16 Março 2015
Não se pode pedir que o Islã percorra em 20 anos um caminho que o catolicismo percorreu em mais de um século, muitas vezes atrasado.
A opinião é de Olivier Roy, especialista em Islã, professor do Instituto Universitário Europeu de Florença e autor de En quête de l'Orient perdu (Ed. Le Seuil, 2014).
A reportagem é de Anne Chemin, publicada no caderno Culture & Idées, do jornal Le Monde, 26-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Você acha que, na França, reina um clima islamofóbico?
Sim, sem dúvida. Há cerca de 20 anos, o simples fato de ser muçulmano tornou-se suspeito, se não perigoso. Essa islamofobia une um velho racismo antiárabe e um fenômeno mais novo, uma espécie de fobia da religião. Em uma sociedade secularizada como a nossa, o religioso tornou-se inconveniente. Às vezes, é até percebido como fanático, como se confundíssemos a intensidade do sentimento religioso e a radicalidade da sua prática.
]O fato é que os muçulmanos têm uma prática mais forte e mais visível do que os católicos. A sua religiosidade surpreende e perturba as elites francesas, particularmente de esquerda: elas pensavam que os descendentes dos imigrantes que chegaram nos anos 1960 se afastariam do Islã. Esse fenômeno cria muitas incompreensões: um velho senhor argelino que faz uma oração na jellaba não surpreende, enquanto um jovem executivo, filho de imigrantes, vestidos de terno e gravata, que vai à mesquita, parece inquietante.
As práticas religiosas dos muçulmanos são contrárias à laicidade?
Não, essa é uma ideia equivocada. Em 1905, quando a França adotou a lei de separação das Igrejas do Estado, a religião não foi expulsa do espaço público: as procissões em honra a Nossa Senhora foram autorizadas, e as freiras podiam andar na rua com o seu hábito de religiosas. Quando o Abbé Pierre foi eleito deputado, ninguém se ofendeu quando ele se apresentou de batina no parlamento.
Hoje, o clima mudou radicalmente: quer-se limitar o religioso à esfera privada. Isso não representa um problema para os católicos, porque as suas práticas religiosas estão inscritas há séculos na vida social: por exemplo, as festas cristãs são feriados. Para os muçulmanos, a situação é diferente. Por isso, é preciso inventar novos compromissos, o que aumenta as tensões.
As reivindicações provenientes de pequenos grupos radicais minoritários são excessivas: não se trata de criar salas de oração nas universidades, de recusar determinados cursos em nome do respeito pela religião ou de propor menus halal na escola. Mas é normal abrir salas de oração nos aeroportos, evitar que se façam provas no dia da festa do Aïd e propor nas cantinas escolares, em vez de carne de porco, uma refeição vegetariana que será bem recebida pelos muçulmanos, para os judeus... e para os vegetarianos!
Todos os compromissos que a França alcançou com o judaísmo também podem funcionar com o Islã. É preciso simplesmente tomar o tempo necessário: não se pode pedir que o Islã percorra em 20 anos um caminho que o catolicismo percorreu em mais de um século, muitas vezes atrasado – basta ler o Syllabus de Pio IX, em 1864, que condenava firmemente as ideias modernas, dentre as quais a separação entre Igreja e Estado.
Os muçulmanos formam uma comunidade?
Não. São 25 anos que eles são atacados como muçulmanos e ainda não se organizaram. Certamente, há um Conselho Francês do Culto Muçulmano, mas ele foi criado a pedido das autoridades francesas e representa principalmente o Islã do exterior. Não há nada comparável ao clero católico no Islã francês, que é diferente e dividido. Os prefeitos sabem muito bem disso: não reclamam do comunitarismo. Queixam-se de não ter interlocutores organizados!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Na nossa sociedade secular, o religioso tornou-se deslocado.'' Entrevista com Olivier Roy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU