28 Outubro 2019
“Desmatamento zero” não é um slogan nem uma utopia. “É uma política concreta e viável. O grande potencial econômico da Amazônia pode ser valorizado dentro de um sistema que, a partir da sua incalculável biodiversidade, deixe a floresta intacta.”
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 27-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Palavra de Carlos Nobre, um dos climatologistas mais conhecidos do mundo, Prêmio Nobel da Paz de 2007 pela sua contribuição na elaboração do quarto relatório do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas da ONU.
Nascido em São Paulo, no Brasil, há 67 anos, Nobre é conhecido principalmente pelos seus estudos sobre a possível savanização da Amazônia, ou seja, o risco de que a região se transforme em uma terra semiárida, uma vez ultrapassado o limiar do desmatamento-limite.
No ritmo atual, três quartos da floresta poderiam se tornar savana já em cerca de 30 anos. Por essa razão, segundo o cientista, o Sínodo, ao qual ele foi chamado para fazer uma intervenção, pode contribuir para uma conscientização coletiva sobre a ameaça que pesa sobre a vida humana.
“A função da ciência, porém, não é apenas lançar o alerta: nós, estudiosos, somos chamados a encontrar possíveis alternativas Também nisso a assembleia sinodal pode ser de grande ajuda.”
Eis a entrevista.
Como se poderia desenvolver o “potencial econômico” da Amazônia sem devastá-la?
Mudando radicalmente o modo de empregar os recursos naturais amazônicos. A floresta já perdeu um dos seus 6,2 milhões de quilômetros quadrados, principalmente por causa da agricultura intensiva. A soja, uma das monoculturas mais difundidas, porém, tem uma baixa produtividade. Ou seja, rende pouco em comparação com o grau de destruição provocado. A maior riqueza da Amazônia não é a terra, é sua biodiversidade, a maior do planeta.
Como a biodiversidade pode se tornar um recurso econômico?
A floresta é rica em elementos como o açaí, com elevadas propriedades medicinais, as castanhas, o cacau, o babaçu (usado em cosméticos). A sua produção é compatível com a sobrevivência das árvores e com o respeito pelos direitos dos povos nativos.
Não existe o risco de implementar uma espécie de extrativismo ecológico?
Pelo contrário, eu falo de um novo paradigma. O extrativismo se baseia na exportação de matérias-primas pouco processadas. Isso não só tem impactos devastadores sobre o ambiente e os habitantes que o habitam, mas sequer cria riqueza para estes últimos. A alternativa a esse sistema é a valorização dos recursos amazônicos de um modo ecologicamente sustentável. Ou seja, sem uma exploração intensiva da terra, graças ao uso de tecnologias de vanguarda. Os produtos que eu citei não devem ser vendidos brutos, mas sim processados. Tomo o exemplo do açaí: ele está presente nas bebidas, nos medicamentos, nas maquiagens, além de ser consumido como alimento. Ele gera um negócio de 15 bilhões de dólares: apenas um bilhão retorna à Amazônia.
Como a comunidade internacional pode contribuir para essa virada?
Através do consumo responsável. Se cidadãos-compradores e fundos de investimento exigissem certificados de sustentabilidade de toda a cadeia produtiva das matérias-primas amazônicas, o desmatamento desapareceria em pouco tempo. Ao mesmo tempo, é necessária uma cooperação internacional para favorecer o desenvolvimento científico e tecnológico imprescindível para criar uma nova bioeconomia com desmatamento zero.
Por que o mundo deve se interessar pela Amazônia?
A Amazônia armazena todos os anos entre um e dois bilhões de toneladas de dióxido de carbono, uma contribuição essencial para a contenção do aquecimento global. Se a floresta desaparecesse, 200 bilhões de toneladas de gás acabariam repentinamente na atmosfera. Sem falar da contribuição essencial para a regulamentação das chuvas.
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Desmatamento zero? Uma política possível e viável. Entrevista com Carlos Nobre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU