19 Mai 2020
"Embora, o Vaticano II tenha sido um concílio ecumênico, isto é, contou com a presença de bispos de todo o mundo, as suas diretrizes foram sentidas mais efusivamente na Igreja Latino-Americana, sobretudo na brasileira, por aqui os ventos conciliares renovaram antigas estruturas e fecundaram nossas formas de eclesialidade", escreve Fábio Pereira Feitosa, historiador especialista em Comunicação.
A Igreja Católica é uma das mais antigas e importantes instituições instaladas no Brasil. Ao analisarmos as atuais estruturas administrativas da Igreja em nosso país, percebemos que elas foram sendo moldas, sobretudo, a partir do fim do Padroado, quando tivemos a separação oficial entre as esferas religiosa e estatal, outrora ligadas umbilicalmente por uma concordata, por meio da qual a Igreja e seus membros legitimavam o Estado e este por sua vez mantinha e assegurava privilégios à Igreja no Brasil. Assim, a Igreja e seus membros tornavam-se funcionários do Estado e como tal não gozavam de autonomia institucional e nem pastoral.
O Fim do Padroado pode ser visto como um verdadeiro paradoxo para a Igreja, considerando que ao mesmo tempo em que ela perdeu seus privilégios, ela acabou ganhando autonomia frente ao Estado, desta forma reaproximou-se institucionalmente do Vaticano.
A Neocristandade e sobretudo o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) desempenharam um papel fundamental no processo de modelagem das atuais estruturas da Igreja no Brasil. Como sabemos, a Igreja Católica é uma instituição universal e como tal possuí um discurso unitário e homogêneo, porém, é importante termos em mente que o mesmo evento pode ser recepcionado e vivenciado de maneiras diferentes pelos membros desta instituição, tal como ocorreu com as diretrizes conciliares.
Embora, o Vaticano II tenha sido um concílio ecumênico, isto é, contou com a presença de bispos de todo o mundo, as suas diretrizes foram sentidas mais efusivamente na Igreja Latino-Americana, sobretudo na brasileira, por aqui os ventos conciliares renovaram antigas estruturas e fecundaram nossas formas de eclesialidade, como demonstra Beozzo (1995, p.11):
João XXIII e, de modo particular, o Concílio foram para a Igreja do Brasil como se águas longamente represadas se houvessem soltado, correndo livremente, abrindo e aprofundando o próprio leito.
O Concílio permitiu não só uma primavera inesperada, mas que novas formas de eclesialidade fossem sendo tecidas no chão da Igreja, como as comunidades de eclesiais de base; nos corpos intermediários, como os conselhos paroquiais, conselhos diocesanos de pastoral e grandes assembleias diocesanas; nos regionais, com as assembleias das Igrejas; e, por fim, no corpo episcopal, com forte sendo de colegialidade vivido pela CNBB, em plano regional e nacional.
Desta forma, percebemos concretamente o papel do Concílio Ecumênico Vaticano II como um importante artesão que ajudou a modelar as atuais estruturas da Igreja no Brasil, desenhando assim, mudanças substanciais nas relações entre os membros da hierarquia, que passaram a viver mais intensamente o espírito de colegialidade e de corresponsabilidade e assim incentivaram e legitimaram uma maior organização do Povo de Deus em diferentes níveis. Todavia, nem todos foram tocados pela novidade conciliar, assim muitos são os críticos e opositores ao Concílio Ecumênico Vaticano II, esta novidade suscitada pelo Espírito.
É impossível falarmos do Concílio Ecumênico Vaticano II e não o associarmos à figura profética de João XXIII, o Papa bom. O então Cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli, assumiu a Cátedra de São Pedro após a morte de Pio XII em 1958. Ao assumir o cargo de Bispo de Roma, o agora João XXIII tinha exatos 77 anos, idade considerada por muitos como avançada para tal responsabilidade.
Em virtude de sua idade, o Papa João XXIII recebeu uma alcunha nada receptiva, ele era chamado por muitos de o Papa de Transição. Todavia, ninguém esperava que o tido como Papa de Transição, acabasse sendo responsável por fazer uma revolução na história da Igreja. Entendemos aqui a palavra revolução como uma grande transformação, como de fato foi o Concílio Ecumênico Vaticano II para a Igreja e para o mundo.
A posse de João XXIII ocorreu em plena Guerra Fria, o risco de um conflito nuclear naqueles dias era cada vez mais eminente. A sociedade passava por transformações que a distanciava cada vez mais da Igreja, percebendo estas e outras problemáticas, João XXIII em 25 de janeiro de 1959, festa da Conversão de São Paulo, surpreendeu duplamente à Igreja e o mundo ao anunciar o seu desejo de realizar um concílio ecumênico. Este, ao contrário de seus antecessores não visava combater diretamente nenhuma heresia, mas sim, possuía o desejo de ser um concílio pastoral, o primeiro com esta característica na história da Igreja. Assim, o Vaticano II buscava pensar e repensar à Igreja intra e extra muros. Após uma intensa preparação, que incluía a escuta de bispo do mundo todo, o Concílio Ecumênico Vaticano II foi aberto por João XXIII em 1962.
Como dito anteriormente, João XXIII teve a coragem de convocar o concílio, porém, ele não conseguiu ver o barco conciliar navegar por águas mais profundas, considerando que no ano de 1963 ele faleceu. Coube ao Papa Paulo VI, a tarefa de conduzir o Concílio e de incentivar a aplicação das diretrizes conciliares.
Finalizado no ano de 1965, o Vaticano II produziu uma série de documentos que foram recebidos de forma efusiva sobretudo pela Igreja Latino-Americana, de modo especial, pela Igreja do Brasil, que logo buscou diferentes meios para aplicar as diretrizes conciliares que acabaram por legitimar práticas já existentes nas bases da Igreja, bem como, incentivou novas formas eclesialidades que implicavam na colaboração direta entre membros da Hierarquia e o Povo de Deus.
Bispos como Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Maria Pires, Dom Adriano Hipólito, Dom Luciano Mendes, Dom Fragoso e Dom Tomás Balduíno tiveram um papel extremamente importante no período pós-conciliar na busca da aplicação efetiva do espírito conciliar no Brasil. Personificada na figura destes bispos, a Igreja no Brasil assumiu cada vez mais as causas de homens e mulheres vítimas das mais variadas injustiças sociais, passou a incentivar a organização do povo em comunidades eclesiais de base, bem a corresponsabilidade entre os mais diferentes níveis da Igreja, reforçado assim o princípio de que somos todos irmãos e como tal gozamos da mesma dignidade de filhos de Deus.
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Os Ventos Conciliares e a Igreja no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU