14 Mai 2018
A decisão dos bispos alemães vê um episcopado usar aquela “certa autoridade doutrinal” que a Evangelii gaudium reconheceu às Conferências Episcopais, marcando uma virada histórica. É um ato da reforma do papado: quando os bispos se lamentarem de alguma coisa – pense-se na escassez quantitativa e qualitativa do clero – o papa poderá dizer que nem todo problema tem uma solução “universal”.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigoi publicado por La Repubblica, 13-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Angela Merkel recebeu em Assis a “lâmpada da paz” e lembrou “a fragilidade da paz” em si mesma. A filha do pastor evangélico Horst Kasner (este é o sobrenome original da chanceler), que recentemente encerrou as comemorações dos 500 anos da Reforma luterana, fez um discurso muito político sobre aquele “projeto de paz sem igual” que é a Europa.
Isso também afeta as Igrejas cristãs que a escutavam nesse sábado. As Igrejas, de fato, podem se reduzir a produtoras de apelos, distribuidoras de moral a jato ou ronronar sobre as pantufas do poder em nome das boas obras que conseguem inventar. Ou podem assumir até o fim a responsabilidade pela paz de um continente onde as pulsões que geraram as guerras religiosas, as guerras mundiais e a Shoá nunca parecem ficar em silêncio.
Dilema que, de certo modo, parecia a marca d’água de um dossiê que foi examinado nestes dias em Roma – talvez o mais delicado e complexo que chegou até a mesa do Papa Francisco – a partir do qual saíram três conclusões epocais. O dossiê nascia a partir de uma decisão da Conferência Episcopal Alemã. Ela elaborou linhas-guia e fixou as condições pelas quais o cônjuge protestante – por exemplo, a família Kohl – pode fazer a comunhão na missa católica. Até hoje, o direito canônico permitia exceções tratadas como “casos graves”, e a prática descarregava sobre os fiéis o modo de contornar a disciplina, enquanto confiava aos párocos e pastores a gestão da questão.
Há poucas semanas, os bispos alemães (entre os quais há teólogos importantes e que têm ao seu redor importantes teólogos) estabeleceram que o cônjuge evangélico ou reformado, que tenha a consciência da “fé da Igreja Católica”, possa receber a eucaristia.
Uma decisão epocal porque diz que as Igrejas não podem se contentar com bons modos entre os líderes religiosos, mas devem buscar uma unidade “visível” que toque a vida vivida pelo povo de Deus.
Uma decisão ainda mais capital, porque, pela primeira vez, um episcopado usa aquela “certa autoridade doutrinal” que a Evangelii gaudium reconheceu às Conferências Episcopais, marcando uma virada histórica (basta fazer a comparação com a proibição imposta por Roma aos bispos estadunidenses de fazer diretrizes contra os padres pedófilos e bispos cúmplices no início dos anos 1990). É um ato da reforma do papado: quando os bispos se lamentarem de alguma coisa – pense-se na escassez quantitativa e qualitativa do clero – o papa poderá dizer que nem todo problema tem uma solução “universal”.
Mas há uma terceira dimensão não menos decisiva. Após a decisão da Conferência Episcopal Alemã, alguns bispos que permaneceram em minoria “recorreram” perante o ex-Santo Ofício. A aposta era que a Congregação para a Doutrina da Fé, conduzida agora por um teólogo de grande densidade como Dom Ladaria, reivindicaria para si a matéria ou a arbitragem. Em vez disso, a sentença do ex-Santo Ofício foi: “Busquem um consenso possivelmente unânime entre vocês”.
Às vésperas da visita a Roma do Patriarca Ecumênico Bartolomeu, nas proximidades do encontro com o Patriarca de Moscou, que poderia chegar a Bari em breve, nos dias que antecederam a presença de Angela Merkel na casa daqueles frades sobre os quais Lutero derramava uma ironia incandescente, o papa de Roma mostra que a Igreja só pode ter peso no decurso da história quando se deixa levar pelo jugo suave do Evangelho.
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Francisco e o dilema alemão. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU