09 Outubro 2019
"Portanto, o possível lado bom de um cisma na Igreja Católica hoje, seria o reconhecimento desses grupos de poder que eles estão certos e que continuassem o seu caminho, deixando que o Concílio Vaticano II seja aprofundado. Mas porque não fazem?", pergunta Celso Pinto Carias, doutor em Teologia pela PUC- Rio e assessor do setor CEBs da CNBB.
Primeiramente: de forma alguma estaremos aqui defendendo um cisma. Por melhores consequências que ele traga, sempre produz dor. E quem sofre mais é o povo. No entanto, neste contexto de crise civilizatória em que estamos imersos, a confusão está tão generalizada que ele poderia ter um resultado positivo. Depois, não vivemos mais em um mundo monolítico e sim em uma realidade plural. E a crise da modernidade não indica que a sua superação será a construção de uma única cultura, mesmo que alguns saudosistas ultraconservadores sonhem com isso.
Talvez a grande maioria das pessoas que professam o cristianismo não saiba o que é um cisma. A palavra quer dizer divisão de um grupo. Tem sido usada há muito tempo no âmbito do cristianismo. Aconteceram alguns cismas ao longo da história cristã. Os mais significativos se desdobraram no aparecimento da Igreja Ortodoxa (1054), do Protestantismo (século XVI - 16) e a Igreja Anglicana (também século XVI - 16). Pode-se afirmar que a questão de fundo de toda e qualquer divisão no cristianismo passou por uma questão de poder. As questões religiosas eram um pretexto.
E hoje, estamos de novo em uma crise do poder. Crise que também afeta a Igreja Católica. Nestes dias o Papa Francisco chegou a tocar no assunto cisma. Em viagem para três países africanos (10/09/2019), perguntado por jornalistas no avião disse: “Rezo para que não haja cisma, mas não tenho medo”. Sim, por que temer? Não seria o primeiro e nem último. Porém, poderia trazer unidade de propósito para todas as pessoas que na Igreja Católica acreditam que os sinais do Reino de Deus precisam ser realizados aqui e agora. Sinais e não realização definitiva. Por conta dos fiscais de plantão, os que tornam a Igreja uma alfandega, como já disse Francisco, precisamos explicar tudo. “Olha, não estamos falando de um reino definitivo aqui na terra, não estamos deixando de lado a dimensão escatológica da fé cristã... Olha a opção preferencial pelos pobres, não exclui quem não é pobre, olha, olha, olha...”.
Há um grupo minoritário, mas extremamente poderoso, pois tem ajuda dos poderosos do mundo, bilionários, que financiam, direta ou indiretamente, os ataques ao Papa Francisco. O Cardeal Burke não pode deixar de ser mencionado. Mas ele não é o principal problema. Na crise atual, o poder dominador concentrado no grande capital, não é capaz de tentar superar os problemas com a partilha. Continua estruturado no esquema de concentração. Monta uma série de justificativas para afirmar que o pleno desenvolvimento garantirá a vida digna para os pobres. Promessa feita há dois séculos. Enquanto isso, os ricos ficam cada vez mais ricos e a miséria não resolvida. Então, é preciso achar culpados. Os culpados, na lógica deles, é sempre a vítima.
Sabemos que as religiões podem ser usadas pela lógica de um poder dominador. Isso é fato. Não compartilhamos de críticas destrutivas da religião, mas como ela tem um forte componente humano, é indiscutível que ela pode ser instrumentalizada. Somos seres sociais e em sociedade tudo pode ser utilizado para manter poderes que se veem ameaçados pela lógica da partilha.
Ora, como cristão católico assumo o caráter divino da Igreja. Porém, não reconhecer a realidade humana que perpassa sua estrutura seria como colocar “uma luz debaixo da mesa” (Mt 5,15). Os escândalos, de vários tipos, estão aí para comprovar. E o Papa Francisco tem usado imagens fortes para demonstrar que não está disposto a fazer uma ação na qual se esconda os problemas. Chegou a dizer, nas vésperas do Natal de 2014, que existem 15 doenças na Cúria Romana. Assumir esta realidade não diminui a Igreja, ao contrário, ela ganha credibilidade, confiabilidade. Dentro da Igreja Católica, quem tem se oposto ao Papa Francisco pode ser aquele que tem algo a esconder, que tem algo a perder do ponto de vista moral ou material.
Olhando a história dos cismas se verifica com facilidade que por trás de disputas teológicas quase sempre se esconde uma questão de poder. O teológico poderia ser resolvido com debates e aprofundamentos, como em tantas outras vezes aconteceu, mas pode ganhar proporções cismáticas quando interessa a um grupo de poder em determinado. Pode-se exemplificar com o caso da Reforma Protestante. Tanto que a Igreja Católica reconheceu, em documento (Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica, assinado em 31 de outubro de 1999), que luteranos e católicos tem a mesma doutrina da justificação. Mas antes disso quanto sofrimento se deu. Era interessante para os príncipes alemães incrementar as disputas. Basta ler bons livros de história para comprovar com facilidade. Ou pelo menos assistir um filme feito por luteranos alemães (Lutero) no qual se percebe as crises que o próprio Lutero sofreu por ver seus protestos serem utilizados indevidamente. O filme é extremamente interessante porque justamente foi feito por luteranos.
Contudo, apesar do sofrimento, a Igreja Católica se viu obrigada a fazer uma reforma e que trouxe bons frutos, cujo marco foi o Concílio de Trento. Sem Lutero, que foi um grande teólogo, quanto tempo a Igreja demoraria em corrigir o rumo?
Hoje, como dito, vivemos uma grande confusão. Os desavisados ou utilizados pelo poder dominador, podem fazer coro a este grupo minoritário e fazer com que se tome uma decisão drástica. Os filhos das trevas são espertos. Por isso, é preciso dar todo apoio ao Papa Francisco. Ele não pode se sentir sozinho.
Tenta-se o diálogo, procura-se a conciliação, busca-se com todas as forças uma lógica de perdão. Porém, os grupos de poder quando atingidos são incansáveis e levam muita gente boa com eles. Neste momento, por exemplo, em que se realiza o Sínodo para a Amazônia, temos buscado, com nossos parcos meios eletrônicos, a informar o que de fato está acontecendo, mas que dificuldade.
Eles parecem que querem nos forçar a fazer o cisma. Temos apanhado muito nas últimas décadas, mas temos resistido, pois amamos a Igreja. Agora, o contrário não pode ser dito na mesma proporção. Quem não aceitou o Concílio Vaticano II? Quem tem procurado fazer interpretações que colocam a eclesiologia do Concílio debaixo do tapete na perspectiva de Igreja como Povo de Deus? Quem tem perseguido de modo incansável a teólogos e teólogas que, bem fundamentados, procuram servir a Igreja na perspectiva do diálogo com a cultura moderna como nos recomendou a Gaudium et Spes? Somos incapazes de erro?
Obviamente que não. Porém, estamos dispostos ao diálogo, à correção fraterna, se de forma evangélica nos procuram corrigir.
O modus operante dos grupos de poder não é o diálogo. É o autoritarismo e a mentira. Quantos têm dito por aí, incluindo padres e bispos, que Leonardo Boff foi excomungado sem mostrar documento algum no qual isto seja dito? Quantos não se utilizam da boa fé do povo para manter seus privilégios de uma vida de luxo e riqueza? Não queriam a canonização de Dom Oscar Romero, pois diziam que ele agiu como político e não como bispo. Não compreendem que como disse o Papa Pio XII, e que foi repetido por São Paulo VI e agora por Francisco, que a política é forma mais nobre de exercer a caridade. Agora precisam suportar São Oscar Romero na ladainha.
Portanto, o possível lado bom de um cisma na Igreja Católica hoje, seria o reconhecimento desses grupos de poder que eles estão certos e que continuassem o seu caminho, deixando que o Concílio Vaticano II seja aprofundado. Mas por que não fazem? Presumimos que avaliem os custos morais e econômicos. E então, preferem, usando até meios espúrios, tentar nos empurrar para fora. Demonizam palavras e conceitos sem nenhum pudor, pois sabem que o povo acredita neles e não vão procurar verificar a veracidade. E hoje, com as mídias digitais, nem se fala. Tenho visto parentes e amigos muito próximos, simplesmente divulgarem informações completamente inverídicas, as tais fake news.
Eles podem dizer: “Mas vocês nunca criticaram o Papa João Paulo II ou Papa Bento XVI?”. Sim, houve críticas, e até exageros de alguns. Mas a maioria sempre respeitosa, e raramente usando os meios de comunicação social. Hoje o Papa Francisco é até xingado, e não por descrentes, mas por católicos. Em uma determinada arquidiocese do Brasil um grupo de católicos, sim católicos, chegou a colocar um outdoor com a seguinte frase: “tirem o PT do altar”. Se quiséssemos usar da mesma lógica se poderia dizer: “tirem o PSL do altar”, “tirem a pena de morte do altar”, “tirem o massacre dos pobres do altar”, “tirem a vontade de destruir a natureza do altar”, e por aí vai.
Não queremos, em hipótese alguma, um cisma. MAS NÃO TEMOS MEDO DELE. É preciso ter coragem de ir a público para defender o Papa Francisco. Temos ouvido um silêncio ensurdecedor de muitos. Agora, por exemplo, quantas dioceses levantaram a voz, não para rezar para que não aconteçam possíveis heresias no Sínodo, para proclamar a comunhão com o Papa? Quantos meios de comunicação de inspiração católica têm buscado com veemência esclarecer de que se trata o Sínodo? Enfim, neste dia 06 de outubro, que possamos nos inspirar no Evangelho: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10).
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