08 Mai 2020
Mais previsões do mundo que virá! As bocas estão cheias delas, as páginas das mídias estão cheias delas, na tela ou no papel. Já se tornou um esporte de massa, concorrendo com o outro – de quem é culpa do coronavírus? – muito amado pelo presidente Trump. Nada de estranho: a nossa vida mudou tanto e tão rapidamente que a única maneira de nos sentirmos ancorados no chão é tentar traçar coordenadas mais ou menos precisas para o futuro.
A reportagem é de Maria Teresa Carbone, publicada em Il Manifesto, 07-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No entanto, não criemos ilusões: sabiamente, Adam Gopnik, em um artigo na New Yorker (“Will the coronavirus really change the way we think?”, disponível aqui, em inglês) adverte que todos tendemos a ver o hoje e a prever o amanhã com base em esquemas mentais enraizados nas experiências de ontem.
“Longe de nos fazer revisar os nossos fundamentos e reformar os nossos pensamentos – escreve Gopnik – as grandes crises históricas quase sempre reforçam invariavelmente as nossas crenças anterior e nos entrincheiram ainda mais profundamente nos nossos dogmas.”
Assim, não é de se surpreender que um escritor que fez do desencanto o seu estilo literário, Michel Houellebecq, em uma carta aberta enviada ao canal de televisão France Inter (disponível aqui, em francês), fale de um “vírus sem qualidade” e de “uma epidemia ao mesmo tempo angustiante e chata”, cujos efeitos se limitarão a acelerar tendências já em curso.
Segundo o autor de “Partículas elementares” e “Serotonina”, “há muitos anos, o conjunto das evoluções tecnológicas, sejam elas menores (vídeo sob demanda, pagamento sem contato) ou maiores (teletrabalho, compras online, redes sociais), tiveram como principal consequência (como principal objetivo?) a diminuição dos contatos materiais e, acima de tudo, humanos. A epidemia do coronavírus oferece uma magnífica razão de ser para essa forte tendência: uma certa obsolescência que parece afetar as relações humanas”.
Então, nada mudará? Sim, ao contrário. Parece, por exemplo (Stacy Perman escreve isso no Los Angeles Times), que as empresas de produção estadunidenses decidiram acampar, temporariamente ou não, na Islândia.
O interesse do cinema e da televisão pela ilha das geleiras e dos vulcões não é novo (Game of Thrones, Prometheus, Thor), mas agora há uma poderosa atratividade adicional: os grandes espaços abertos e principalmente os testes em massa iniciados pelo governo de Reykjavik se tornaram cruciais “em um momento em que a capacidade de conter a disseminação do coronavírus se tornou tão importante quanto os incentivos fiscais ou as infraestruturas”.
Até as editoras e as livrarias estão em busca de novas modalidades de sobrevivência e, talvez, de um florescimento imprevisível, agora que a era das apresentações no meio das estantes e as sessões de autógrafos parece ter acabado, talvez para sempre.
Como era previsível, os encontros com os autores migraram para a internet, com resultados que, à primeira vista, parecem encorajadores: gravados na solidão dos seus quartos, no pano de fundo de inevitáveis prateleiras de livros, escritoras e escritores atraem muitas vezes um público maior do que aquele que assistiria à sua performance ao vivo.
Mas Claire Kirch, no periódico especializado Publishers Weekly, convida à prudência. Talvez, os encontros virtuais com os autores sejam “the next big thing”, como anuncia o título (disponível aqui, em inglês), mas, em termos econômicos, os resultados são incertos: a propósito de um ciclo de apresentações online organizado pela livraria Left Bank, de St. Louis, Kirch observa secamente que “o número de espectadores foi alto, mas as vendas permaneceram estáveis”.
E é bem pouco triunfalista o comentário de Riley Davis, que organiza os encontros para a Next Chapter, de St. Paul, no Minnesota: “No máximo, essas iniciativas lembram às pessoas que nós existimos”. No fundo, já é alguma coisa.
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O vírus sem qualidade de Houellebecq e o desempenho dos escritores online - Instituto Humanitas Unisinos - IHU