27 Setembro 2018
"As coisas parecem mais sutis do que frequentemente se relata, e os possíveis desenrolares parecem ser mais diversos do que o esperado. O acordo sugere que a questão da liberdade religiosa na China não está tão desamparada como sugere a mídia ocidental", escreve Michel Chambon, professor de antropologia na Faculdade de Hanover, cuja pesquisa foca na realidade vivida pela cristandade na China contemporânea, em artigo publicado por La Croix International, 25-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Após anos de rumor e especulação, a Santa Sé e a República Popular da China finalmente anunciaram um “acordo provisório”, no dia 22 de setembro. No entanto, isso não foi uma surpresa total.
A revista America - Jesuit Review publicou um artigo bem detalhado alguns dias antes do novo trato. No artigo, Gerald O’Connel explicou que um acordo estava encaminhado para a nomeação de bispos na China e para alguns outros aspectos, como a reintegração de bispos excomungados.
O ponto principal é a seleção e indicação de novos bispos na China.
Por meio desse acordo, o governo chinês reconhece o direito do papa de participar na decisão final. Uma vez que um candidato for eleito a nível local, as autoridades nacionais chinesas informarão à Santa Sé. E então, o papa terá tempo para considerar se aprovará ou não o candidato.
Porém, apesar do anúncio do fim de semana, quem acompanhou o caso ficou surpreso com o fato de que o texto exato do acordo provisório não foi divulgado. De acordo com os envolvidos na negociação, o documento tem de permanecer como algo em construção, que será adaptado e revisado durante os anos que estão por vir.
Claramente, as duas partes do negócio parecem estar prontas para tornar as discussões atuais e as decisões recentes públicas. Mesmo assim, parecem querer se movimentar de forma lenta e com calma.
Não obstante, muitos formadores de opinião criticaram e alertaram sobre essa nova etapa nas relações chino-vaticanas. Os comentários de dentro e de fora da Igreja estão se multiplicando.
Há aqueles que estão convictos da natureza irremediavelmente maligna do Partido Comunista Chinês, assim como há aqueles que têm dúvidas sobre a liderança do Papa Francisco e veem esse acordo como mais uma prova de suas próprias integridades.
Mesmo assim, essas controvérsias não devem nos permitir esquecer dos aspectos mais chamativos desse novo desenrolar.
Em primeiro lugar, essa é a primeira vez na história que a República Popular da China oficialmente garantiu a uma “força estrangeira” o direito de participar de questões religiosas nacionais. Se isso será implementado no futuro ou não, o fato é que tal declaração pública permanece sendo completamente nova e surpreendente.
No contexto de um crescente nacionalismo onde as autoridades chinesas constantemente definem a religião como algo de importância nacional, o acordo com a Santa Sé oferece um contraste curioso com os discursos do momento.
Parece que o Partido Comunista Chinês está pronto para deixar de lado algumas narrativas históricas limitadas onde as forças coloniais e as religiões são apresentadas como um único empreendimento.
Oficialmente, embora precisaremos de mais tempo para ver o quão concreto isso virá a ser, a China está abrindo espaço para agentes estrangeiros em suas políticas sobre questões religiosas.
Para compreender a significância e a especificidade desse acordo provisório, devemos lembrar que o Dalai Lama não se agrada de coisas similares. De fato, não existe outra entidade religiosa com privilégios similares na China nos dias de hoje.
Tudo é para estar, supostamente, sob o controle do Partido. Devemos prestar atenção em como os budistas tibetanos e outras “minorias” religiosas reagirão a esse novo desenvolvimento católico no futuro próximo.
Em segundo lugar, os espectadores devem entender que o acordo foi feito pelo Departamento de Questões Estrangeiras da China, e não pelo departamento de questões religiosas da Frente Unida. A Frente Unida sequer foi mencionada e nós imaginamos o porquê.
A essa altura, é impossível explicar completamente esse silêncio nas políticas religiosas chinesas e prever o seu significado. Mesmo assim, a presença notável do Departamento de Questões Estrangeiras da China surpreende bastante por se tratar de um acordo que é apresentado como pastoral e não político.
É provável que o acordo provisório seja principalmente sobre os bispos católicos chineses. Assim sendo, a China parece pronta para mostrar os aspectos abrangentes e internacionais por parte de sua liderança.
Nesse ponto, o diálogo entre a China e Santa Sé, agora público, sugere que as políticas religiosas da República Popular da China não são tão rígidas e opressivas como muitos pensavam que era.
As coisas parecem mais sutis do que frequentemente se relata, e os possíveis desenrolares parecem ser mais diversos do que o esperado. O acordo sugere que a questão da liberdade religiosa na China não está tão desamparada como sugere a mídia ocidental.
Por fim, não devemos reduzir esse acordo às políticas internacionais. As poucas decisões feitas por meio do acordo já prometem uma série de consequências. Por exemplo, muitas dioceses chinesas não possuem bispos, mesmo que tenham tido um candidato bastante consensual para apresentar durante anos.
De fato, as comunidades locais adiaram a regularização desses candidatos visando evitar a presença problemática de bispos excomungados durante essas ordenações. A difícil situação agora está resolvida e deveremos ver, nos próximos anos, muitas ordenações episcopais.
Similarmente, o fato de que o acordo veio junto da criação de uma nova diocese sugere que a Santa Sé e a China estão prontos para regularizar o mapeamento das dioceses chinesas. Desde os anos 50, muitos mapeamentos alternativos e interesses sobrepostos têm prejudicado a Igreja na China. Caso fosse permitida uma racionalização dos territórios das dioceses, certamente beneficiaria o cuidado pastoral da Igreja.
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O que há de novo na relação entre a China e o Vaticano? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU