02 Março 2020
A violência tem se instalado no Brasil como uma realidade que determina a vida cotidiana. Estamos num país onde morrem mais de 31 pessoas por cada cem mil habitantes todo ano. Isso atinge todos os âmbitos da vida, o pânico está tomando conta da vida do povo. Diante dessa realidade, a Igreja tem se posicionado, procurando estratégias para superar a violência. Na arquidiocese de Manaus, onde o número de mortos ainda é maior, 44 por cada cem mil habitantes, a reflexão tem estado presente em diferentes âmbitos, promovendo um compromisso na construção da cultura da paz.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Na arquidiocese, que, na última Assembleia Arquidiocesana de Pastoral, colocava a superação da violência como uma de suas prioridades, era refletido na última reunião do clero sobre a realidade da violência e como ela atinge a vida das comunidades. De fato, não se pode pensar que a violência é algo que está fora. O que acontece fora, concorrência, maltrato, violência, palavras agressivas, acontece nas comunidades, uma situação grave, pois o mundo precisa de um testemunho que nossas comunidades não estão dando, segundo era colocado. Diante disso se faz necessário promover dignidade, comunhão fraterna, respeito por cada pessoa. Tudo isso não pode ser visto como uma utopia e sim como recuperar as origens do cristianismo, narrado no Livro dos Atos dos Apóstolos.
(Foto: Luis Miguel Modino)
Desde a arquidiocese de Manaus se vê a necessidade de procurar parcerias que ajudem na organização da sociedade civil, inclusive com aqueles que ocupam cargos públicos (vereadores, deputados, desembargadores...), conscientes que eles tem uma voz importante nas leis que decidem as mudanças na sociedade. Se faz necessária uma mudança pessoal, comunitária e social, diante de uma realidade onde o discurso em favor da violência está cada vez mais presente, se tornado um problema estrutural, que fomenta métodos que induzem à violência. Isso demanda não ter medo de recuperar o Jesus histórico, que mostrou fatos de resistência ao poder de Roma e ao poder religioso. Esse poder hoje, na prática, está muitas vezes nas mãos de grupos de extermínio, das facções que controlam tudo, inclusive o que acontece nos presídios. Esses grupos, cada vez têm maior estruturação e controle, determinando a vida em muitas cidades, sobretudo nas periferias.
Diante da crise social, marcada pela violência, se faz necessário, como Igreja, olhar mais o rosto de Jesus. Uma Igreja muito centrada no plano moral e ético, mas sem referência a Jesus. Isso se traduz numa espiritualidade do Jesus triunfante e vitorioso, sem reparar naquilo que o conduziu a isso. O problema é falta de conhecimento do Jesus que atuou numa realidade injusta. Entender que o primeiro valor é a vida e temos que ser portadores dessa vida, que temos que ter o amor como base e não os princípios éticos.
A reflexão da Igreja deve ser consciente que os sistemas opressores têm uma teologia que os legitima. Hoje, no Brasil, a religião, sustentada no principio de Deus acima de tudo, tem se tornado legitimadora dos sistemas opressores, gerando um discurso de que tudo está bem. Entre o clero de Manaus, diante dessa situação surgia entre o clero o questionamento sobre como se servir das homilias, das redes sociais, para mostrar uma postura diferente. Ainda mais diante de um Estado que legisla a partir de um princípio de cultura de morte.
(Foto: Luis Miguel Modino)
A violência é uma realidade que atinge a todos, “não é questão de lado, é questão de vida”, segundo Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus. Ele se perguntava como encontrar propostas diferentes diante da influência dos meios de comunicação, que não conseguem mais ressaltar a beleza da vida e sim a violência. Essa violência se faz presente de modo mais evidente na periferia, que é quem mais sofre as consequências dessa realidade. Diante disso, na frente de grande parte do clero da arquidiocese fazia um apelo, dizendo que “não podemos perder as periferias”.
Também não o ensino universitário, fazendo um chamado como arquidiocese a estar presentes para ajudar a sociedade a refletir. Essa reflexão deve partir do fato de que temos perdido o sentido da transcendência humana, falamos de figuras de Deus, mas não de Deus, segundo Dom Leonardo. Isso deve conduzir a uma reflexão que ajude a descobrir, com ajuda de pessoas confiáveis, as raízes da violência, historicamente, sociologicamente, psicologicamente. Tudo isso numa perspectiva em longo prazo, pois a violência está exigindo muito de nós e vai exigir plantar uma semente, ir dando pequenos passos, sabendo para onde e de onde caminhamos, enfatizava o arcebispo, que insistia em que tudo isso precisa de participação e de entender que o Evangelho é mais do que moral.
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Superação da Violência e construção da cultura da paz, uma urgência na Igreja de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU