23 Março 2018
“Francisco, ao aceitar a renúncia de Viganò, pode fazer um balanço das duas verticalizações que ele impusera à Cúria romana. A verticalização da Secretaria para a Economia, em que o cardeal Pell, com sua pressa surreal, criou mais problemas do que aqueles que resolveu, foi desmantelada. A verticalização do setor de comunicação, que tivera muitos consensos, está acéfala a partir de hoje. E o papa, mais isolado.”
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
O artigo foi publicado por La Repubblica, 22-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Mons. Dario Viganò renunciou como prefeito da Secretaria para a Comunicação, da qual dependem toda a imprensa, todos os meios de comunicação e todas as mídias sociais da Santa Sé. Ele era bombardeado há dias pelos difamadores do Papa Francisco: aqueles que Bento XVI havia catalogado entre os “tolos” em uma carta enviada justamente a Viganò e que, revelada em pedaços, o desestabilizou.
Viganò havia pedido a Bento XVI que escrevesse um prefácio para uma coleção sobre a teologia do Papa Francisco. Não era um pedido insensato. Ratzinger tinha escrito, há um ano, um prefácio ao livro do cardeal Robert Sarah, prefeito da Cúria que se inclinou contra Francisco em matéria litúrgica.
Depois, assinou o prefácio ao volume em honra ao cardeal Gerhard Ludwig Müller: defensor da discordância com Francisco. Naquelas páginas, havia teses conhecidas de Ratzinger: mas elas eram delicadas, porque queriam demonstrar que Bento XVI ainda tem algum direito de governar. Tanto que governa um pouco dando cobertura àqueles dos quais se sente próximo.
Pedir a Bento XVI que dedicasse um prefácio não aos inimigos, mas aos amigos de Bergoglio deve ter parecido uma boa ideia: mas, quando a carta foi aberta, pareceu claro que tinha sido um erro. Na carta de Bento XVI, de fato, havia uma chicotada contra os “tolos” detratores de Francisco: mas, mesmo no registro do afeto, parecia que o papa emérito dava um voto (bom, felizmente...) ao papa reinante. E fazia a interrogação sobre o que teria acontecido se a votação tivesse sido ruim.
A carta, depois, tinha duas partes mais delicadas, que, em princípio, foram silenciadas. Uma, irrelevante, em que Bento XVI dizia que não tinha lido os volumes. A outra contestava a Viganò a decisão de ter posto na coleção o artigo “Homens segundo Cristo hoje”, de Peter Hünermann, teólogo de Tübingen, com o qual Ratzinger se engajou em disputas que nunca esqueceu.
O papa emérito recorda a Viganò que a Hünermann se deve a “Declaração de Colônia”, com a qual, há 30 anos, um grupo de proeminentes teólogos alemães demolia a “política doutrinal” de Ratzinger: que ele tinha usado a categoria do magistério “definitivo” para se pronunciar sobre temas sensíveis e contornar os limites muito estreitos que o Concílio Vaticano I colocou ao magistério “infalível” (que o papado moderno usou uma única vez).
É uma questão muito sutil que aflora da memória gentil e vingativa de um professor à moda antiga? Absolutamente não. As “dubia”, o catolicismo pró-Trump, o catopopulismo, a contestação à abordagem-Bergoglio à moral, o duelo com Mamon, a China, a Rússia – tudo diz exatamente isto: o evangelho pode enriquecer as estruturas doutrinais de uma tradição viva ou a doutrina, para ser tal, deve ser juiz do evangelho?
Trinta anos atrás, a resposta da teologia alemã e dos grandes teólogos eclesiásticos, como Karl Lehmann e Walter Kasper, impediu a Ratzinger unilateralismos perigosos. Depois de 30 anos, Bento sugeria a um prefeito da Cúria como Viganò que aquela teologia, ou pelo menos Hünermann, fosse punida com o silêncio. Algo que, dito por um teólogo, é uma opinião; dita pelo papa emérito, é um ato de governo.
Questão muito delicada, potencialmente subversiva. Rasgar aquela missiva – que Ratzinger não digitou sozinho – era impossível. Expô-la teria sido um gesto arrogante. Perguntar ao papa, um ato celerado. Viganò, então, decidiu estender um véu: talvez sabendo que, em pouco tempo, o texto viria à tona.
Em todo o caso, a partir da emergência do texto inteiro, ele foi desestabilizado. Embora tenha protegido Bento XVI das consequências de um gesto que podia manchar o modo impecável de ser papa emérito do próprio Ratzinger. Embora tenha evitado a Francisco a onerosa obrigação de ter que removê-lo.
Francisco, ao aceitar a renúncia de Viganò, pode fazer um balanço das duas verticalizações que ele impusera à Cúria romana. A verticalização da Secretaria para a Economia, em que o cardeal Pell, com sua pressa surreal, criou mais problemas do que aqueles que resolveu, foi desmantelada. A verticalização do setor de comunicação, que tivera muitos consensos, está acéfala a partir de hoje. E o papa, mais isolado.
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O isolamento do Papa Francisco. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU