27 Junho 2020
“Os bilionários não precisam prestar contas a ninguém, exceto a si mesmos ou, eventualmente, a suas famílias, de modo que usam sua fortuna para fins pessoais, conforme desejam. O perigo dessa crescente importância é que, sem nenhum controle sobre suas atividades, enquanto se luta para fazer avançar a democracia, está sendo criada uma oligarquia de bilionários, em escala mundial, capaz de fazer o que quiserem”, escreve Boniface Pascal, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris, em artigo publicado por La Vanguardia, 26-06-2020. A tradução é do Cepat.
Há algumas semanas, um foguete da empresa Space X levou dois astronautas americanos para a Estação Espacial Internacional. Quase simultaneamente, Bill Gates entregou um cheque bilionário à Organização Mundial da Saúde (OMS) para compensar a retirada anunciada por Donald Trump da contribuição dos Estados Unidos para essa entidade. Além disso, Mark Zuckerberg, proprietário do Facebook, anunciou o desejo de lançar sua criptomoeda, libra, uma moeda virtual que permitiria aos consumidores fazer compras digitais a um custo menor. O que têm em comum esses três fatos?
Em todos eles, trata-se de bilionários que fizeram fortuna com o digital e que parecem cumprir funções tradicionalmente estatais. A conquista do espaço constitui normalmente uma iniciativa dos estados. Agora, é Elon Musk que veio em auxílio da NASA. Da mesma forma, são os estados que costumam dar contribuições para organizações internacionais. No entanto, após a retirada da contribuição estatal pelos Estados Unidos, Bill Gates surgiu para suprir através de sua fundação esse descumprimento. Por fim, a cunhagem de moedas é, por definição, uma competência estatal e, por esse motivo, sua falsificação tem sido historicamente combatida vigorosamente pelos estados.
A fortuna de Jeff Bezos, dono da Amazon, aumentou no decorrer da crise da Covid-19 em 25 bilhões de dólares, ou seja, mais ou menos como o PIB de Honduras. Sua fortuna agora chega a 150 bilhões de dólares, o equivalente ao PIB da Hungria, e estima-se que possa chegar rapidamente a um trilhão de dólares. Está se tornando cada vez mais difícil encontrar sentido e significado para essas fortunas descomunais.
O volume de negócios do Facebook equivale ao PIB do Líbano, ou seja, 56 bilhões de dólares; a do Alibaba, 48 bilhões de dólares, é comparável ao PIB da República Democrática do Congo, que sem dúvida é um país pobre, mas também a do Azerbaijão, que é um país petrolífero. O Facebook reúne 2,6 bilhões de usuários, ou seja, quase o número da população da China e da Índia juntas. O Alibaba possui 650 milhões de clientes, o que tornaria a empresa o terceiro país do mundo em termos demográficos.
A crescente importância desses bilionários caprichosos é problemática, porque levanta a questão de quem os controla.
Donald Trump deve prestar contas aos eleitores estadunidenses. Mesmo em países autoritários, os governantes devem ser responsabilizados perante seus cidadãos, mesmo na China, onde se responsabilizou Xi Jinping por sua política na luta contra a Covid-19.
Os bilionários não precisam prestar contas a ninguém, exceto a si mesmos ou, eventualmente, a suas famílias, de modo que usam sua fortuna para fins pessoais, conforme desejam. O perigo dessa crescente importância é que, sem nenhum controle sobre suas atividades, enquanto se luta para fazer avançar a democracia, está sendo criada uma oligarquia de bilionários, em escala mundial, capaz de fazer o que quiserem. Talvez trabalhem a serviço de todos, como Bill Gates faz quando financia a OMS, ou de uma maneira puramente egoísta, como Elon Musk, que quer ir habitar Marte com um milhão de pessoas para se proteger de guerras ou do desaparecimento de recursos terrestres.
Assim, essa oligarquia se veria emancipada das massas anônimas que não teriam o direito de falar e estariam sujeitas à boa vontade e generosidade, às vezes interessada, dos agentes oligárquicos.
O problema é que se antepõe a caridade à equidade. Pois bem, o papel dos estados é garantir a equidade e se interessar pelo conjunto dos cidadãos, e quando isso não acontece, os cidadãos dispõem dos meios para se fazer ouvir. No entanto, um bilionário pratica caridade se isso lhe soa bem, caso contrário, faz o que quer. Se não existe um controle por parte das sociedades e estados civis, há o risco de que essa oligarquia acabe se impondo e decidindo nosso destino, sobre o qual não teremos controle algum. O que ganhamos em democracia no plano dos estados, perderemos frente a esses agentes não estatais com igual importância, sobre os quais não exerceremos nenhum controle.
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Podem ou querem os ricos salvar o mundo? Artigo de Boniface Pascal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU