11 Janeiro 2020
O Ministério Público Federal em Dourados (MS) anunciou nesta terça-feira (07) que está acompanhando as investigações da Polícia Federal sobre os ataques aos indígenas Guarani-Kaiowá, que aconteceram na semana passada nas retomadas (também chamadas de “Tekoha”) Nhu-Vera e Aratikuty, no entorno da Terra Indígena Dourados, distante a 225 quilômetros de Campo Grande.
A reportagem é de Izabela Sanchez, publicada por Amazônia Real, 08-01-2020.
Cinco pessoas, sendo quatro indígenas e um segurança, ficaram feridas com arma de fogo e balas de borracha. Os indígenas acusam como responsáveis pelos ataques seguranças contratados por proprietários rurais, policiais militares e agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).
Em entrevista à Amazônia Real, o procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, classificou os ataques de “incidente de violência envolvendo indígenas e fazendeiros”. Segundo ele, a investigação preliminar aponta que ambos os lados estavam armados. Três pessoas que foram feridas devem passar por exame de corpo de delito. A Polícia Federal irá tomar depoimentos de todos os envolvimentos no caso, diz Almeida.
Em nota publicada nesta terça-feira (7), o presidente em exercício da Fundação Nacional do Índio (Funai), Alcir Amaral Teixeira afirmou que, se necessário, solicitará apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mobilizando a Força Nacional “para garantir a paz social nas aldeias (Guarani-Kaiowá) e a integridade de nossos servidores”. (Leia a íntegra da nota aqui)
Dos quatro indígenas Guarani-Kaiowá feridos dois continuam internados: Modesto Fernandes, que foi atingido à bala no rosto e passou por uma cirurgia na sexta-feira (3); e o menino de 11 que perdeu três dedos da mão esquerda após um artefato similar a uma granada estourar.
Os indígenas afirmam que mulheres e homens usaram pedras e paus para tentar revidar os tiros.
De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Modesto sofreu complicações no pós-operatório “em um dos olhos”, já que o tiro atingiu os nervos. O garoto, por estar bastante abalado, precisou de atendimento psicológico. Os pacientes estão internados no Hospital Vida, em Dourados. Os outros indígenas que já foram atendidos e liberados são: Gonçalvez Rolim e Gabriel Vasquez.
O segurança ferido é Wagner André Carvalho, que foi atingido por um tiro no tórax durante o conflito. Ele segue internado.
Conforme a reportagem da Amazônia Real publicou, os Guarani-Kaiowá relataram que o ataque maior aconteceu na retomada Nhu-Vera. Eles dizem que os seguranças chegaram atirando com arma de fogo na noite de quinta-feira (02) e que a ação se estendeu até às 12h de sexta-feira (03) para expulsá-los da terra, que é disputada por um fazendeiro. Depois, os seguranças acionaram policiais militares. O batalhão da PM contou com apoio de policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).
Para a surpresa dos indígenas, eles afirmam que os policiais atiraram contra eles com balas de borracha. Dizem que estranharam a presença dos policiais do DOF, já que a corporação costuma manter ações somente na fronteira, geralmente relacionadas ao tráfico de drogas. A ação policial se estendeu pela tarde de sexta-feira.
As retomadas Nhu-Vera e Aratikuty são acampamentos onde vivem aproximadamente 50 famílias. Elas reivindicam a demarcação dos territórios que estão invadidos por propriedades rurais. As retomadas ficam próximas da aldeia Bororó, que fica na Terra Indígena de Dourados.
Em resposta à Amazônia Real, a Polícia Militar disse que só se pronunciará através da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). O DOF foi procurado, mas não respondeu a solicitação da reportagem para explicar sua versão do conflito.
Procurada anteriormente, a Sejusp negou a participação dos policiais nos ataques aos indígenas e proteção aos seguranças das fazendas e diz que a ação com balas de borracha “foi preventiva”.
À reportagem, a Superintendência da Polícia Federal disse que “não se pronuncia sobre investigações em curso”, confirmando a abertura do inquérito.
Segundo o site do jornal Campo Grande News, em um vídeo “é possível ver o cano da arma de um dos seguranças”. A reportagem relata que, “em seguida começam os tiros. Outras imagens mostram o clima de tensão e trocas de ameaças entre índios e seguranças privados, contratados pelos proprietários para conter as invasões nas regiões norte e oeste de Dourados”. Um indígena estaria armado. Os outros com arcos e flechas contra os seguranças.
O procurador Marco Almeida disse à Amazônia Real que “os vídeos do incidente foram coletados pela Polícia Federal e devem ser periciados para verificação de autenticidade”.
“Preliminarmente, o MPF entende que o monopólio da força é do Estado e que os envolvidos [indígenas e fazendeiros] devem ser responsabilizados, na medida de sua atuação no conflito”, afirmou Almeida.
Nesta terça-feira (7), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou que o presidente em exercício, Alcir Amaral Teixeira, acompanhado do ouvidor da fundação, Ricardo Almeida Pinto, se reuniu com lideranças indígenas Guarani-Kaiowá e produtores rurais na região de Dourados (MS), entre os dias 5 e 6 de janeiro, para buscar a resolução dos recentes conflitos. “Faz parte da nova gestão da Funai adotar estratégias de ouvir diretamente as demandas das comunidades indígenas, sem intermediários”, disse a Funai em nota publicada no site.
“Ao atuar dentro da legalidade judicial tendo o diálogo como base de ação, a Funai procura estabelecer o entendimento entre as partes envolvidas. Se necessário, solicitamos apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mobilizando a Força Nacional para garantir a paz social nas aldeias e a integridade de nossos servidores”, afirmou o presidente em exercício da Fundação, Alcir Amaral Teixeira.
Segundo a Funai, durante os três dias de visita ao Mato Grosso do Sul, a comitiva da presidência também se reuniu com coordenadores regionais responsáveis pelo atendimento às demandas indígenas da região de Dourados.
A Terra Indígena Dourados foi demarcada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista criado em 1910 e extinto em 1967 e substituído pela Funai. O território tem 3.465 hectares para uma população de quase 20 mil pessoas. A própria Funai classifica o tamanho da terra de absurdo, pois “há menos de um hectare por pessoa”.
“Lá vivem mais de 40 grupos familiares distintos. Expulsos de outras aldeias, foram obrigados a deslocar-se para essa área que, proporcionalmente, apresenta altos índices de violência”, diz o estudo da fundação.
Em 2016, a Polícia Federal prendeu cinco fazendeiros por acusação de atacar a tiros aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da fazenda Yvu, em Caarapó, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. No ataque, que aconteceu em 14 de junho daquele ano, foi assassinado o indígena Clodiodi de Souza, 26 anos.
Em 2019 os Guarani-Kaiowá enfrentaram um histórico de ataques que partem de fazendeiros e pistoleiros, contrários às demarcações de territórios. Há quatro meses, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “capangas de pequenos sítios atiraram contra os indígenas” da aldeia Bororó. Não houve mortes. O Cimi classificou o período o mais violento já registrado nas comunidades dos Guarani-Kaiowá desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que prometeu não demarcar territórios indígenas.
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MPF acompanha investigação sobre ataques aos Guarani-Kaiowá, em Dourados (MS) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU