17 Junho 2020
"Corpus Christi recebeu uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional, além de muitos prêmios em festivais ao redor do mundo. Embora feito principalmente para um público polonês, o filme tem a mensagem profundamente espiritual de compaixão e inclusão que ultrapassa fronteiras. O tema é a fé e como a vivemos, com quem e onde quer que estejamos. Leva-nos a perceber o nosso chamado", escreve Judith Kelly, autora de Just Call Me Jerzy, biografia do Beato Pe. Jerzy Popiełuszko e ficou três meses em uma prisão no estado da Virgínia Ocidental, EUA, por um ato de resistência civil, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 13-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Corpus Christi é um filme polonês intrigante, dirigido por Jan Komasa, sobre a bondade humana. Um jovem prisioneiro, detido em um centro de detenção, aproveita a oportunidade para enganar e acaba florescendo.
A julgar por experiência própria, toda forma de prisão desumaniza. A reabilitação acontece – quando acontece – contra baixas probabilidades. Em três meses em uma prisão federal, vi o contínuo espancamento de almas já desmoralizadas. Um padre fez meu estômago se revirar: uma missa torturante, à qual nunca mais voltei.
Por outro lado, Daniel, o jovem preso em Corpus Christi, encontra o seu eu luminoso quando se passa por Pe. Tomasz. “Deus está sempre conosco”, diz ele. “Todos somos um sacerdote de Deus”. Daniel canta angelicalmente o Salmo 23, mas não pôde frequentar o seminário por causa da sua ficha criminal.
Enviado para um trabalho temporário no interior, Daniel é pego fumando em um ônibus por um policial sarcástico que diz sentir, de longe, o cheiro da “escória”. O emprego dessa palavra aponta para divisões profundas na sociedade polonesa, onde só os “poloneses verdadeiros” têm autoridade. Os demais são a “escória”, que podem ser descartados.
Quando enxerga o local sombrio de trabalho da serraria onde ficará, no qual empilhar paletes é supostamente uma ótima ocupação para a “escória”, Daniel se retira e segue o som dos sinos das igrejas. Quando lhe perguntam sobre sua presença em uma igreja local, quatro simples palavras – “Eu sou um padre” – mudam instantaneamente a sua trajetória de vida. O padre mais velho, que precisa de uma folga, dá as boas-vindas ao “Pe. Tomasz”, que relutantemente concorda em ajudar por alguns dias. (Essa premissa não é de todo exagerada. O roteirista Mateusz Pacewicz pesquisou o fenômeno dos imitadores de padres na Polônia. Eventos reais inspiraram a história de Corpus Christi.)
O tempo que Daniel viverá a vida de Pe. Tomasz se dá através de um conjunto de desafios tensos que vai até a última cena. Uma colisão frontal que tira sete vidas ocorre em meio a um mistério. A comunidade está imersa em dor e divisão: Foi um acidente ou assassinato? Quem foi o culpado? A verdade trará cura?
Daniel / Pe. Tomasz, sempre com medo de ser descoberto, é esperto e determinado. Busca ajudar as famílias em luto. Ouve um grupo de jovens que refletem as profundas divisões da cidade. Participa de uma junta para descobrir a verdade e tenta ajudar uma viúva. Suas perguntas reabrem feridas e expõem práticas de vingança disfarçadas. O seu carisma eletrizante – que inclui sexo, drogas, rap e bebidas – destaca-se diante da autoridade e violência. Quem está certo e quem tem o poder? Essa jornada dolorosa em direção à compaixão e reconciliação é encabeçada por alguém de colarinho sacerdotal que busca curar os outros e a si mesmo.
Quando saí da prisão, nunca mais queria ouvir certas coisas e palavrões. Corpus Christi acena com palavrões casuais, proferidos por detentos perturbados. Não é fácil ouvir esse tipo de manifestação, mas são essenciais para a parábola de sofrimento, busca e salvação. Bartosz Bielenia, como Daniel / Pe. Tomasz, é fascinante enquanto pecador penitente que se torna um autêntico curador. Personagens complicados, habilmente dirigidos por Komasa, são fascinantes. Piotr Sobociński Jr., o diretor de fotografia, descreve o longa-metragem em termos de cores e luzes sutis, como “algo semelhante a uma oração cinematográfica”.
O filme explora uma imersão na tristeza, pois a Polônia continua a sofrer as consequências de um acidente aéreo que matou quase 100 lideranças nacionais em 2010. Komasa acredita que certas pessoas querem usar esse luto para obter ganhos políticos, enquanto outros querem seguir em frente. Nos últimos dez anos, a Polônia se tornou um país altamente polarizado, e uma divisão entre urbano e rural permeia todos os aspectos da sociedade.
Os cineastas de Varsóvia – que admitem vir de uma “bolha progressista” – consideraram desafiador trabalhar no interior, região conservadora no país. Autoridades regionais católicas acharam o filme uma “blasfêmia” e não cooperaram; negaram permissão para filmar dentro das igrejas locais. Algumas cenas externas tiveram de ser feitas com técnicas de geração de imagens por computador. Em uma nota mais positiva, Komasa, que já produziu um documentário sobre jovens infratores, teve acesso e contou com a cooperação dos centros de detenção, tendo inclusivo permissão para incluir jovens detentos nas imagens. Ele também consultou padres a respeito de elementos litúrgicos.
Para surpresa e alegria de Komasa e equipe, Corpus Christi recebeu uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional, além de muitos prêmios em festivais ao redor do mundo. Embora feito principalmente para um público polonês, o filme tem a mensagem profundamente espiritual de compaixão e inclusão que ultrapassa fronteiras. O tema é a fé e como a vivemos, com quem e onde quer que estejamos. Leva-nos a perceber o nosso chamado. Realmente, cada um de nós é um sacerdote de Deus.
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Filme ‘Corpus Christi’: cada um de nós é um sacerdote de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU