22 Junho 2020
"Sua obsessão era armar o povo em sua defesa e militarizar a nação. Com pleno domínio da psicologia das massas, decidiu revestir-se de sacralidade e cumular-se de religiosidade. Roma acima de tudo e César acima de todos!", escreve Frei Betto, escritor e autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Companhia das Letras), entre outros livros.
Desde 509 a.C., derrubado o rei etrusco, Roma se tornou uma república governada por magistrados eleitos. No ano anterior, Clístenes havia introduzido a democracia na Grécia. Algo de novo acontecia na história da humanidade: agora, em uma península da Europa, o governo de uma nação emanava do poder popular.
Em 60 a.C., Roma passou a ser governada pelo primeiro triunvirato, Caio Júlio, Marco Licínio Crasso e Pompeu, o grande. Crasso morreu sete anos depois, na batalha de Carras, na Turquia. Pompeu, arraigado em sua formação militar, se sentiu à vontade para transformar sua vontade pessoal em projeto político e, inclusive, dar asas ao sonho de transformar Roma em um império mundial.
Sob seu governo, as tropas romanas, comandadas por Caio Júlio, conquistaram a Gália (detalhes em Asterix...), expandiram as fronteiras do império até o Reno e ameaçaram a Britânia.
Triunfante pela conquista da Gália, em 49 a.C. Caio Júlio, no comando da 13º Legião, violou as leis romanas e, em armas, sem autorização do Senado - a Suprema Corte do império -, atravessou o Rubicão, o rio que separava a Itália da Gália Cisalpina. Movido pela ambição de poder, lançou a sorte, derrotou Pompeu e assumiu o governo de Roma.
Seus quatro anos de governo se caracterizaram por sucessivos atritos com a Suprema Corte, que pressentiu ter ele a intenção de instalar um regime ditatorial apoiado pelo exército e restringir ao máximo o papel dos legisladores. Por um período, Caio Júlio resistiu às decisões dos legisladores e insistiu em submetê-los à sua vontade. Embora a república tivesse caráter civil, ele se cercou cada vez mais de generais, como Otávio e Marco Antônio, aos quais concedeu o título de cônsul, o mais alto cargo da República romana. Pretendia, assim, dar uma aparência civil ao governo e encobrir que todo o poder estava, de fato, em mãos de militares, e não mais das instituições republicanas.
Respaldado pela plebe fanatizada por sua figura, que o venerava como herói e mito, e sustentado pelo exército, Júlio acresceu a seu nome o epíteto César e se tornou ditador em 47 a.C. Considerado salvador da pátria por seus apoiadores, adotou os títulos de Pontífice Máximo (prerrogativa de governar sem consulta à Suprema Corte), Ditador Perpétuo (prerrogativa de reformar a Constituição e, portanto, declarar “A Constituição sou eu”), e Censor Vitalício (prerrogativa de ser o comandante-em-chefe do exército em Roma e nas províncias).
Sua obsessão era armar o povo em sua defesa e militarizar a nação. Com pleno domínio da psicologia das massas, decidiu revestir-se de sacralidade e cumular-se de religiosidade. Roma acima de tudo e César acima de todos! Sua estátua foi introduzida nos templos romanos e nas capitais provinciais, e ele passou a ser venerado como um deus – Jupiter Julius. Tinha tanto poder que ousou reformar o calendário, que ficou conhecido como Juliano, e introduziu um sétimo mês em sua homenagem – Julho.
Como a maioria dos tiranos ao longo da história, teve um fim trágico, em março de 44 a.C. Na peça “Júlio César”, tragédia escrita por Shakespeare em 1599 (tal figura só requeria mesmo uma tragédia), um adivinho alerta: “Cuidado com os idos de março”... E o procônsul Marco Júnio Bruto, mais conhecido como Brutus, compara César ao “ovo de serpente que eclodindo, como a sua espécie, cresceria malevolamente”.
Esse passado passou?
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