18 Julho 2018
Na contramão do amplo sentimento de repúdio à classe política tradicional, o cientista político Bruno Pinheiro Wanderley Reis defende que partidos fortes são fundamentais para a longevidade de uma democracia.
Em artigo recente, “Um réquiem para os partidos”, o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) expõe suas preocupações a respeito do declínio, talvez irreversível, da identificação do eleitorado com as legendas em todo o mundo.
A entrevista é de Marco Rodrigo Almeida, publicada por Folha de S. Paulo, 18-07-2018.
Para ele, um dos problemas da democracia brasileira é termos siglas fracas demais.
O declínio dos partidos é um caminho sem volta?
Eu receio que realmente estejamos migrando para um quadro tecnológico que torne toda aquela estrutura meio obsoleta. Toda aquela ideia de militância, diretórios, reuniões.
A democracia pode se tornar mais efetiva nesse quadro de partidos enfraquecidos?
Creio que não. Espero, na verdade, mais instabilidade política. Se o quadro partidário é fluido, e os alinhamentos não são muito dados, as opções estão todas abertas. Seja ganhar a próxima eleição, seja tentar derrubar alguém.
Quando há mais estabilidade partidária, você cria identidades e polarizações mais ou menos estáveis. Há uma elite política comprometida com a manutenção do status quo, o que favorece a estabilidade do regime.
A ironia é que, na visão popular, essa elite política tornou-se o grande alvo a ser abatido, no Brasil e no mundo.
Sim, as pessoas desconfiam dos partidos no mundo inteiro. Essas instâncias burocráticas ficaram pesadas. E com as redes sociais nos habituamos a um certo ativismo social meio imediato. Para que vou ficar enfiado anos a fio em reuniões de diretório e executiva?
Essas manifestações mais fluidas ocasionalmente alcançam seus objetivos, jogam 1 milhão de pessoas numa praça para protestar contra os políticos.
Mas assim como se constituem do nada, evaporam também. Um bom exemplo disso é Junho de 2013.
Retomando o ditado popular: ruim com os partidos, pior sem eles?
Exatamente. É ruim com eles, é fácil ver como tudo isso está aquém de uma idealização da política, mas é preciso tomar cuidado com a ideia de que tudo irá melhorar sem eles. Não, eu acho que ficará pior.
Partidos fortes significam um processo decisório na cúpula fortemente conectado com a sociedade, com muito mais capilaridades.
Critica-se muito, aqui e lá fora, a hegemonia dos mesmos partidos, mas o senhor diz que um dos problemas de nossa democracia é ter partidos fracos.
Ao contrário do que dizem, nossos partidos são fracos. Tudo bem que PT e PSDB são mais fortes do que parecem. Não é trivial essa sequência de seis eleições seguidas para a Presidência polarizadas por eles.
Mas, nas eleições de 2014, 28 partidos elegeram representantes para a Câmara. Precisamos de tudo isso?
Por que PT e PSDB não têm perto de 50% da Câmara cada um deles, restando espaço para mais outros cinco ou seis partidos?
Houve relativa decantação nas identidades em torno de PT e PSDB, e o sintoma é a eleição presidencial, mas o sistema eleitoral joga contra a produção de bancadas grandes no Congresso.
Precisamos fortalecer nossos partidos. Hoje os maiores têm menos de 15% no plenário [PT tem cerca de 12% da Câmara; PSDB e PMDB, quase 10% cada um].
Seria melhor para o país se PSDB e PT fossem mais fortes no Congresso?
Seria, sem dúvida nenhuma. Isso não ocorre por causa da interação do sistema proporcional de lista aberta [em que as cadeiras obtidas pelo partido ou coligação são atribuídas aos candidatos mais votados] com nosso modelo de financiamento de campanha. Cada estado tem dezenas de cadeiras no Congresso, então temos milhares de candidatos tentando o voto de milhões de eleitores
O partido vai em busca de candidatos que puxam votos, e não necessariamente do candidato em que ele confia. Isso não favorece a identificação nem do ponto de vista do eleitor nem do ponto de vista do representante.
Com a lista fechada [modelo no qual os partidos apresentam uma lista de candidatos previamente ordenada e o eleitor vota apenas no partido, e não em candidato], o partido sai da convenção com a chapa. Isso tornaria a campanha ao Congresso mais partidária, pois as legendas terão que articular alguma plataforma coletiva.
E qual o papel do financiamento nesse cenário?
É nosso outro calcanhar de Aquiles, a regra de financiamento. A oferta de dinheiro é extremamente concentrada no Brasil, pois o teto que incide sobre o doador é proporcional à renda.
Isso mata o jogo. Se cada pessoa física só pode dar 10% do que ganha, para quem o candidato típico vai pedir dinheiro? Para gente rica.
Então temos no Brasil milhares de candidatos disputando meia dúzia de financiadores. Esses financiadores compram, no atacado, influência sobre o sistema decisório inteiro.
Então você aperta play por 30 anos e temos uma elite política que bajula as poucas fontes de renda.
O resultado dedutível disso é a Lava Jato. Mas demos um tiro no pé quando aplicamos um remédio judicial a um problema regulatório.
O combate à corrupção aprofundou nossa crise democrática?
Claro que há corrupção, mas forçamos a mão quando o STF admite no julgamento do senador Valdir Raupp (MDB-RO) que doação legal de campanha pode ser prova de crime de corrupção, pode ser propina.
Se você desestabiliza o ambiente político em nome do combate à corrupção, você deteriora as condições do combate à corrupção.
Publiquei até um artigo chamado “Lava Jato é o Plano Cruzado do combate à corrupção”. Tem essa coisa, oba oba, euforia, vamos prender gente.
Naquela época, tínhamos um problema regulatório sério, uma dinâmica econômica ruim, inflacionária. E aí você prende quem está remarcando preço. É o Plano Cruzado.
Agora é a mesma coisa. Temos um ambiente regulatório ruim para financiamento das campanhas e prendemos quem está operando conforme a música. Não é assim.
Se você desestabiliza o ambiente político em nome do combate à corrupção, você deteriora as condições do combate à corrupção.
Precisamos mudar nossas regras. Não podemos deixar, seja Odebrecht, seja João Doria, doar sem limite. Teto para doação deveria ser nominal.
Olhando em retrospeto, muitos dizem que os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Lula (PT) foram a época de ouro da democracia brasileira.
Eu ando brincando que num certo sentido voltamos ao normal do Brasil, à instabilidade. A cautela que peço às pessoas quando estão muito irritadas é que a vida, de forma geral, melhorou para os pobres e até para quem não era tão pobre no período FHC e Lula.
Então por que há hoje essa percepção de que tudo deu errado?
Primeiro porque veio a crise econômica. Eu brinco que partidos de esquerda não podem se dar ao luxo de ter uma crise econômica. Eles precisam zelar com muito capricho disso.
Lula fez isso, foi um ótimo presidente, mas Dilma Rousseff foi uma péssima presidente. A trombada entre o mercado viciado de financiamento de campanha e os órgãos de controle estava contratada, mas não se sabia quando ia ocorrer. Dilma propiciou a ocasião com um governo inepto.
E talvez o lastro político do período FHC e Lula não fosse tão sólido quanto parecia. Meus colegas falavam que estava tudo ótimo, maravilhoso, que tudo daria certo. Eu já dizia, temos um problema com financiamento de campanha, isso em 2006, 2007.
E quais são os caminhos para fortalecer nossos partidos?
Eu apoio neste momento qualquer coisa que reconcentre a demanda, implantando a lista fechada, e que desconcentre o dinheiro, com um teto de doação nominal. Ninguém poderia doar, sei lá, mais que R$ 50 mil.
Temos de nos orientar para votar em partidos. Se tivéssemos feito isso nos últimos 24 anos, teríamos um sistema muito mais forte agora.
Então não se trata de dizer se PT e PSDB são ruins ou são bons em si mesmos. Eles articulam de fato os polos em que passam os principais conflitos políticos da sociedade. Então devem ser fortes, pois isso vai facilitar o processamento desses conflitos no país.
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Seria melhor para o país se PSDB e PT fossem mais fortes, diz cientista político - Instituto Humanitas Unisinos - IHU