailton Krenak, voz tão retumbante, recolhida no isolamento ensurdecedor desse momento. Sinto um terremoto, um tremor na terra e nos homens que nela trafegam.
A empresa Planeta Terra, a vida do consumidor e a cidadania. Vivemos inquilinos na vida?
Diante da luz intensa, de faíscas, raios, hipnotizados ficam os homens quando sentam para ouvir a palavra.
Na filosofia dos homens o pensamento indígena aflora, os pensadores, vozes tão antigas, vanguarda primitiva que insiste, perdura, perpassa.
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A vida não é útil. O novo livro de Ailton Krenak - Instituto Humanitas Unisinos - IHU