23 Janeiro 2019
Ameaças e invasões avançam nos primeiros dias do governo Bolsonaro; Rondônia, Pará, Maranhão e Mato Grosso estão entre estados onde madeireiros e grileiros avançam sobre territórios de etnias como Uru Eu Wau Wau, Arara, Xavante e Guarani Mbyá.
A reportagem é de Leonardo Fuhrmann, publicada por De Olho nos Ruralistas, 21-01-2019.
Os moradores da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, comemoravam no começo da semana passada a ação da Polícia Federal que retirou invasores de seus territórios. Mas a paz durou poucos dias. No sábado, o líder Puré Uru Eu Wau Wau já reunia novas informações sobre furto de madeira e loteamentos feitos no local: “Eles estão abrindo a mata e marcando terrenos na nossa terra”. Os brancos são acusados de furtar madeira do território e de fazer um loteamento clandestino.
Esse é apenas um dos casos de ataques a indígenas e suas terras neste início de ano. Pelo menos oito áreas e seus moradores estão sob ataque no País, segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Ministério Público Federal (MPF).
A situação dos Uru Eu Wau Wau já era grave no ano passado, durante o governo Michel Temer. No ano passado, a Polícia Federal descobriu um cadastro feito por madeireiros com 500 nomes de posseiros dispostos a invadir a reserva. No ano anterior, uma professora e seu marido, um cacique, foram vítimas de um atentado a tiros por denunciar as constantes invasões ao território. A ascensão e a posse do presidente Jair Bolsonaro tornaram o problema mais grave.
Além de prometer durante a campanha que não demarcaria mais terras para indígenas e quilombolas, ele chegou a defender a revisão da demarcação de terras já homologadas e até reconhecidas em processo que tramitou no Supremo Tribunal Federal, como a Raposa Serra do Sol, em Roraima. Para juristas, a revisão é inconstitucional. Bolsonaro também tem defendido a exploração dos territórios indígenas, de “forma racional”.
As ameaças ao povo indígena no estado já chegaram ao Ministério Público Federal, que resolveu agir em defesa dos moradores da Uru Eu Wau Wau e dos Karipuna, no norte de Rondônia. Segundo o MPF, os invasores têm feito ameaças de morte aos Kapiruna, que temem pela segurança das famílias.
Os procuradores da República da Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais enviaram um ofício ao Ministério da Justiça pedindo a tomada de “medidas urgentes de proteção a comunidades indígenas que se encontram sob graves ameaças”. Além de Rondônia, eles citam o planejamento de dois ataques aos indígenas, em dois pontos bem distantes do país.
O primeiro deles, na região da terra indígena Xavante de Marãiwatsédé, em Mato Grosso. Pelo relato, há intenção de se retomar o território indígena, objeto de desintrusão – expulsão de invasores, entre eles políticos – durante o governo de Dilma Rousseff. O segundo ataque estaria sendo arquitetado contra os Guarani da Ponta do Arado, no bairro Belém Novo, em Porto Alegre. Na madrugada do dia 14, uma das tribos foi atacada a tiros e os indígenas ameaçados de morte, caso não deixassem a área até domingo (19).
A apreensão dos moradores da Terra Indígena Marãiwatsédé é maior por conta da eleição do deputado federal Nelson Barbudo (PSL), mesmo partido de Bolsonaro. Segundo a Funai, ele prometeu invadir a demarcação e devolver o espaço a agropecuaristas retirados da reserva, em 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministério Público Federal afirmou, em nota, que vai responsabilizar civil e criminalmente quem tentar invadir a área indígena.
Barbudo foi o deputado mais votado do estado e nega que esteja incentivando as invasões. Mas há vídeos em que ele ataca a demarcação de terras. Ele é apontado por líderes indígenas, entre eles Vanderlei Temireté Xavante, como um dos principais políticos que ameaçam a terra indígena: “Nosso direito à terra já foi reconhecido pela Justiça. Nossos ancestrais estavam aqui desde os anos 1920. Os brancos têm família, mas nós também temos”. Vanderlei aponta o ex-senador José Medeiros (Pode), segundo deputado federal mais votado, como autor de incitação ao ódio contra indígenas.
No Rio Grande do Sul, os Gurani Mbyá descreveram o ataque ao MPF, que instaurou um inquérito para apurar o crime. Segundo os relatos das vítimas, dois homens encapuzados saíram de uma barraca de vigilância instalada pela empresa de segurança da Arado Empreendimentos, que pretende construir um condomínio horizontal no local, e dispararam diversos tiros sobre os barracos dos indígenas, além de fazer ameaças de morte. Os indígenas entregaram ao MPF vários cartuchos de pistola 9mm e revólveres calibre 22, que estavam espalhados na área.
O MPF também pediu à Justiça Federal, em outro ofício, para obrigar o deslocamento imediato da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para as imediações da Terra Indígena Awa Guajá, no Maranhão, para evitar a invasão da área por não indígenas. A medida teve como base uma representação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que mostrou preocupação com a organização de antigos moradores da região, realocados da área em cumprimento à decisão judicial que determinou a desintrusão do território, desde 2014.
A Funai denunciou na última quinta-feira que fazendeiros e posseiros têm entrado na terra indígena para derrubar árvores e colocar gado para pastar na região. A PRF apreendeu 19 metros cúbicos de madeira ilegal na quarta-feira, em Santa Inês, e suspeita que a madeira tenha sido furtada da área indígena.
O aumento da ação de madeireiros também é a principal preocupação na Terra Indígena Arara, na região de Altamira, no Pará. No início deste mês, os caminhões que antes saiam apenas de madrugada com madeira furtada passaram a sair também durante o dia, sem qualquer preocupação em acobertar o crime. Na área que fica às margens da Transamazônica, os brancos começaram a fazer demarcações de lotes e inclusive a negociar essas unidades.
Para José Cleanton Curioso Ribeiro, missionário do Cimi, o problema é ainda mais grave. “Acho que o loteamento é ação de laranjas. Se pegar, pegou”, diz. O maior problema, segundo ele, é que os madeireiros já fizeram um monte de estradas clandestinas dentro da terra indígena e estão roubando as árvores. “Hoje, eles evitam fazer a extração de arrastão. Escolhem as madeiras que querem e retiram”.
Ribeiro conta que esse ataque é invisível quando visto de longe: “Quem faz vistoria de helicóptero ou por satélite não tem a noção do problema, porque as copas das árvores maiores escondem as estradas”. As invasões já vinham acontecendo nos últimos anos. Em 2017, uma serraria foi fechada dentro da reserva e 150 metros cúbicos de madeira apreendidos. No ano seguinte, indígenas de dez aldeias da região procuraram a Justiça Federal para cobrar a retirada de invasores das terras Apyterêua.
O território Yanomami, em Roraima, também está sofrendo com invasões. No caso, de garimpeiros. A situação também se agravou desde o fim do ano passado.
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Início de ano tem oito terras indígenas sob ataque - Instituto Humanitas Unisinos - IHU