26 Junho 2019
"A história narrada pelo jesuíta com profundo orgulho de pertencimento à Companhia Inaciana foi, portanto, a epopeia dos jesuíta na Ásia, centrada nos feitos heroicos e nos incríveis milagres de Francisco Xavier, que depois de deixar a Índia, fechada ao cristianismo por seu rígido sistema de castas, tinha se iludido que o Japão poderia ser uma terra de fácil conquista para a verdadeira fé", escreve Massimo Firpo, historiador italiano e professor da Universidade de Turim e da Scuola Normale Superiore di Pisa, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 23-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daniello Bartoli
Istoria della Compagnia di Gesù. L’Asia
Curadoria de Umberto Grassi
Colaboração de Elisa Frei
Introdução de Adriano Prosperi
2 vols. Einaudi, Turim, p. CXXXII-639, XIV-774, € 140
Daniello Bartoli
Chegam às livrarias na coleção Millenni Einaidi os volumes da "Istoria della Compagnia di Gesù", dedicados à presença da ordem de Santo Inácio no continente asiático. Daniello Bartoli nunca pôs os pés na Índia, na China, no Japão, em qualquer parte da Ásia ou das Américas. Aliás, ele nunca pôs os pés fora da Itália, exceto por uma breve viagem a Malta. Ele nasceu em Ferrara em 1608 e aos quinze anos foi aceito como noviço pelos jesuítas, que o enviaram para estudar retórica em Piacenza, filosofia em Parma (onde se tornou professor de retórica), teologia em Milão e Bolonha, para depois se tornar um aclamado pregador de um extremo para o outro da península. Foi para proferir as homilias quaresmais que ele foi a Malta em 1647, depois que a tentativa de chegar à ilha no ano anterior fora prejudicada por um naufrágio ao largo da costa de Nápoles, ao qual mal escapara tendo que nadar até à ilha de Capri. Foi esse incidente que levou seus superiores a chamá-lo a Roma, a fim de não expô-lo a outros riscos e, acima de tudo, para usar seu talento literário para celebrar a glória da ordem inaciana, agora transformada no fulcro da Igreja contrarreformista e o principal instrumento da evangelização dos novos continentes que se abriram à penetração comercial e missionária da Europa.
Jesuíta completo, fiel até o fim ao seu voto de obediência, Bartoli fez o que lhe pediram, renunciando às raízes mais profundas de sua própria vocação religiosa, que o chamava a ocupar a linha de frente naquele gigantesco esforço coletivo orientado a expandir as fronteiras do cristianismo e guiar para a verdadeira fé continentes inteiros. Já em 1627, com vinte anos ainda não completos, tinha escrito ao geral da ordem, para suplicá-lo que o enviasse para pregar o evangelho em terras distantes e hostis, e no ano seguinte insistia em poder ir para algum lugar "onde conforme meu desejo passe à conversão de almas e acabe no fogo a vida". Ainda em 1633 ele pedia para ir "onde maiores perigos e maior oportunidade há de sofrer e morrer em dificuldades, ou para ser morto por tal efeito, lá eu mais me sinto, com a graça divina, animado a ir", na China confucionista dos Ming ou na Inglaterra calvinista dos Stuarts. Nessas décadas Bartoli não foi o único jesuíta a ser invadido por essa ânsia de martírio, a bombardear seus superiores com cartas para obter a graça de enfrentar riscos e sacrifícios extremos, a sublimar sua própria vocação de miles christianus sacrificando-se como Cristo para salvar as almas dos pagãos na Ásia e nas Américas. Foram chamados de indepetae, entre os quais os vértices da ordem tiveram que exercitar a jesuítica discretio spirituum e, caso a caso, avaliar, entender, decidir, como Adriano Prosperi explicou em seu La vocazione. Storie di gesuiti tra Cinque e Seicento (A vocação. Histórias de jesuítas entre os séculos XVI e XVII, em tradução livre, Einaudi, Turim 2016).
A partir de 1648, Bartoli viveu permanentemente em Roma, onde lhe foi proibida qualquer outra atividade (exceto pelo triênio em que, no início dos anos 1670, ele também assumiu o cargo de reitor do Colégio romano) para que se concentrasse apenas na elaboração de aquela Istoria della Compagnia di Gesù que o tornaria famoso. Foi uma tarefa enorme, que ele enfrentou com absoluta dedicação, estudando o nascimento e depois os múltiplos ramos da ordem na Europa e em toda parte. Teve condições de fazê-lo graças ao exclusivo direito de acessar o arquivo da Companhia, onde ano após ano se acumulavam cartas, memorandos e relatórios de uma extremidade à outra da Terra, que permitiam lançar um olhar sobre o que os jesuítas haviam feito e faziam nas províncias europeias, bem como em missões distantes além oceano. Apesar de tudo, mesmo sem ter sido testemunha ocular nem poder interrogar ninguém, aprendeu a vasculhar esses papéis, tentando desenrolar o complexo novelo e sua estrutura fragmentária. Um esforço incalculável, que ele mesmo definiu como "lungae incredibilmente noiosa" mas sempre sustentado por sua dedicação à causa jesuíta: "É verdade - escreveu ele - que eu com muito mais vontade atenderia a mim mesmo e a coisas que tocassem mais imediatamente o espírito, do que secar minha testa com tais materiais: mas também é verdade que, se agrada a Deus que eu me consume nisso, de bom grado o faço, que não saberia fazer outra coisa senão de má vontade”.
Trabalhador incansável, fechado em seu estúdio entre livros, anotações e folhetos, Bartoli pôde usar seu talento literário para misturar e sintetizar em uma ampla e sugestiva narrativa histórica as informações disparatadas que tinha à sua disposição, com uma grande capacidade de reconstruir fatos, eventos, perfis, seres humanos, e coordená-los em uma visão de conjunto. Iniciou pelas origens da Companhia, com uma extensa biografia de Santo Inácio, para se dedicar depois às quatro partes do mundo em que operava. Começou pelo Oriente, e em 1653 foi publicado o livro sobre a Ásia, em 1660, sobre o Japão, em 1663 sobre a China, em 1667 sobre a Inglaterra e em 1671 aquele sobre a Itália: obras escritas em italiano e, portanto, destinadas a um público italiano para fins apologéticos e proselitistas. E ele também encontrou tempo para seguir seus interesses mais autênticos e escrever livros e panfletos de natureza pedagógica, retórica, linguística, científica, teológica, devocional, polêmica, hagiográfica, como as biografias de ilustres jesuítas como Vincenzo Carafa, Stanislaw Kostka, Roberto Bellarmino, Francisco Borja e um denso compêndio Degli uomini e dei fatti della Compagnia di Gesù. Memorie storiche [Dos homens e os fatos da Companhia de Jesus, memórias históricas] publicado em 1684, o ano anterior à sua morte.
Um literato mais que histórico, em trinta anos de trabalho incansável escreveu a Istoria asiatica, que agora é publicada em dois volumes na bela coleção tipográfica dos "Millenni" da Einaudi, com ilustrações refinadas, resultado de um exigente trabalho dos curadores para dotar o texto de um rico e precioso aparato de notas, sobretudo para sinalizar as fontes da obra. E precisamente porque Bartoli foi literato e não historiador, que essa obra é agradável à leitura em virtude de uma prosa elegantemente barroca, mas ao mesmo tempo controlada pela educação clássica do autor e por seu genuíno sentimento religioso, uma prosa refinada, lúcida e ao mesmo tempo criativa, repleta de grandes capacidades evocativas dos mundos distantes que o autor nunca tinha visto, mas que ele tinha sido capaz de perceber nas cartas enviadas a Roma por seus coirmãos. Não por acaso Giacomo Leopardi foi seu grande admirador, segundo o qual Bartoli tinha sido até mesmo o Dante Alighieri da prosa italiana. Foi inesgotável a riqueza do vocabulário de Daniello Bartoli, "grande pregador e professor de retórica emprestado à história", como escreveu Prosperi em sua densa introdução, que também surgia da necessidade de descrever e contar coisas novas, novas paisagens, novas formas de navegar, de vestir, de viver, de organizar a vida social, de praticar os cultos religiosos.
A história narrada pelo jesuíta com profundo orgulho de pertencimento à Companhia Inaciana foi, portanto, a epopeia dos jesuíta na Ásia, centrada nos feitos heroicos e nos incríveis milagres de Francisco Xavier, que depois de deixar a Índia, fechada ao cristianismo por seu rígido sistema de castas, tinha se iludido que o Japão poderia ser uma terra de fácil conquista para a verdadeira fé. Contudo acabou morrendo miseravelmente aos 46 anos em uma ilha na costa de Cantão em 1552, ano em que nascia na Itália Matteo Ricci, seu maior sucessor, para ser depois canonizado em 1622, junto com Inácio de Loyola. Uma epopeia, no entanto, cujos sucessos foram e teriam sido escassos e precários, não apenas para a crescente hegemonia asiática das potências protestantes, Holanda e Inglaterra, mas principalmente porque no final das contas a fé cristã teria sido rejeitada por culturas muito diferentes, muito ricas em história e identidade para poder aceitá-la.
A ousada e genial tentativa de Alessandro Valignano no Japão, Matteo Ricci na China e Roberto de Nobili na Índia de se adaptar aos seus valores, suas religiões e seus rituais entrou em conflito, de fato, com fortes polêmicas dentro da ordem, para terminar no final do século nas controvérsias teológicas e nas condenações romanas dos ritos chineses e malabar. Celebrada por Bartoli como uma grande glória jesuíta, às vezes com tons triunfalistas, a evangelização da Ásia foi um fracasso, e ele próprio teve que amargamente reconhecer que a expansão europeia naquele continente tinha dependido não tanto do "zelo da religião nem dos fiéis" quanto da "ganância dos interesses".
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Jesuítas na Ásia entre milagres e fracassos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU