18 Julho 2020
O desmatamento da Amazônia se tornou uma grande dor de cabeça para o governo brasileiro, mas não por pressão dos ambientalistas. Foram os donos do dinheiro que obrigaram a administração do presidente Jair Bolsonaro a agir, através de um movimento de investidores que resultou na reunião com o vice-presidente Hamilton Mourão, na última quinta-feira (9). ((o))eco conversou com exclusividade com Jan Erik Saugestad, CEO da Storebrand Asset Management, gestora de investimentos norueguesa que liderou a mobilização internacional e participou do encontro: “Houve o comprometimento claro para que a taxa de desmatamento volte a diminuir e com respeito aos direitos dos povos indígenas”, afirma.
O executivo, entretanto, salienta que palavras não são mais suficientes para evitar uma fuga do capital internacional provocada pela imagem ruim das derrubadas na Amazônia. “Queremos provas tangíveis de que o desmatamento está indo no caminho certo”, cobra.
A entrevista é de Fernanda Wenzel, publicada por ((o))eco, 16-07-2020.
O descontentamento do setor financeiro começou a ser expressado no ano passado, quando gestores de fundos internacionais publicaram cartas alertando que o desmatamento colocava em risco seus investimentos em empresas brasileiras – uma destas cartas endereçava-se especificamente ao setor da carne bovina. Em maio deste ano, investidores se reuniram novamente para pedir ao Congresso que não aprovasse a Medida Provisória 910, conhecida como a MP da grilagem – a medida caducou, mas voltou à pauta da Câmara Federal, reapresentada como um projeto de lei.
Enquanto isso, o desmatamento na Amazônia seguiu batendo recordes – e o descontrole foi coroado com a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que era preciso aproveitar a pandemia para passar a boiada na área ambiental. Foi neste contexto que os 34 investidores voltaram à carga, em junho, com uma carta pedindo reuniões com embaixadores brasileiros para discutir as políticas ambientais do País. Alertaram que as empresas brasileiras, em especial as de carne bovina, poderiam ter dificuldade para acessar os mercados internacionais, “dada a sua potencial exposição ao desmatamento em suas operações e cadeias de suprimentos”.
Os resultados vão além da reunião, que também contou com a presença de diversos ministros, incluindo a da Agricultura, Tereza Cristina, e o do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Antes mesmo do encontro, 38 líderes de grandes empresas que operam no Brasil alertaram o governo que o desmatamento “tem um enorme potencial de prejuízo” para o país. O documento também foi assinado por quatro entidades setoriais, entre elas a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Na esteira destes acontecimentos, a Marfrig anunciou que vai criar um sistema de rastreamento de seus fornecedores indiretos de gado. Com o mesmo objetivo, a Minerva vai contratar uma ferramenta de monitoramento desenvolvida por uma universidade norte-americana. O rastreamento dos fornecedores indiretos – aqueles que abastecem as fazendas onde os frigoríficos compram animais para o abate – são o principal gargalo ambiental da cadeia da carne. Sem ele, as grandes empresas que operam na Amazônia, como JBS, Marfrig e Minerva, não podem garantir aos investidores e consumidores que seu produto é livre de desmatamento.
Foi a falta destes dados, conta Saugestad, que fez a Storebrand deixar de investir na Marfrig, a quinta empresas de carne mais exposta ao desmatamento segundo estudo do Imazon (procurada pela reportagem, a Marfrig não quis comentar o assunto). A gestora de ativos – que administra 73 bilhões de euros – assinou todas cartas com cobranças dirigidas ao Brasil no último ano, e afirma estar na dianteira do investimento sustentável desde 1990. Saugestad, por sua vez, tem se firmado como um dos principais porta vozes da sustentabilidade no mundo financeiro. Nesta conversa com o ((o))eco, o executivo diz que o primeiro passo foi dado, mas que o governo brasileiro precisa mostrar resultados se quiser manter investimentos no País: “Se vamos permanecer como investidores de longo prazo, precisamos ver uma direção diferente quando se trata de desmatamento”.
Sobre a reunião com o governo, ficou satisfeito com as respostas?
Foram feitos alguns comprometimentos iniciais nessa reunião. Um deles foi o comprometimento claro para que a taxa de desmatamento volte a diminuir. Isso foi afirmado pelo próprio vice-presidente e está sob sua responsabilidade. Também (houve manifestação pelo) respeito aos direitos dos povos indígenas, aos direitos humanos. E houve consenso de que o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento econômico são complementares. Isso tudo é ótimo. No entanto, acabamos de receber esse estudo do Inpe afirmando que o desmatamento foi 20% maior na primeira metade deste ano quando comparado ao ano passado [na verdade o desmatamento foi 25% maior]. É claro que ainda é cedo para olhar os dados, e a conversa foi um bom começo. No fim, o que nós realmente precisamos ver são esforços tangíveis no sentido de não haver mais nenhum relaxamento da legislação [ambiental], a execução das agências que fazem cumprir as regulamentações e a aplicação do Código Florestal. Precisamos de provas de que o desmatamento está indo no caminho certo. Nós obtivemos algumas claras ambições e comprometimentos gerais, mas precisamos ver ações na prática para sermos capazes de medir o progresso e estarmos confiantes.
Para o Brasil recuperar a credibilidade seria importante substituir o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles?
Como investidores, nós realmente não queremos interferir na política e nos assuntos internos brasileiros. Nós definitivamente respeitamos a soberania do Brasil e também os seus debates políticos e prioridades. Não temos opinião articulada sobre indivíduos. Apenas queremos deixar claro que, se vamos permanecer como investidores de longo prazo, precisamos ver uma direção diferente quando se trata de desmatamento.
A indústria da carne é um setor de alto risco?
Estamos vendo um crescimento na consciência entre consumidores quando se trata dos bens que eles compram, e não apenas na questão do consumo, mas também em relação à rastreabilidade dos bens que eles consomem.
Que tipo de informação investidores necessitam para estar confiantes de que não estão promovendo o desmatamento da Amazônia?
A questão é realmente sobre a rastreabilidade de commodities [soja e carne] ao longo de toda a cadeia de valor. É por isso que quando desafiamos uma empresa individualmente sobre essa questão ela também fala do desafio em acessar os dados dos subfornecedores. Esse foi um dos cinco tópicos que levantamos na reunião com o governo, que não apenas nós, como investidores, mas também as empresas brasileiras precisam ter um melhor acesso a bases de dados públicos para serem capazes de aprimorar a rastreabilidade. É um ponto bem específico que vamos acompanhar em relação ao governo.
Dados da Global Witness mostram que em 2019 a Storebrand possuía US$ 21 milhões de dólares investidos na Marfrig, uma das indústrias da carne mais expostas ao desmatamento da Amazônia. A Storebrand ainda tem esse investimento?
Não, não investimos na Marfrig. Retiramos por causa de alguns desafios que você apontou. Ao mesmo tempo, ter melhor acesso aos dados pode nos ajudar a nos tornarmos investidores se estas empresas puderem comprovar que possuem boa rastreabilidade e controle da sua cadeia de valor.
É interessante que uma das consequências da carta que os investidores enviaram às embaixadas brasileiras, para discutir a política ambiental, tenha sido que 38 empresas brasileiras fizeram uma carta similar. A Marfrig é uma das signatárias. Nos parece que há agora uma iniciativa mais ampla no Brasil para discutir e endereçar essas questões. Vamos torcer para que isso continue.
Mostramos em uma reportagem que empresas e organizações chanceladas por selos verdes ainda investem na indústria da carne na Amazônia. Por que essas iniciativas não são capazes de frear esses investimentos?
Acredito que o nível de compreensão e conscientização sobre essas questões está aumentando. Nós trabalhamos com investimentos sustentáveis há 25 anos, outros começaram mais tarde. Após o Acordo de Paris houve um foco significativo em problemas relacionados ao clima e às emissões globais de gases [do efeito estufa]. É claro que o desmatamento é importante nesse sentido. Investidores estão cada vez mais preocupados com a indústria da carne e a sua cadeia de valor. O que se argumenta é que é difícil acessar dados para validar a qualidade da cadeia de fornecedores, por isso esse é um ponto importante para muitos. Nós gostaríamos de investir no Brasil, de contribuir para o crescimento econômico e ter investimentos de sucesso, mas nós realmente precisamos ter certeza de que investimos em boas empresas e também em empresas que não contribuam para o desmatamento. A indústria da carne é um desafio e precisamos ter melhor acesso aos dados.
Fala-se há bastante tempo sobre os riscos relacionados às mudanças climáticas. Já existe um impacto real no mercado financeiro?
As mudanças climáticas são reconhecidas como um risco real, mas também como uma oportunidade de investimentos em fontes de energia renováveis, na distribuição de energia ou em maneiras mais eficientes de usar a energia, por exemplo. Claramente as mudanças climáticas têm seus riscos, que se tornam particularmente aparentes no setor de combustíveis fósseis e na cadeia de produção de energia, que se torna menos lucrativa, menos atrativa. Temos visto um declínio significativo nos valores das ações de algumas das fornecedoras de energia movidas a carvão. Mas também é um risco real quando se trata de dano ambiental e condições ambientais mais severas, que têm um impacto econômico real em diversos setores. Então, sim, o risco é real, mas eu acho que estamos vendo apenas o começo de alguns desses riscos.
A pandemia coloca as preocupações com as questões ambientais em um patamar mais elevado?
A pandemia e a Covid-19 de alguma forma acentuaram o fato de que uma crise global não conhece fronteiras e vai prejudicar muitos países. Nesse sentido, talvez a pandemia tenha acelerado a questão da sustentabilidade. O outro elemento da pandemia é que ela revela as consequências do estresse que colocamos sobre os sistemas naturais. Muitos cientistas relacionam a pressão sobre os sistemas naturais com a frequência das pandemias, como a de Covid-19.
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Investidor cobra Brasil por desmatamento: “Para confiar, precisamos ver ações práticas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU