05 Setembro 2019
“Wallerstein se tornou uma referência obrigatória sobre a história do capitalismo, da modernidade e no tema do mercado mundial, destacando a existência de um centro dominante, de uma semiperiferia e um mundo colonial. Isto desenvolvia aspectos que Marx havia formulado explicitamente, mas não tinha conseguido provar fundamentalmente, já que pertencia ao momento do mercado mundial capitalista que era um momento que em seu programa de pesquisa não pôde expor”, escreve o filósofo Enrique Dussel, filósofo, em depoimento publicado por La Jornada, 03-09-2019. A tradução é do Cepat.
Deixou-nos um grande mestre das ciências sociais, um estadunidense universal, que seguiu o pensamento de Karl Marx (alemão), Ferdinand Braudel (francês) e a Teoria da Dependência (latino-americana). Historiador interdisciplinar, sempre atento ao presente a partir do passado (escrevendo seu último artigo, o de número 500, em 15 de agosto deste ano: “Este é o fim, este é o começo”, La Jornada, 15-08-19, página 31), com especial referência à macroeconomia, propôs, a partir de 1974, a hipótese interpretativa de trabalho de um império mundial (hispânico, do século XVI) que se transformou no sistema propriamente capitalista mundial (o World System, desde o século XVII, hegemonizado primeiramente pelas Províncias Unidas holandesas em torno de Amsterdã): Immanuel Wallerstein (que nasceu em Nova York, em 28 de setembro de 1930, e acaba de morrer em 31 de agosto deste ano).
No início, o especialista em problemas africanos, por volta de 1970, centrou-se na história da economia dentro do mercado mundial graças às interpretações de Braudel e se estabeleceu, por último, na Universidade de Nova York, campus de Binghamton, onde formou escola com Giovanni Arrighi, e em diálogo entre outros com Samir Amin. Convidou durante anos Aníbal Quijano, colega peruano que também nos deixou há pouco tempo, e entre seus alunos Ramón Grosfoguel, que lançou dentro da tradição de Wallerstein o tema da Descolonização epistemológica, assim como Agustín Lao Montes.
Encontrei-me muitas vezes, nas últimas décadas, com o colega Wallerstein, nos Estados Unidos, em Luxemburgo e especialmente em Binghamton, onde me lembro do seminário realizado nesta última universidade (na qual também participaram Walter Mignolo e Bolívar Echeverría, embora este último não tenha participado tanto por não ser um assunto de sua especialidade) sobre a relação entre a Teoria da Dependência, o Colonialismo e a origem da Modernidade em 1492, assunto em debate naquele momento. Isso levou Immanuel Wallerstein a escrever um excelente volume sobre o “Universalismo em Bartolomeu de las Casas”, que desafortunadamente passou como algo despercebido.
Da mesma maneira, a aceitação da problemática chinesa na história econômica da Modernidade, graças ao livro de André Gunder Frank, Re-Orient, pegou Wallerstein um pouco desprotegido, aparecendo em Review (publicação da Universidade Binghamton) resenha sua, de Arrighi e de Samir Amin apontando que Gunder Frank havia exagerado um pouco na importância da China. Logo depois, começa a descoberta da China (sua ciência, tecnologia, economia etc.), que exigirá que Wallerstein assuma plenamente a posição de seu amigo Gunder Frank.
Wallerstein se tornou uma referência obrigatória sobre a história do capitalismo, da modernidade e no tema do mercado mundial, destacando a existência de um centro dominante, de uma semiperiferia e um mundo colonial. Isto desenvolvia aspectos que Marx havia formulado explicitamente, mas não tinha conseguido provar fundamentalmente, já que pertencia ao momento do mercado mundial capitalista que era um momento que em seu programa de pesquisa não pôde expor.
Wallerstein descreveu historicamente, do século XVI ao século XX, de maneira paradigmática (opondo-se à posição, entre outros, de Agustín Cueva, que pensava que a Teoria da Dependência não tinha lugar teórico na obra de Marx), a transferência de mais-valia de um capital global colonial subdesenvolvido para um capital global com maior composição orgânica (ou seja, mais tecnologia no processo de produção) e no contexto da competição no mercado mundial (como declarou inicialmente Mauro Marini).
Immanuel Wallerstein não apenas historiciza a relação da exploração centro-periferia, como também oferece os pressupostos à teoria recente da Globalização (no presente, e em uma fase recessiva pelo protecionismo nacionalista estadunidense). Há décadas, articula isto com o declínio do sistema econômico de sua própria nação, dando razões para o surgimento da potência chinesa emergente.
Todavia ataca igualmente a análise conjuntural dos movimentos sociais insurgentes antisistêmicos e encoraja os processos progressistas (para dar algum nome), do zapatismo ao processo da Quarta Transformação, vistos sempre a partir de uma visão geopolítica mundial, que marca uma reflexão altamente sugestiva para nos afastar da análise simplista e imediatista. A visão histórico-mundial, à maneira de Ferdinand Braudel, com forte influência marxista, oferece-lhe uma perspectiva sempre inovadora.
Deixou-nos um dos grandes intelectuais do século XX!, que, como Noam Chomsky, supera as fronteiras em que se fixam os pensadores anglo-saxões estadunidenses, sendo difícil adotarem, frente à realidade, uma atitude crítica e criativa, produzindo geralmente uma ciência social conservadora e provinciana (a partir da hipótese de que o estadunidense é o universal, moderno, mais desenvolvido).
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Immanuel Wallerstein (1930-2019). Depoimento de Enrique Dussel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU