09 Abril 2019
Publicamos um excerto do “Il paradosso di Papa Francesco. La secolarizzazione tra boom religioso e crisi del cristianesimo” (O paradoxo do Papa Francisco. A secularização entre o boom religioso e a crise do cristianismo, em tradução livre), o novo livro do prof. Luca Diotallevi publicado pela Rubbettino (263 p., 15 euros) a partir de hoje nas livrarias. O autor é professor titular de Sociologia na Universidade de Roma Tre.
O texto foi publicado por Il Foglio, 07-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao contrário de vinte anos atrás, neste momento parece até mesmo redutivo falar sobre o retorno da "religiosidade". O que estamos testemunhando é cada vez mais definido pelos sociólogos em termos de religious booming (explosão religiosa). (A surpresa e a dificuldade de compreensão mostradas pelos nossos "amigos" também se justificam totalmente neste caso: se os especialistas estão em dificuldade, por que não deveriam sê-los eles também?). Por religous booming entendemos um conjunto imprevisto de fenômenos, inclusive bastante diferentes entre si, que não corrobora nenhuma das hipóteses que, entre os anos 1980 e 1990, tenham desafiado a "teoria clássica da secularização", e nem a hipótese do chamado "novo paradigma" de acordo com a qual a recuperação do "religioso" dependia de alguma diversificação e de um pouco de concorrência em torno de algo que permanecia ainda assim semelhante à ideia tradicional de religião. O que retorna, em vez disso - já foi mencionado - é uma religião não apenas tão diferente daquela dada como acabada pela "teoria clássica da secularização", mas também é algo que se manifesta por formas extremamente variadas e muito distantes uma em relação às outras.
Em suma, parece que estamos lidando mais com os efeitos de uma explosão imprevista do que com um simples retorno. Disso decorre a expressão: religious booming.
Para todo um grupo de fenômenos protagonistas deste boom, com características muito diferentes daquelas da religião convencional, alguns preferem falar de "espiritualidade", e o fazem com a intenção explícita de integrar um conceito já muito ampliado, embora ainda insuficiente, de religião. Por outro lado, o que explode é um consumo de bens e serviços religiosos, cuja novidade é bem representada pelos produtos de algumas novas marcas, mas talvez seja ainda melhor por novos produtos de marcas tradicionais (as tradições religiosas históricas, incluindo aquelas cristãs). É sobre essa vertente que é melhor capturado o caráter não apenas quantitativo, mas morfológico e transversal da explosão da "religiosidade" que estamos presenciando. Outros estudiosos preferem falar de low intensity religion (religião de baixa intensidade), ou seja, a combinação de maior poder de demanda (democratization of religion), maior flexibilidade da oferta, menor pretensão de relevância extra-religiosa da religião, tudo dentro do quadro de uma crescente commodification of religion (transformação dos bens e dos serviços religiosos em mercadorias ou em credencie goods, e do fiel em um consumidor). Para se ter uma ideia de quanto a situação está mudando, basta dizer que uma religião de "baixa intensidade" dificilmente pode resultar útil para uma estratégia de disciplinamento social, até não muito tempo atrás considerada, ao contrário, a principal função social da religião. Para poder explicar tudo isso, até mesmo expoentes da versão ortodoxa da "teoria clássica da secularização", como, e entre outros, S. Bruce, agora falam de "secularização tardia" (late secularization). Enquanto isso, como sempre acontece, a situação é melhor vista "de fora" e "de longe": as instituições de comércio internacional introduziram uma nova categoria de produtos nos catálogos anexados aos seus tratados: a religião, código "959".
Mesmo aquele que não estuda fenômenos religiosos, mas se dedica à análise das relações internacionais (International Relations, Iirr), dos processos e atores econômicos, ou estudos urbanísticos, apenas para citar três dos muitos exemplos possíveis, fica - duplamente - surpreso pelo religious booming em curso. Primeiro de tudo, sem aviso prévio encontra-se obrigado a fazer as contas com a religião e logo percebe que não recebe grande ajuda da sociologia da religião. A religião que é encontrada em todos os lugares aparece e se comporta de maneiras não raramente bastante diferentes daquelas levadas em consideração pelas orientações prevalentes na sociologia da religião. Típico é o caso dos Iirr sudies. Eles nasceram com o aparecimento do sistema dos estados e, portanto, com a privatização da religião. Ignorá-la foi um dos axiomas desses estudos. Durante séculos, isso não havia criado grandes problemas.
Agora, em vez disso, a dificuldade não consiste apenas em começar a considerar também processos, instituições e atores religiosos como elementos ambientais quando são feitas comparações, mas envolve ter que lidar diretamente com o poder (às vezes não apenas soft) de um número elevado e crescente de religous transnacional actors. A lista destes últimos é realmente longa. Procedendo muito sumariamente, podemos lembrar que inclui nacionalismos religiosos, formas (não só cristãs ou europeias) de neoconfessionalismo (ou afins), fundamentalismos de toda matriz, explosões de violência religiosa generalizada, formas de diplomacia paralela. Essa lista foi inaugurada por J. Casanova que, há mais de um quarto de século, mostrou quanta atenção mereciam as public religions, talvez empregando o conceito mais indigesto para o "modelo herdado" que poderia ser imaginado naquele momento. Até agora, de acordo com diversos autores, estamos até mesmo em um contexto em que muitas vezes é mais a política que deve se defender da religião e não vice-versa.
O leitor não deve pensar apenas nas bombas lançadas em nome de algum deus ou nos sucessos eleitorais de "partidos religiosos" (de um tipo ou de outro), mas também em fenômenos menos cruentos e mais profundos. Por exemplo, em alguns casos, a religous booming explora e alarga a fissura que a globalização já havia reintroduzido entre a lei (do estado) e o direito (das pessoas). A religião alia-se ao direito para remover este último do cativeiro a que o Estado o havia reduzido, colocando-o à mercê da lei (como nos regimes europeus-continentais de civil law e derivativos). Da mesma forma, observando rapidamente os estudos econômicos, pode-se encontrar - entre outros - os argumentos daqueles que sustentam que a relativa estabilidade do modelo neoliberal depois da crise de 2007-2008, não se pode explicar sem considerar o apoio (ideal e prático) que certos atores religiosos asseguram a ele.
Um dado como este simplesmente subverte a suposição da "teoria clássica da secularização" segundo a qual a religião é a guardiã da velha ordem e obstáculo ao desenvolvimento. Uma tendência similar pode ser observada entre os estudiosos do fenômeno urbano e, em particular, das global cities. Inclusive nesse âmbito não falta quem denuncie explicitamente o "cone de sombra" em que as disciplinas em questão tinham inadvertidamente esquecido, ou intencionalmente confinado, a religião e os danos que essa opção ainda produz para toda a disciplina.
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Falar do retorno da religiosidade é redutivo: estamos diante de um religious booming - Instituto Humanitas Unisinos - IHU