28 Mai 2020
"O ponto é que Agamben simplesmente quer avisar a universidade: assim como no passado ela se deixou enganar pelo fascismo, precisa tomar cuidado para não ser muito concordante com essa, que mais do que uma revolução corre o risco de ser, em sua opinião, uma reviravolta. Os estudantes universitários que em 1931 juraram lealdade ao fascismo não eram criminosos de guerra, colaboradores voltados para o mal, torturadores sádicos ou sei lá que outras figuras poderiam nos ocorrer", escreve Angelo Angera, em artigo publicado por Zibaldoni d’eccezione, 26-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
É muito engraçado ler aqui e ali nas redes sociais as reações de certos grupos universitários diante do recente Requiem para os estudantes de Agamben, em particular onde a inércia com a qual a universidade está aceitando sua desmaterialização é comparada àquela com a qual, em sua época, apoiou a ascensão do fascismo. Citamos a passagem incriminada:
“Os professores que aceitam - como estão fazendo em massa - submeter-se à nova ditadura telemática e realizar seus cursos apenas online são o equivalente perfeito de professores universitários que, em 1931, juraram fidelidade ao regime fascista".
“Para Giorgio Agamben, somos todos fascistas”: foi o que um professor associado da L'Aquila entendeu sobre o tema. E é suficiente uma rápida pesquisa para reunir uma amostra não pequena de reações semelhantes de vários doutorandos, pesquisadores e professores, espalhadas por postagens, comentários e contracomentários e festejadas pela costumeira multiplicação de likes, carinhas felizes, compartilhamentos e, por que não dizer, de insultos a Agamben (esclarecemos logo que, durante nossa pesquisa, também encontramos professores que discutiram as palavras de Agamben de maneira sensata e sem distorcê-las: esse é o mínimo que se deveria esperar da universidade - ou não?); reações que traem uma incapacidade escandalosa de entender um texto extremamente simples e uma ausência igualmente escandalosa de perspectiva histórica. Mas a de deturpar Agamben parece ter se tornado uma das distrações favoritas nos dias de quarentena...
A articulação lógica do trecho não é precisamente esotérica: o fascismo, afirma Agamben, está para a universidade de 1931, assim como a informatização desenfreada está para a universidade de hoje, pois tanto o fascismo quanto a informatização distorcem e sufocam o ensino universitário; e em ambos os casos, Agamben observa de parte da universidade uma aceitação bastante passiva dessa asfixia. Como disso se possa inferir que, segundo Agamben, a atual universidade seja fascista, continua sendo um mistério para nós, este sim esotérico. No entanto, foi assim que aconteceu. Ainda pescando do nosso orgulhoso reduto, eis que aparece um professor adjunto de Milão que, em uma nota publicada no Facebook, depois de acusar Agamben de fazer "piscadinhas d’olhos” para os adeptos da conspiração, afirma que, no Requiem para os estudantes o professor universitário se descobre sendo "tratado como um novo Quisling". Por sua parte, um associado de Turim quis formalizar toda essa insensata indignação, escrevendo não um post simples, mas um artigo inteiro no qual lamenta ter recebido de Agamben "a pior e mais infame ofensa pública que pode ser dirigida a alguém".
Agora, precisamos dizer que o que irritou os leitores da intervenção foi simplesmente ver o fascismo ter sido trazido à baila, com base na equação "defensor do fascismo = feio e ruim". Mas, dirigindo-se para um público universitário e comparando a universidade do período fascista com aquela contemporânea, fica evidente que Agamben quer (ou, a esse ponto, espera) que essa comparação seja entendida no contexto histórico a que se refere.
Até pelo menos meados da década de 1930, a maioria dos italianos estava entusiasmada com o fascismo. E não estamos falando de italianos comuns. Vamos deixar de lado D'Annunzio: fascistas foram Ungaretti e Pirandello, que também aparecem entre os signatários do Manifesto dos intelectuais fascistas. Até 1934, Gadda foi fascista. E poderíamos continuar (mas depois nos diriam que estamos ofendendo e difamando os grandes escritores italianos). O ponto é que Agamben simplesmente quer avisar a universidade: assim como no passado ela se deixou enganar pelo fascismo, precisa tomar cuidado para não ser muito concordante com essa, que mais do que uma revolução corre o risco de ser, em sua opinião, uma reviravolta. Os estudantes universitários que em 1931 juraram lealdade ao fascismo não eram criminosos de guerra, colaboradores voltados para o mal, torturadores sádicos ou sei lá que outras figuras poderiam nos ocorrer.
A história não é a Lista de Schindler: é mais complicada e fugidia. Aquelas pessoas eram acadêmicos não muito diferentes daqueles dos dias de hoje, que em 1931 não viam qualquer ameaça terrível na política de Mussolini. E, como repetimos, nisso eles estavam em boa companhia, aliás, excelente (Ungaretti, Pirandello, Gadda). Então, o que quer dizer quem que se arvora contra Agamben por aquele trecho? Quer que acreditemos que em 1931 estaria entre os poucos opositores acadêmicos da ditadura, entre os pouquíssimos, aliás, a realmente entender que estavam sob uma ditadura? Ou talvez considere que a universidade inteira hoje, se fosse catapultada para 1931, se oporia ao tirano de maneira compacta e ousada? Ou talvez imagine a universidade daquele período como uma espécie de Morte Negra, na qual, sob a reitoria de Darth Vader, as aulas eram realizadas por partidários e defensores ao som de estocadas de laser, e que, portanto, tal monstro seria inadmissível nas universidades contemporâneas? Se essas pessoas, que de fato formam a classe dos intelectuais do nosso país, são incapazes de entender corretamente um texto claro e simples como o de Agamben, o que eles entenderão de outros textos bem mais complexos, sem mencionar a realidade? (Nem vamos entrar mérito das questões levantadas por esse texto, com as quais podemos, evidentemente, discordar: mas primeiro precisamos pelo menos entender o que ele diz.)
Anos atrás, ouvimos Pier Vincenzo Mengaldo, cujo antifascismo está fora de questão, reconhecer durante uma conversa que, se ele tivesse sido professor durante os anos do fascismo, provavelmente acabaria se curvando à ditadura. "Zona cinzenta", disse ele, com uma severidade e uma honestidade que hoje nos parecem mercadorias cada vez mais raras. Nos conforta lembrar que ainda existem pessoas conscientes das infinitas complexidades e facetas cruéis da história. Assusta-nos observar que hoje, para muitos acadêmicos, a história parece, ao contrário, consistir em pouco mais do que um desenho animado em que os bons combatem os maus, e nada de confundir as turmas.
P.S.: No caso muito remoto de que um desses acadêmicos passasse por aqui, gostaríamos de lhe pedir previamente desculpas por tudo o que ele acha que entendeu do que escrevemos.
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A arte de deturpar Agamben - Instituto Humanitas Unisinos - IHU