24 Junho 2020
Martin Rees é astrofísico, membro da Câmara dos Lordes e ex-presidente da Royal Society, a academia de ciências britânica. Pesquisa a exploração espacial, os buracos negros, a formação de galáxias, o multiverso e as perspectivas de vida extraterrestre. É cofundador do Centro para o Estudo de Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge.
Em seu último livro, En el futuro. Perspectivas para la humanidad (Crítica), expõe os problemas cruciais que enfrentamos. Disse-me que sua esposa e ele estão há três meses em quarentena e que estão satisfeitos escrevendo, dando conferências e participando de reuniões via Zoom. “Funciona tão bem que quando a crise acabar, vou fazer mais viagens internacionais virtuais e menos voos”.
A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 23-06-2020. A tradução é do Cepat.
O que lhe causa preocupação?
Que a tecnologia - biotecnologia e a cibertecnologia – confere a pequenos grupos dissidentes e pesquisadores o poder de iniciar desastres globais, seja por engano ou por projeto. O cenário de pesadelo de um vírus desenhado artificialmente, que seria mais virulento e transmissível do que o que ocorre naturalmente, existe.
Acabaremos com a nossa espécie?
É um século difícil, e estamos tão interconectados que um desastre em um lugar se espalha globalmente, e isso cria um sério risco de transtornos sociais recorrentes que causam regressão ao invés de progresso na sociedade global.
Por que há tão pouco respeito pela vida?
Temos mais respeito pela vida humana do que nos séculos anteriores, quando, por exemplo, a escravidão era aceitável. Mas estamos despojando e empobrecendo o restante da criação. Acredito que a agricultura industrial será vista pelas gerações futuras como um dos grandes males do nosso tempo, sua capacidade destrutiva é enorme.
Parece que estamos enfrentando a pandemia muito bem...
Não acredito que podemos ser complacentes. Alguns países como o Vietnã e a Nova Zelândia fizeram um trabalho melhor do que a Inglaterra e a Espanha. Receio, porém, que a pandemia ainda não tenha atingido seu pico no mundo em desenvolvimento, onde o número de mortes e transtornos pode ser o mais massivo e trágico.
Seremos capazes de pensar globalmente, na hora de enfrentar o futuro?
A tecnologia permite isso, mas as tendências políticas estão caminhando para o nacionalismo, o mais desastroso, nos Estados Unidos. Precisamos de mais organizações internacionais para regular a internet, energia e outros aspectos de nossas vidas que se interconectam em todo o mundo.
A Grã-Bretanha também optou pelo nacionalismo.
Estou consternado e envergonhado pela política britânica sobre o Brexit. Agora, estamos diante de um cenário em que não se pode confiar nem os Estados Unidos e nem na China. A unidade da Europa como uma força progressiva e poderosa é mais importante do que nunca.
Nossas sociedades podem retroceder?
Após essa pandemia, haverá uma tensão crescente entre três coisas que valorizamos: a liberdade, a segurança e a privacidade. Os chineses estão mais dispostos a abandonar a privacidade como preço de uma maior segurança, enquanto os Estados Unidos estão menos dispostos (e querem conservar suas armas!). As atitudes na Europa estão em algum ponto intermediário.
O que mais teme?
Que uma série de eventos perturbadores corroa o tecido da sociedade. Pandemias como essa e desastres ecológicos podem produzir uma ruptura da ordem social. Da mesma forma, um ciberataque que desligasse a rede elétrica em uma fração de tempo insignificante, em um país, levaria à anarquia em poucos dias.
Você insiste na crescente ameaça do bioterrorismo.
E do bioerro. Milhões de pessoas adquirirão experiência nessas áreas, e as instalações necessárias para criar uma arma biológica são modestas e estão disponíveis.
Disse que estamos diante de um momento único na história do planeta Terra. Por quê?
A Terra existe há 4,5 bilhões de anos, mas é a primeira vez que uma espécie dominante tem o destino em suas mãos. Podemos, literalmente, acabar com a promessa futura da vida ou iniciar um futuro brilhante, aqui na Terra e, algum dia, muito mais longe.
É possível que durante este século fujamos para as estrelas?
Em princípio, deveria ser possível estabelecer um pequeno assentamento na Lua ou em Marte.
Viajarão cientistas, pessoas ricas, loucos...?
Acredito que apenas alguns aventureiros intrépidos gostariam de ir. Viver em Marte seria menos confortável do que viver no topo do Everest ou em um grande tanque no fundo do oceano. É um perigoso engano afirmar que podemos escapar dos problemas da Terra indo para outro lugar.
E diz que criaremos uma nova espécie?
Será possível modificar drasticamente os seres humanos por meio da engenharia genética e as técnicas dos ciborgues. Mas espero que essas técnicas sejam rigorosamente regulamentadas na Terra.
Por que teme revoluções em Marte?
Viverão em um ambiente hostil para o qual estão mal adaptados. Terão o incentivo e a oportunidade de redesenhar a si mesmos e a sua progênie: transformar-se, descarregar-se em criaturas eletrônicas, não precisar de uma atmosfera e ser quase imortais. Esses pós-humanos liderarão a expansão para além do sistema solar.
Podemos ser apenas um dos milhões de formigueiros no multiverso.
É uma especulação, mas não uma loucura. Talvez o nosso big bang tenha sido apenas um de milhares de milhões.
O que mais lhe surpreende da vida?
Quanto mais eu aprendo sobre o mundo natural, mais incrível me parece. Pense na elaborada cadeia de processos químicos sincronizados que deve ocorrer toda vez que uma mosca bate as asas. Estes são provavelmente mistérios para sempre acima da compreensão humana.
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“Este século difícil pode nos levar a uma regressão global”. Entrevista com Martin Rees - Instituto Humanitas Unisinos - IHU