16 Dezembro 2018
Quando os eleitores evangélicos aplaudiram o sucesso de Trump nos Estados Unidos ou o presidente eleito Jair Bolsonaro no Brasil, provavelmente a última coisa que passava em suas mentes é que eles poderiam estar criando problemas para evangélicos de outras partes do mundo.
A reportagem é de Tom Heneghan, publicada por Religion News Service, 14-12-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Para os evangélicos franceses, por exemplo, uma das primeiras coisas que passa pela cabeça são alguns inconvenientes para exercer sua fé, pois outros franceses instintivamente ligam a pequena, mas crescente presença evangélica no país com os grandes movimentos políticos no exterior dos quais eles não gostam.
Isso pode ter consequências práticas.
Políticos estritamente seculares podem propor controles mais rígidos sobre a religião em locais públicos. Funcionários do governo hostis podem recusar a permissão para alugar salões aos cultos, trancar verbas para o patrocínio de shows gospel ou impedir que se distribuam Bíblias em mercados.
Após relatos midiáticos compararem evangélicos na França com apoiadores de Trump e Bolsonaro na esteira da eleição brasileira no final de outubro, o chefe da Associação Nacional dos evangélicos se pronunciou:
"Só porque compartilhamos o mesmo rótulo cristão não significa que apoiamos Bolsonaro no Brasil ou Trump nos Estados Unidos", disse numa entrevista via vídeo Étienne Lhermenault, chefe do Conselho Nacional dos Evangélicos na França.
"Nos preocupamos quando vemos presidentes populistas atraírem votos de homens e mulheres que certamente acreditam em Deus, mas que aderem a soluções simplistas", disse ele.
Há cerca de meio milhão de evangélicos na França que é tradicionalmente católica, mas altamente secularizada. Os protestantes compõem cerca de 2% da população, embora, comunidades Luteranas e Reformadas mais tradicionais estagnam enquanto evangélicos - uma mistura de membros franceses, imigrantes africanos e outros -, ganham terreno.
Dois pastores evangélicos - um francês Batista e um Pentecostal imigrado do Congo -, disseram ao Religion News Service que sentem que a maioria dos franceses não os compreendem.
Isto vale especialmente para a mídia.
"As pessoas têm medo deste eco da mídia, por isso evitam dizer que são evangélicos e apenas dizem vagamente que são protestantes", disse Mathieu Sanders, pastor da Igreja Batista Evangélica do Centro de Paris no rico 7º arrondissement da cidade. Gabriel Oleko, cuja Igreja se localiza nas proximidades, no 15º arrondissement, disse que a hostilidade para com os evangélicos na França iniciou durante a Presidência de George W. Bush e foi amenizada quando Barack Obama ganhou as eleições para a Casa Branca.
"A hostilidade aumentou novamente quando a eleição de Trump se aproximava", disse Oleko. "Quando Bolsonaro foi eleito, foi como quando Trump venceu. Desde então, eles estão dizendo que os evangélicos estão tentando assumir o poder.”
Oleko, cuja congregação está associada com as Assembleias de Deus, culpou esta confusão numa ignorância generalizada sobre a religião na França. Desde que a história do país foi entrelaçada com o catolicismo, até os ateus hoje tomam por suposição que todas as religiões têm hierarquias rígidas e não conseguem entender a multiplicidade de Igrejas protestantes independentes.
Um artigo publicado no site da revista Slate francesa com a assinatura de Henri Tincq, um dos escritores sobre religião mais conhecidos da França, tocou num ponto sensível. O título era “The evangelical churches, allies of populism around the planet” (Igrejas Evangélicas, Aliados do Populismo ao Redor do Planeta, em tradução livre).
Quando se pesquisa sobre “evangélicos na França” no YouTube, no topo da lista aparece um vídeo intitulado "quem são os evangélicos?", que salienta o apoio deste grupo a Bolsonaro, Trump e líderes conservadores africanos.
Sanders disse que jornalistas franceses muitas vezes se referiam a "evangelistas" ao invés de "evangélicos". Ele suspeita que a palavra ‘evangelista’ soe mais sinistro.
"É como islamista, terrorista, etc", explicou. "Os cristãos na França, especialmente as minorias cristãs, sofrem danos colaterais do medo ao Islã."
Lhermenault chamou este tipo de reportagem de "uma simplificação ultrajante na apresentação de evangélicos" e insistiu que o "cristianismo evangélico não é um bloco único."
Ele adverte seus companheiros evangélicos sobre os perigos de se aproximar muito dos políticos. Também se preocupa com a divisão racial entre os evangélicos nos Estados Unidos, onde os evangélicos brancos estão entre os mais fortes apoiadores de Trump, mas os evangélicos negros são na maior parte críticos do Presidente.
"Já faz algum tempo que eu venho advertindo contra uma crescente tentação no mundo evangélico de pensar que devemos tentar alcançar a esfera política mais alta para resolver todos os nossos problemas", disse ele. "A Igreja deve permanecer autônoma do estado em que está, e não se tornar implicada a ele. Se isso acontecer, perderá sua essência.”
Oleko diz que está chocado ao ver o quanto alguns evangélicos americanos misturam Igreja e estado.
"Jesus não os misturou", disse ele ao RNS. "Ele disse para dar a Deus o que era de Deus e de César o que era de César."
A Igreja de Sanders atrai sobretudo fiéis nascidos na França, mas conta com imigrantes suficientes para ele dizer que tem "muita diversidade". Oleko chama sua congregação multiétnica e admite que tem que variar os estilos de adoração.
"Um africano pode querer formas mais vivas de adoração, enquanto um ocidental branco prefere calma e meditação", disse ele. "Você tem que misturar os dois elementos."
Ambos pastores disseram que tinham boas relações com os funcionários públicos locais no confortável oeste de Paris. Eles não encontram nenhum problema em evangelizar nos mercados ou na grande estação Montparnasse nas proximidades, contanto que eles tenham a permissão oficial que qualquer grupo precisa para realizar um evento em público.
Ambos admitiram que são cautelosos com esta parte de sua missão por medo de retaliação de seculares.
"A religião é uma questão tão delicada na França que as pessoas sentem que é uma agressão somente falar sobre isso", disse Sanders.
Sanders disse que o prefeito de uma das áreas mais pobres do leste de Paris se recusou a conhecer um colega dele, o que torna a obtenção da permissão para eventos em locais públicos muito difícil.
Imigrantes africanos que vivem nos subúrbios em torno de Paris se queixam que os oficiais locais não cooperam muito, rejeitando frequentemente a permissão para alugar um salão ou para construir uma igreja com o argumento de que os vizinhos se oporiam ao barulho.
As poucas autoridades locais ainda lideradas por comunistas nos subúrbios podem ser as piores, dizem, porque desde a administração de George W. Bush eles veem evangélicos como apoiadores fervorosos dos presidentes republicanos dos EUA, aos quais eles se opõem.
"Eu não sei o que prefiro", disse Sanders. "Cerca de 30 ou 40 anos atrás, quando eu estava crescendo, evangélicos eram tão desconhecidos que as pessoas não faziam ideia de quem eles eram. Agora nós somos vistos como alguém que eles conhecem, mas que consideram um pouco fundamentalistas.
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Evangélicos franceses enfrentam retaliação após o sucesso de Trump e Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU