21 Fevereiro 2020
O garoto que morreu no compartimento de pouso de um avião que vinha da Costa do Marfim para Paris. E ontem um homem cumpriu o mesmo percurso. Para reconhecer o corpo do filho.
A reportagem é de Anais Ginori, publicada por La Repubblica, 18-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Obrigado atea, mon ami, eu sempre te chamava assim, peço que me perdoe pelo que fiz e pelo que não soube fazer. Perdoe-me se não estive à altura de minhas responsabilidades." É uma oração doída, uma mensagem sussurrada de pai para filho. Ontem, Marius Ani finalmente encontrou seu pequeno Laurent Barthélemy. Aquele garoto que saiu uma manhã para ir à escola no bairro popular de Abidjan e nunca mais voltou para casa. A família fez um comunicado de seu desaparecimento. Os dias se passaram e a espera terminou com a visita dos gendarmes. O corpo do garoto de quatorze anos foi encontrado na madrugada de 8 de janeiro no aeroporto de Roissy, no compartimento de pouso de um voo da Air France proveniente da Costa do Marfim.
Costa do Marfim
(Reprodução: Google Maps)
Abidjan, Costa do Marfim
(Reprodução: Google Maps)
Paris, França
(Reprodução: Google Maps)
Marius realizou na noite de segunda-feira a mesma viagem que Laurent Barthélemy. Graças a uma mobilização internacional, as autoridades francesas e marfinenses finalmente permitiram que o professor de matemática viesse para buscar seu filho. Foram necessários artigos, a denúncia de Roberto Saviano, a campanha lançada pela escritora Chiara Alessi no "Stati Generali". Mais de um mês se passou para romper a indiferença que envolve o que chamamos de "dramas da imigração", fingindo não ver que, por trás de cada número, há um nome, uma história, um mundo feito de esperanças às vezes inconfessáveis. Como aconteceu para Laurent Barthélemy. Certa vez, ele perguntou ao pai o que era o Institut Pasteur, explicando que ele queria ser cientista quando crescesse. Parecia uma das muitas perguntas de uma criança sempre curiosa, que gostava de ouvir a história de Nelson Mandela, de Winston Churchill e de outros grandes homens. E, em vez disso, quem pode saber.
Não é verdade que os pais sempre podem proteger os filhos, lê-los como um livro aberto. "Se ele tivesse me contado sobre o seu sonho, se tivesse se aberto" é o que angustia Marius, que questiona seus erros. "Talvez eu tenha sido muito rigoroso, muito exigente. Ele costumava me dizer: pai, você só pensa no estudo”. Não é verdade que não temos mais coração, como aqueles que especulam sobre nossos medos querem que acreditemos. Quando embarcou no voo da Air France que o levaria ao filho, a sete mil quilômetros de distância, Marius foi reconhecido pela tripulação. Um funcionário falou com ele por um longo tempo, uma aeromoça cuidou dele durante todo o voo. O pai de Laurent Barthélemy nunca tinha viajado de avião, ele nem tinha passaporte até alguns dias atrás. Ao chegar a Roissy, logo à saída do portão, o aguardavam a responsável francês da comunidade francesa de Santo Egídio, Valérie Régnier, o cônsul da Costa do Marfim, a escritora Alessi, mas também o comandante da polícia do aeroporto que havia feito o relatório do descobrimento do corpo do garoto. O oficial fez questão de estar presente, queria apresentar condolências àquele homem apertado em roupas de inverno nunca antes usadas.
A equipe de Roissy se certificou de que os controles de imigração durassem poucos minutos e Marius pudesse ir imediatamente para o instituto médico legal à beira do Sena, onde o corpo de seu filho está guardado há mais de um mês. Antes de deixá-lo entrar, a diretora do instituto preparou Marius, alertando-o sobre os sinais do tempo que ele veria no corpo. "Ele poderia não o reconhecer", era a premissa. Olhando por trás de um vidro, conforme exigido por lei até o momento da transferência para o caixão, o pai reconheceu seu filho. "É ele", ele disse, explodindo em lágrimas silenciosas. Ao sair, ele se sentou, tirou sua pasta de fotografias e começou a falar com Laurent Barthélemy. A última imagem havia sido tirada no Natal. O menino parece pensativo na frente de um céu como pano de fundo. Parece um anjo. Marius acredita em sinais premonitórios. Um mês antes de fugir, o garoto pediu para incluir seu apelido Prince nos documentos. E agora que a história do garoto da Costa do Marfim comoveu muitos, o pai está convencido de que ele se tornou um príncipe. "Você é pequeno, mas onde quer que esteja, tenho certeza de que está na companhia de grandes homens." Marius viu ontem o Louvre e a Torre Eiffel. "Talvez esse fosse o sonho do meu atea." Ele parou para comer um crepe ao lado de Notre-Dame. Ficou impressionado com os palácios haussmanianos.
"Parecem sólidos, feitos para durar, não como os nossos". Caminhando pelas ruas que lhe pareciam muito limpas, enquanto muitos parisienses reclamam, ele apertou a mão de alguns clochards. Até sexta-feira, permanecerá na capital. O município se encarregou de suas despesas de viagem e prometeu fazer um grande afresco em memória de Laurent Barthélemy. Marius retornará com Abidjan com o corpo de seu filho e o enterrará na aldeia de seus ancestrais. O ministro dos Transportes do governo da Costa do Marfim já o recebeu duas vezes prometendo que o acidente será esclarecido. O pai continua convencido de que seu filho não poderia ter feito tudo sozinho. Nas próximas semanas, participará da campanha da comunidade de Santo Egídio, muito ativa em Abidjan, intitulada "Não desperdice sua vida", para conscientizar os jovens sobre os riscos da imigração ilegal. Marius gostaria de criar uma fundação que atue com educação. Terá o nome de seu filho. Prince Laurent Barthélemy Ani Guibahi. E desculpem se é muito longo para escrever. Ele havia decidido ser um pequeno príncipe.
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