16 Agosto 2019
Dois livros recentes sobre o Papa Francisco "provocam" o leitor e o teólogo, que se sente desafiado e chamado a discutir. São os ensaios de Luca Diotallevi, Il paradosso di papa Francesco. La secolarizzazione tra boom religioso e crisi del Cristianesimo (O paradoxo do Papa Francisco. A secularização entre boom religioso e crise do Cristianismo, em tradução livre, Rubbettino, p. 272, euro 15) e de Marco Politi, La solitudine di papa Francesco. Un papa profetico, una Chiesa in tempesta (A solidão do Papa Francisco. Um papa profético, uma igreja em plena tempestade, em tradução livre, Laterza, p. 236, € 16).
O primeiro, de caráter sociológico, quase filosófico, apresenta-se, com acentos críticos e, inclusive por isso, estimulantes e ao mesmo tempo questionáveis, o outro, jornalístico e descritivo, resulta mais simpático em sua leitura a este pontificado, mas que também não deve assumido de maneira ingenuamente acrítica.
Ambos nascem de uma suposição fundamental, considerada incontroversa e expressa na forma de postulado, colocando uma diferença radical entre a figura do bispo de Roma e a Mãe Igreja. Ao sucesso do primeiro corresponderia o naufrágio (em termos de consenso) da segunda, de modo que exaltando um afundaria a outra, enquanto décadas atrás, parecia ter a prevalência o slogan "Cristo sim, Igreja não!" agora seria substituído por "Papa Francisco sim, Igreja não!".
A opinião é do teólogo e padre italiano Giuseppe Lorizio, professor da Pontifícia Universidade Lateranense, em artigo publicado em Avvenire, 10-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Além dos resultados de indagações como aquelas propostos pelos dois autores, devemos reconhecer que essa é uma ideia generalizada tanto dentro como fora do catolicismo e decididamente recorrente até mesmo nos diagnósticos propostos pelos meios de comunicação de massa e formadores de opinião. Como crente, e como teólogo, devo constatar, com grande amargura, que ainda não estamos acostumados a pensar de acordo com a eclesiologia do Vaticano II, permanecendo em ocasiões como estas enredados por formulações do tipo neoescolástico, que pensávamos agora definitivamente arquivadas, como aquelas expressas. nos tratados sobre a Igreja Oitocentista, que candidamente se intitulavam De romano pontifício cum prolegomeno de ecclesia (Domenico Palmieri).
A perspectiva pede para ser invertida, para que se interprete o presente pensando na profunda e radical unidade do bispo de Roma e da Igreja, para que os sucessos de um pertençam à outra assim como os insucessos. Mas, ainda mais profundamente, nos perguntarmos de que "sucesso/insucesso" estamos falando? Como podemos medi-lo? E, se deveríamos constatar que os critérios da sociologia e da cultura midiática se referem a sucessos/insucessos mundanos, eles deveriam deixar indiferente o crente ao Deus crucificado, que continua a se deixar questionar pela pergunta "Quem vocês dizem que eu seria?" Certamente, como defende Diotallevi, "o sucesso do Papa Francisco não tem bases nem efêmeras nem insinceras" e "seria necessário um maior confronto crítico, uma comunicação e revisão eclesial mais intensa", mais estudo e menos slogans, mas, precisamente disso, vamos nos encarregar.
Partindo do ponto de vista acima mencionado, acabamos nos medimos com alguns pontos importantes extraídos dessas duas leituras. O ensaio de Diotallevi, decididamente mais exigente e teoreticamente mais relevante, surpreende, também por sua estrutura: cerca de dois terços do texto, de fato, discutem a teoria da “secularização” e somente o último capítulo aborda a situação da Igreja. contemporânea e atual do pontificado (nesse sentido o título não reflete adequadamente o livro). A tentativa é ousada, em alguns aspectos contracorrente, às vezes enganosa.
De fato, Diotallevi assume, interpretando-o, o paradigma de Niklas Luhmann e o aplica ao presente. Desta forma, haveria um ganho duplo: a passagem de um conceito de secularização como substituição (da esfera religiosa pela esfera social e política) para aquele da diferenciação entre os dois âmbitos e a interpretação da religião no âmbito da "diferenciação funcional” no quadro da teoria dos sistemas sociais do pensador alemão. No plano metodológico, o texto (embora se alicerce em exemplos e referências experienciais) adota, de fato, uma modalidade dedutiva, precisamente no momento em que lê com o filtro de Luhmann as vicissitudes do mundo e da Igreja de hoje.
Seria oportuno, portanto, discutir a teoria, ou inverter a sequência dos conteúdos, mas no momento não pretendemos realizar essa tarefa, mas sim observar que, quando se aplica com rigor (como o autor faz) a perspectiva de diferenciação funcional à Igreja de hoje e ao seu Pontífice, não se pode deixar de cruzar a questão de Deus (e Diotallevi está bem ciente disso). A partir do seu autor de referência, o sociólogo coloca o problema em termos profundamente interessantes e frutíferos: a comunicação religiosa deveria se configurar no horizonte não do "falar de Deus", mas do "falar com Deus". Nesse sentido, como alertava o saudoso Italo Mancini, o futuro do homem depende do "espaço para a invocação". E talvez tenhamos de nos acostumar a pensar o próprio "falar de Deus" como um genitivo subjetivo, deixando espaço para a sua Palavra, em vez das nossas e traduzindo em gestos concretos de autêntica caridade as suas palavras.
A questão de Deus vem imediatamente ao nosso encontro nas primeiras páginas do livro de Politi: qual Deus? Em uma tentativa de responder a essa pergunta, o vaticanista parte de uma pergunta feita ao Papa por uma criança, o pequeno Emanuele, sobre o destino eterno de seu pai não crente que morreu prematuramente. Ao mesmo tempo, retoma uma questão recorrente, não apenas nas crianças: mas Deus é o pai de todos ou somos filhos de Deus apenas nós, os batizados? Segundo Politi, a resposta do Papa Francisco transcende a Igreja, no momento em que, não só em palavras, mostra a face de um Deus pai de todos e não apenas dos cristãos.
De fato, ele insere a paternidade de Deus em Cristo participada aos cristãos na paternidade universal de Deus, criador e redentor. Certamente, acrescenta o autor, uma parte dos católicos não se afasta do antigo horizonte e acha difícil aceitar essa face do Deus de Jesus Cristo, mas estamos tão certos de que a Igreja e o chamado sensus fidelium não sigam antes a visão de Deus que este Papa propõe novamente, inspirando-se no Evangelho? E tudo isso nada tem a ver com o sucesso/insucesso midiático do Papa e/ou da Igreja, mas sim com a capacidade comunicativa de toda a comunidade de crentes, chamada a fazer com que Deus fale ao homem e este fale “com” Ele. Politi volta a colocar em campo uma categoria fundamental da revelação cristã, ou seja, a "profecia".
Por sua vez, Diotallevi adverte que não é suficiente a denúncia dos males da cúria ou dos desvios da sociedade para que se realize uma autêntica renovação da Igreja, na direção indicada pelo Vaticano II. Como sabemos, a profecia se move em um trilho duplo: o de denúncia e do juízo e o da misericórdia e da salvação. Caminhos que nos parecem constantemente percorridos pelo Papa, que tenta envolver todos os crentes (e não apenas eles) nesse processo. Mas não podemos esquecer que tal renovação, antes de ser estrutural e institucional, diz respeito ao coração humano e dele deve irradiar para se propagar. Quem pode medir, avaliar e julgar até que ponto os corações dos crentes sejam movidos pela conversão não só pela pregação do bispo de Roma, mas por aquela de tantos pastores e evangelizadores? Certamente, no entanto, quando se separa o pastor do rebanho, nunca haverá uma autêntica conversão nem uma verdadeira renovação da Igreja.
Uma observação final diz respeito à suposta "irrelevância" sócio-política do cristianismo (novamente de acordo com as categorias de sucesso/insucesso). Não esqueçamos que se trata da relevância do que o papa Bento XVI chamou de "minoria criativa", que se expressa, por exemplo, na imagem das freiras algemadas nos Estados Unidos por terem rezado em público em um "lugar proibido", da Igreja que acolhe os pobres das nações em que se enraíza justamente como os migrantes, que se empenha para que os portos sejam abertos aos estrangeiros náufragos, assim como luta pela defesa da vida, o também comporta a denúncia de toda forma de cultura de morte, mascarada pela piedade de um “fim de vida” decidido pelo homem e não por Deus, que é o único Senhor da vida e da morte. Essa relevância será (e em alguns aspectos é) minoritária? O sucesso não determina a sua verdade, aliás o resultado de um referendo convocado por Pôncio Pilatos sobre a figura de Jesus viu o Filho de Deus perdedor, mas certamente não irrelevante, nem aos olhos do Pai, nem aos da história humana. E o paradoxo do Papa, hoje, nada mais é do que o paradoxo da Igreja, que é basicamente e sempre aquele de Cristo. Porque, como ensinava Henry de Lubac, "o Evangelho está cheio de paradoxos".
Entre intuições e lugares-comuns, os ensaios de Diotallevi e Politi discutem a distância entre Francisco e a "irrelevância" de ser, hoje, cristãos no mundo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Papa, a Igreja e a questão de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU