Um "novo clericalismo" nas relações Estado-Igreja

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19 Agosto 2019

Entre as mudanças que caracterizam política, cultura e relações de poder no país, uma está destinada a produzir efeitos importantes: um novo clericalismo. É uma forma atualizada das relações Estado/Igreja; inversão de tendência significativa na história da Itália. Os atores são os de sempre: a política, ou seja, parte dela, e expoentes eclesiásticos, pelo menos aquelas sensíveis ao aspecto do "poder". A transformação diz respeito a modos e manutenção das boas relações entre as partes.

O comentário é de Marco Garzonio, jornalista italiano, publicado por Corriere della Sera, 18-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

No clericalismo clássico, os partidos contavam com a influência eclesiástica e, em troca, concediam favores ou privilégios aos entes religiosos. Um aproveitamento mútuo em que, de fato, a Igreja prevalecia por pelo menos duas razões. Primeiro: era a política que precisava. Segundo: a dimensão eclesiástica era fortalecida por uma estrutura hierárquica compacta. Os elementos de dissenso dentro do mundo católico, reduzidos a minoria, acabavam por não ir além do testemunho.

Tais equilíbrios sumiram. As causas, múltiplas, vão desde o contexto geral (modelos de sociedade, cultura, economia, estilos de vida, comunicação) até um complexo de circunstâncias amadurecidas na Igreja.

Francisco chegou e o mundo católico italiano tem dificuldades para acompanhar a leitura das mudanças epocais e o papel do cristão feito por Bergoglio. O Papa, que veio das periferias do mundo, colocou no centro o evangelho da caridade e dos últimos, a dignidade do homem, a salvaguarda da criação e a gestão sinodal. Uma "revolução" implementada por Francisco de modos inusitados para a Itália, por exemplo: a revalorização de modelos de virtudes cristãs outrora minoritárias (Padre Mazzolari, Padre Milani, La Pira); a nomeação de bispos buscados fora das carreiras eclesiásticas; a intolerância com arranjos e gestão tradicionais da Conferência Episcopal Italiana - CEI; a recusa do envolvimento nos assuntos italianos e a reivindicação para si de se expressar em total liberdade sobre: ​​periferias, migrantes, dignidade do trabalho, economia a serviço do homem.

O desafio é gerir o desconforto entre a visão de Bergoglio e o "sempre foi feito assim" da catolicidade italiana, sabendo, no entanto, que isso comporta insuficiências e incrustações como: uma mortificação do aporte dos fiéis leigos; uma opinião pública na Igreja pouco promovida e menos ainda cultivada; uma mentalidade difundida, não só entre os católicos, de pouca consciência do valor da laicidade de cultura, política e instituições. A transição é o terreno fértil para o novo clericalismo.

Ecoam os gestos da primeira República feitos por Salvini, que ostenta símbolos cristãos e amplia os consensos. A diferença é que hoje não é a Igreja instituição que é chamada a aproveitar os efeitos de eventuais acordos. Aliás, olhando para os recentes posicionamentos tomados por Avvenire, Civiltà Cattolica, Famiglia Cristiana, a natureza oficial da Igreja reivindica autonomia e liberdade de pensamento e contesta as implicações desumanas de algumas escolhas feitas pelo líder da Lega (partido político de Salvini, vice-ministro italiano). Que, por sua parte, afirma receber estima e apoio de bispos, padres e grupos minoritários da Igreja bergogliana.

A bola está quicando em todos os lugares no mundo católico. A parte dela que se considera representada por Salvini e realmente contesta a teologia e a pastoral do Papa deveria se mostrar, buscar um confronto público e transparente, contrapor linhas alternativas sobre os grandes temas: pobreza, trabalho, migrantes, economia, democracia, paz, relações Estado/Igreja.

Se, por outro lado, religiosos e fiéis leigos pretendem afirmar-se dentro do universo eclesial, também utilizando a vertente do poder político emergente, tem via livre um novo clericalismo. Com que vantagens para os católicos e para a relevância e credibilidade para o mundo ainda precisa ser verificado. Tendo memória e termo de comparação de que conluios entre poder político e religioso sempre se revelaram infecciosos para os processos democráticos.

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