10 Julho 2018
O teólogo italiano Andrea Grillo responde à interpretação imobilista do papado de Francisco proposta por Marco Marzano em seu livro La Chiesa immobile. Francesco e la rivoluzione mancata [A Igreja imóvel. Francisco e a revolução perdida, em tradução livre].
O artigo foi publicado em Settimana News, 06-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois de ter resenhado o seu livro e de ter lido as suas réplicas em Settimana News, gostaria brevemente de refutar uma série de afirmações do amigo Marzano, que é sociólogo e, como sociólogo, tem todo o direito de dizer a sua palavra sobre a Igreja e sobre Francisco, mas deve levar em consideração que toda simplificação perde em precisão e acaba sendo genérica, quando não injusta.
O juízo sobre a Igreja e sobre Francisco, em outras palavras, deve levar em conta muitas variáveis maiores do que as que Marzano considerou.
Dou um exemplo: é totalmente legítimo para analisar as sinfonias de Beethoven tanto como “antecipações” do que será Wagner, quanto como decadência do que foi Mozart... mas, para entender Beethoven, todas essas “reduções” correm o risco de interpretá-lo mal.
Assim, a primeira coisa que acho curiosa é que Marzano queira falar de Igreja e de Francisco abstraindo-se totalmente do sentido teológico da primeira quanto da segunda, ou, melhor, fazendo passar esse significado teológico como uma “ideologia”, da qual ele estaria livre.
A pretensão de dizer a verdade sobre Francisco, prescindindo da teologia, assemelha-se muito à pretensão de dizer algo sobre as sinfonias de Beethoven renunciando a todo ouvido musical...
Em defesa de Marzano, deve-se dizer que a teologia católica, até o início do século XX, podia ser construída totalmente sem qualquer relação com as “estruturas sociais”: ela pressupunha a si mesma simplesmente como a societas perfecta. Esse longo posicionamento se encerrou com o Concílio Vaticano II: a partir de então, devemos ouvir também o sociólogo, o antropólogo, o psicólogo, para compreender os pressupostos da vida eclesial.
Mas isso não descarta que a experiência em jogo nunca se reduz a simples luta pelo poder, mesmo que tal luta entre direitos e deveres seja um horizonte incontornável para anunciar o primado do dom e dar-lhe forma visível.
Mas passemos aos pontos qualificadores do discurso “defensivo” de Marzano:
a) Marzano pretende dizer “o todo” da Igreja, excluindo dela a dimensão sagrada, mistérica, transcendente. Ora, aqui as coisas são muito delicadas. A Igreja não se esgota na sua visibilidade: todo cristão sabe essa verdade e faz dela, mesmo nas diversas confissões, uma questão decisiva. Marzano, em vez disso, pretende simplificar o discurso clássico e milenar sobre a Igreja com uma “redução do sagrado ao social”, que é apenas uma grande invenção de E. Durkheim.
Eu não acredito na Igreja de Durkheim, mas sim na de Jesus Cristo, embora considere que aprendo muitas coisas importantes com os textos dos sociólogos. Contanto que eles sejam sociólogos e não pretendam fazer juízos sobre o plano sistemático, eclesiológico e cristológico, sobre os quais não têm competência.
E pediria também que eles pudessem conceber um mundo e uma Igreja um pouco mais complexos do que suas simplificações estruturais. Falar de graça, de Espírito Santo, de ressurreição não é “ser ideológico”, mas sim dar voz à estrutura complexa da existência dos homens diante de Deus.
b) Marzano contesta a minha acusação de “contraditoriedade”: por um lado, ele faria uma crítica “de esquerda”, mas depois acabaria compartilhando as convicções “de direita”.
Na verdade, parece-me que aqui Marzano revela uma representação inadequada em geral da Igreja e, em particular, do Papa Francisco. O espião dessa dificuldade me parece ser o modo com que ele coloca em tensão “realidade” e “representação”: Francisco seria conservador na realidade e revolucionário na representação.
Gostaria de dizer a Marzano que o bispo de Roma é papa não apenas no plano da realidade, mas também no da representação. Sua função, na economia correta da comunhão eclesial católica, oscila precisamente entre esses dois níveis.
A tradição sabe muito bem que existem representações que estruturam a realidade. Muitas vezes eu insisti em dizer que Francisco, como primeiro papa “filho do Concílio Vaticano II”, sabe muito bem que “mudar de linguagem” é a primeira grande reforma de que a Igreja precisa. E, nesse plano, Francisco foi precisamente o profeta de uma Igreja que deve “traduzir a tradição”.
Se tudo isso for reduzido a “quantité negligeable”, isso significa não compreender o longo esforço eclesial que chegou até aqui, ao longo de nada menos do que dois séculos.
Francisco é, em grande fidelidade ao Vaticano II, uma mudança de paradigma e uma revolução cultural à altura do Concílio de Niceia. Nada menos do que isso. Bem diferente de um “papa imóvel”.
c) A singular coincidência entre Marzano e os exegetas católicos do imobilismo de Francisco (como Buttiglione ou Borghesi) deveria nos fazer refletir. Se um sociólogo que quer ser absolutamente secular acaba compartilhando a leitura de Francisco com autores do “centrismo católico mais tuciorista” – e se junta ao coro daqueles que, embora com intenções opostas, estão preocupados em dizer: “Fiquem tranquilos, tudo está como antes” – isso demonstra que, nele, como neles, não é difícil encontrar um defeito de análise teológica da complexidade em jogo.
A Igreja não coincide com o seu modelo oitocentista e burguês. Isso incomoda tanto aqueles que gostariam de combater um inimigo parado e com a guarda abaixada, quanto aqueles que gostariam de manter uma Igreja tridentina, com uma pequena envernizada moderna. Francisco, em relação a eles, fala de outro modo e fala de outras coisas. Os problemas deles não são os problemas dele.
d) O início de processos de reforma, que Francisco soube determinar, sempre pode descontentar. A família se move, mas o ministério ainda está parado; a Cúria Romana se move, mas a relação com a periferia é mais verbalizada do que implementada; os leigos adquirem mais peso, mas as mulheres ainda são marginais. Claro, tudo isso é verdade, mas um processo é iniciado, e uma linguagem é inaugurada, no seu nível de mais autoridade. Ou, melhor, é reiniciado.
E talvez seja aqui, nesse reinício, que Marzano me parece menos convincente. Ele parece preocupado demais em achatar Francisco sobre seus antecessores, para poder reconhecer realmente que o “dispositivo-Ratzinger” – operante há 30 anos – foi desarmado por Francisco. Não totalmente, não sem algumas hesitações. Mas aqui algo de novo voltou a funcionar apenas com e graças a Francisco: a autoridade eclesial se pôs novamente à escuta e, assim, voltou a ter autoridade, a capaz de mudar.
Essa não é uma “mudança de imagem”, como Marzano parece considerar redutivamente, mas é uma “mudança de paradigma” teológica e eclesial. Eu sei muito bem que Marzano, assim como o cardeal Müller, acredita que, na Igreja, não pode haver qualquer mudança de paradigma. Mas esse é um problema da sua teologia velha e afetada pela grave amnésia histórica, e não da teologia do Concílio Vaticano II.
No fundo, no livro de Marzano, expressa-se uma teologia velha demais e ainda mais influente sobre o texto, por ser em grande parte não tematizada e inconsciente. Dessa teologia apologética e decadente, Francisco parece estar surpreendentemente livre.
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Revolução perdida? As reformas e o Espírito. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU