11 Setembro 2019
Ao fragmentarem a web para controlar usuários e lucrar com suas vidas, corporações tecnológicas deram tiro no pé. Sem senso de Comum e limites para o lucro, redes sociais tornam-se a cada dia menos úteis e interessantes.
"Sem uma regulação da internet, dos algoritmos, das comunidades virtuais, das plataformas de vídeo, estamos correndo o risco de criar um mundo digital onde nos sentimos mais dentro de uma prisão de sistemas de crédito sociais e transações monetárias do que em qualquer outro lugar que gostaríamos de visitar", escreve Michael K. Spencer, editor do FutureSin, em artigo publicado por OutrasPalavras, 09-09-2019. A tradução é de Gabriela Leite.
Nós, como planeta, estamos fracassando no esforço para criar espaços saudáveis na internet. Os algoritmos tiraram a personalidade das plataformas. Agora, elas dizem estar rearticulando seus jardins murados ao desaviar o foco para a privacidade.
Mas estaríamos abandonando os algoritmos ou, então, voltando a criar comunidades? Provavelmente nenhum das duas opções. Os aplicativos viciam e têm características doentias. Comunidades digitais não podem ir mais tão longe, e algoritmos não regulados estão mostrando que Facebook, YouTube e outras plataformas não são capazes sequer de monitorar suas arquiteturas de economia da atenção social corretamente.
A era dos jardins murados digitais é, honestamente, um pouco triste. […] Nossos espaços sociais estão desmoronando e se fracionando em muitos aplicativos e nenhuma regra. Considere, por exemplo, os trolls do Twitter e do Reddit, ou a desinformação e os deep fakes no Facebook e YouTube. Não são mais mídias sociais e, enquanto isso, a censura aumenta.
O Instagram não passa de uma armadilha para levar aos usuários conteúdo patrocinado, tanto que eu acho que as marcas estão se enganando ao entrarem nessa rede social. Quem realmente segue uma propaganda digital em um micro vídeo de story? Todo o futuro da propaganda está em xeque, e a experiência de muitos desses aplicativos decaiu, levando a um êxodo de “usuários”. Não são mais membros dessas comunidades, e tampouco estão alegres e interagindo amigavelmente.
Os jardins murados viraram um festival de notificações e interações de má qualidade, e esse é um problema sério. Os algoritmos desumanizaram a internet. As métricas da vaidade já criaram uma legião de microinfluenciadores fakes e as redes sociais utilizaram incentivos condenáveis para construir uma internet boa ou justa. Ela virou um terreno baldio.
Nossa atenção é hackeada diariamente. Muito do que fazemos, seja ficar rolando o feed de notícias ou assistindo a vídeos, não é nem social, nem educativo, muito menos útil para sua vida. Muitos dos aplicativos de mensagens instantâneas tentam nos fisgar de maneiras que não são, nem de maneira remota, éticas ou saudáveis para nossa saúde mental.
Muito foi feito a respeito do recente comprometimento da Apple e do Facebook com a “privacidade” e os “grupos”, e um modelo de inscrição para criar valiosos espaços de nicho. Mas os games e a monetização transformam os grupos de Facebook mais em spam, sem qualquer valor.
Essa ampla balcanização de nossas caixas de ressonância globais, como a Forbes coloca, em comunidades menores e mais unidas só serve para tirar nosso dinheiro, nossa atenção e nossos dados. De forma alguma está melhorando o futuro das redes sociais ou do consumo online.
Não importa se você concorda com a introdução de um sistema de encontros, ou de blockchain [protocolo descentralizado de proteção de dados, utilizado geralmente para criptomoedas], na arquitetura bagunçada do Facebook. O importante é reparar que a honestidade, a autenticidade e a verdadeira vulnerabilidade do compartilhamento social, fatores que no início fizeram dessas plataformas tão grandiosas, estão mortos há muito tempo. A nossa lua de mel com as plataformas sociais foi há tanto tempo que nem conseguimos mais nos lembrar. Não há nada de radical no que as redes sociais podem fazer por nós. Seu propósito basicamente declinou.
Estamos cansados de aplicativos e notificações que servem para nos perseguir, ao invés de nos ajudar. A autenticidade que você testemunha na internet é, na maior parte das vezes, falsa. As marcas pessoais que você vê online têm, em sua maioria, uma agenda própria. O movimento em direção à privacidade é, na verdade, um movimento de monetização, incluindo a maneira com que os “empreendedores” digitais querem tirar nosso dinheiro.
Algoritmos e aplicativos não são humanos, são construídos para fingir que são. Eles não inspiram você ou qualquer ser humano a sua volta.
Essa retração dos Comuns globais às comunidades locais pode ser vista como um retorno às comunidades, baseadas em interesses compartilhados e definidas geograficamente. Essa também é uma agenda de empresas como o Google, o Facebook e outras que querem controlá-las de maneira cada vez mais eficiente. Não são agências de notícias, como sabemos, são simplesmente empresas de publicidade digitais. Querem utilizar o melhor da inteligência artificial para, basicamente, lucrar mais.
É possível argumentar que anúncios digitais tornarem-se o pilar principal do negócio e matou as mídias sociais no Ocidente. O mesmo não acontece na Ásia, onde as mídias sociais e aplicativos formam um ecossistema dinâmico, que não é comandado apenas por monopólios.
Os jovens na China têm muito mais opções, seja para transmissão ao vivo, marketing de influência, comércio digital ou qualquer serviço que estejam buscando. Aplicativos-anúncio versus aplicativos-utilidade: a diferença é enorme na maneira como as comunidade se formam ao redor dessas tecnologias.
O Vale do Silício não refletiu sobre os monstros que estava criando, apenas se empenhou em ajudá-lo a crescer. Como o capitalismo não possui sentimentos, não se importa se sofremos perseguições, agressões ou se nos sentimos frustrados ao nos comparar com os outros, por meio de sua arquitetura social e coleta de dados sobre nossas preferências, redes e dados pessoais.
A vida fracionada dos jardins murados digitais não é, como internet, sequer interessante. Mas é tudo o que temos. O Vale do Silício não é mais um adolescente e sim um jovem adulto, e o mundo é comandado mais por empresas de tecnologia do que por governos, democracia ou qualquer instituição surgida antes do advento da internet.
O começo das mídias sociais foi definido por um desejo de globalizar a sociedade. Mas foi, na verdade, uma construção falsa, um mito vendido para que pensássemos que tratava-se de algo positivo. Infelizmente para o futuro de nossa atenção, elas se mostraram terríveis e que não nos tornou mais conectados. Uma internet baseada em anúncios é tóxica porque não leva em conta os interesses do usuário, mas sim do dinheiro.
Foi assim que o Vale do Silício vendeu um sonho que, na verdade, era uma fraude. Deixe-me demonstrar essa teoria. De certa maneira, acreditamos que ao arrancar à força as pessoas do conforto de suas comunidades locais com laços sólidos, proximidade geográfica e interesses em comum, e jogá-las em “plataformas de internet”, estávamos entregando a elas algo bom. Mas com os algoritmos e a monetização, tudo que é bom torna-se facilmente ruim, caso seja conduzida por uma liderança fraca.
Quando as plataformas e mecanismos de busca social tornaram-se poderosos e dominantes, criaram uma arquitetura que se tornou facilmente manipulável com a invasão de dados, o que pode custar a nossos filhos sua liberdade digital para sempre. Foi terrível testemunhar as redes sociais se tornando cada vez menos sociais, mas o pior é o legado da arquitetura de vigilância de dados que tomou lugar. E tudo deve piorar, à medida que mais regimes de controle adotem essa abordagem e a aperfeiçoem.
Pode-se pensar que a internet foi algo bom, e que a liderança desregulada de seu futuro foi, de alguma maneira, causada pelo capitalismo de livre mercado. Mas dada a inteira construção do século XXI, há um cenário apocalíptico por vir, o que faria com que o Google e o Facebook parecessem apenas crianças mimadas.
A IA pode ser armada de maneiras que não conseguimos nem imaginar. O problema é que o Vale do Silício deu o impulso inicial, e esses jardins murados podem se tornar ainda mais restrito.
Nem todo o mundo deseja vestir-se, agir, falar e crer como aqueles do Vale do Silício. Os dias de heroísmo dessas empresas chegou ao fim. Como colocamos corporações como Google e Facebook em um pedestal, seus modelos de negócio serão pilhados, e não irão sobreviver para ver o mundo que eles mesmos geraram.
Sem uma regulação da internet, dos algoritmos, das comunidades virtuais, das plataformas de vídeo, estamos correndo o risco de criar um mundo digital onde nos sentimos mais dentro de uma prisão de sistemas de crédito sociais e transações monetárias do que em qualquer outro lugar que gostaríamos de visitar.
Os Estados Unidos falharam com a internet, vida longa à internet! Redes sociais, e até sistemas de busca, parecem ter sido um truque para integrar cidadãos globais a um sistema horrível de lucro, vigilância, controle e redes de publicidade. Não são úteis se estão apenas disfarçados de serviços.
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As armadilhas da internet-propaganda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU