27 Setembro 2019
O relato de Honorato, catequista leigo que, do Rio Andirá, se prepara para partir para Roma: “Quero dar ao papa este colar feito com materiais da floresta para testemunhar que, para nós, índios, a floresta é viva porque foi criada por Deus”.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada em Mondo e Missione, 25-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos comentários que lemos nestes dias sobre o Sínodo para a Amazônia – tanto entre os mais entusiasmados quanto entre os apocalípticos que chegam a invocar os perigos para a catolicidade que esse evento estaria preparando – sempre tende a faltar uma voz: a de quem nasceu, vive e professa a própria fé na Amazônia.
Por isso, é muito precioso o testemunho que apresentamos aqui abaixo. Ele vem diretamente do Rio Andirá, a área indígena da Diocese de Parintins, na Amazônia brasileira. E quem o oferece é Honorato Lopes Trindade, um catequista católico da etnia Satere Mawé que está se preparando para partir para Roma para também estar presente no Sínodo.
Tínhamos contado há alguns meses, na Mondo e Missione, a história do Satere Mawé e de como, através da obra de um missionário do PIME – o Pe. Enrico Uggé –, uma tribo indígena que corria o risco de desaparecer se transformou em uma comunidade dez vezes maior, que tenta olhar para o futuro sem renegar as suas próprias raízes.
Mas a experiência do Satere Mawé também é o testemunho de uma fé vivida nas aldeias, com muitos catequistas como Honorato que educam as suas comunidades à fé de modo esplêndido, dispersas em uma imensa área que o sacerdote, viajando no rio, só pode alcançar poucas vezes por ano.
É para o caminho concreto dessas comunidades e para a ministerialidade dessas figuras que o Sínodo para a Amazônia olha ao falar de novos caminhos para a evangelização. Por isso – através do Pe. Uggé – pedimos que Honorato nos contasse como que espírito está se preparando para partir para Roma.
Assim, descobrimos que ele não irá para a Itália de mãos vazias: enquanto lidava com as vicissitudes da burocracia brasileira para obter o passaporte, ele preparou um presente que quer entregar ao papa. Trata-se de um colar feito com materiais colhidos na floresta, um colar que carrega dentro de si um significado preciso:
“As cruzes – explica o catequista Honorato – representam os povos e os obstáculos que nos enfraquecem nos velhos caminhos, tornando-nos como que escravos. Mas no colar também há uma grande cruz no meio de nós, povos: é a chave de São Pedro à qual vamos para nos libertar, para abrir a nossa mente, o nosso coração e os nossos olhos, para ir acolher com alegria aquilo que a voz do Espírito dirá à Igreja na Amazônia. Por isso, queremos percorrer os novos caminhos da Igreja e da ecologia integral a que o Sínodo nos chama.”
Quanto ao tema da ecologia integral, Honorato nos confidencia a sua reflexão sobre a relação entre o homem e a terra. “Todos dizemos que a terra é viva, mas hoje há quem a considere como um corpo morto”, explica. “O nosso povo Satere Mawé – a partir da sabedoria que nos foi transmitida pelos nossos ancestrais – continua nos dizendo que a terra é viva. É através dela que nós respiramos. Podemos fechá-la dentro de leis escritas com letras mortas? Nós, índios Satere Mawé, não somos teorias, mas palavras vivas. Continuamos preservando a natureza, respeitando-a na sua integralidade, porque quem a criou não foi um ser humano, mas Deus. Mas, para manter clara essa consciência, o homem deve ser capaz de ver os fundamentos daquilo que nos rodeia, manifestar maturidade e um jeito adulto de olhar para a vida e para o modo em que estamos vivendo.”
Nestes dias, enquanto está na moda tirar o pó do mito do bom selvagem para atacar o Instrumentum laboris do Sínodo, o catequista Honorato fala de “maturidade”. E reivindica o olhar contemplativo como uma das mensagens que a Amazônia pode oferecer ao mundo.
“O nosso povo – continua o catequista indígena – cultiva uma humanidade de olhar místico, aprende as leis da natureza não de modo teórico, mas vivendo em comunhão com a natureza e com Deus. Reflitamos: a Bíblia conta que o homem foi moldado a partir do barro, de uma porção de terra. Por quê? Para nos dizer que a terra é nossa mãe. E por que não a preservamos? Isso é falta de respeito.”
“No rosto da Mãe Terra, encontramos algumas características próprias da natureza humana”, conclui Honorato. “É ela quem nos ensina os sentimentos de bondade, compaixão e piedade para com os nossos semelhantes, porque toda a humanidade nasceu da terra. E viver a própria humanidade significa agir de modo solidário, obedecendo ao espírito de vida que Deus infundiu no primeiro homem. Hoje, porém, há muita hostilidade e falta de humanidade no nosso planeta. O homem crê que pode fazer tudo, crê que não é um problema destruir a floresta de onde vem o ar que respiramos. O que estamos fazendo com esse pulmão que é a nossa Amazônia? Não esqueçamos que tudo o que existe foi criado por Deus.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O índio Satere Mawé e o Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU