13 Dezembro 2019
"Na América Latina, nas últimas duas décadas temos assistido o fenômeno da irrupção das igrejas evangélicas (seitas ou cultos segundo a hierarquia vaticana), que surgiram na década de 80 sob inspiração e patrocínio da CIA com o objetivo inequívoco de desbancar o catolicismo como a religião dominante", escreve Germán Gorraiz López, analista internacional, em artigo publicado por ALAI, 12-12-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Papa Francisco entrará na história por sua luta contra o establishment vaticano, seu carisma pessoal inegável e seu estilo revolucionário plasmado em um estilo apologético próprio baseado no desapego das formalidades e em sua habilidade com as pessoas, tendo como um dos feitos de seu papado o fim da concepção eurocêntrica da Igreja Católica de Roma e a irrupção da Igreja centrífuga.
É a América Latina o cenário da luta entre a CIA e o Papa Francisco?
Bergoglio adotou o nome papal de seu admirado Francisco de Assis (il poverello d’Assisi) e, logo que foi eleito papa, exclamou: “Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres”, frase que faz alusão ao espírito de pobreza dos primeiros cristãos e aos ideais de justiça social do Monsenhor Romero, quem, três décadas atrás, dizia: “A missão da Igreja é identificar-se com os pobres”, o que é também uma mensagem de esperança aos que, todavia, ainda sonham em fazer desta utopia uma realidade na América Latina.
Assim, na América Latina, nas últimas duas décadas temos assistido o fenômeno da irrupção das igrejas evangélicas (seitas ou cultos segundo a hierarquia vaticana), que surgiram na década de 80 sob inspiração e patrocínio da CIA com o objetivo inequívoco de desbancar o catolicismo como a religião dominante.
Nas suas versões como igrejas evangélicas latino-americanizadas, elas conseguem traçar uma nova arquitetura espiritual no chamado quintal dos EUA, enquanto também tecem uma rede densa de contatos como agentes encobertos da CIA para derrubar presidentes progressistas e apoiar candidatos leais aos Estados Unidos (em particular, na Bolívia e no Brasil).
As diferenças seriam não tanto dogmáticas mas, sim, pastorais e de estrutura organizativa, pois os movimentos evangélicos têm uma estrutura horizontal e não hierárquica, como a Igreja Católica, o que vem contribuindo para ampliar a influência delas, já que o povo identifica a Igreja Católica como uma instituição centrada nas elites dominantes e encerrada nas estruturas de poder político da maioria destes países (exceção feita para os países da ALBA). [1]
Consequentemente, apesar do reconhecimento do trabalho social dos padres católicos em seus muitos campos de atuação, está havendo uma transição massiva de membros do catolicismo para as igrejas evangélicas protestantes, em que o pentecostalismo ganha destaque, englobando 75% do total da comunidade evangélica na América Latina e Caribe. Assim também, segundo o Centro Nacional de Investigações Científicas da França, os evangélicos representam cerca de 25% dos cristãos no mundo, com mais de 560 milhões de fiéis (107 milhões deles na América Latina e Caribe), sendo a Guatemala o paradigma da nova geografia espiritual latino-americana, com 50% da população evangélica.
Em consequência, o Papa Francisco pôs uma ênfase especial na tarefa de supervisionar esta geografia espiritual para tentar deter a incessante sangria de fiéis da Igreja Católica latino-americana, para o que deverá respaldar os movimentos de regeneração que já estão surgindo na Igreja latino-americana, se quiser evitar a fossilização da Igreja na região e prosseguir com o desenvolvimento dos postulados do Concílio Vaticano II.
Uma das chaves dessa reforma é que, nas igrejas nacionais, os leigos e as mulheres adquiriram um protagonismo crescente na condução dos assuntos gerais, para o que resulta imprescindível que o outrora poder absoluto dos bispos e cardeais dilua-se e seja delegado às estruturas de base. Isso seria equivalente a um míssil apontado contra a estratégia americana para a América Latina que busca trazer os países do “quintal” à senda dos países tutelados pelos EUA, seguindo a Doutrina Monroe (“América para os americanos”). E não podemos descartar a gestação de uma trama endógena que visa reconduzir a Igreja de Roma à senda dos pontificados tutelados pelo verdadeiro poder à sombra (CIA-establishment vaticano).
[1] ALBA, ou Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, é formada por Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, República Dominica, Honduras, Equador, São Vicente e as Granadinas e Antiga e Barbuda. (Nota de IHU On-Line)
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Francisco, a CIA e as igrejas evangélicas na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU