A rebelião educada. Entrevista com Josep Maria Esquirol

Foto: Alisdare Hickson /Flickr

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01 Mai 2018

É uma rebelião educada, silenciosa, tenaz. Uma revolta que vem de Barcelona, mas não se dirige contra o Real Madrid. Pode ser confundida com o individualismo, mas é exatamente o oposto. Ela se baseia na fraternidade, mas não se reconhece em uma fé religiosa. No máximo, inspira-se em Theodor Adorno, Blaise Pascal, Walter Benjamin, especialmente Emmanuel Lévinas e Jan Patocka. É a oposição polida e erudita a um imenso e evasivo opressor que o filósofo catalão Josep Maria Esquirol resume no termo actualidad. Tem a ver com a hegemonia de um mundo onde a tecnologia, levada ao excesso, se torna alienante. Onde tudo envelhece rapidamente. Onde a sociedade, escrava da ansiedade bulímica de se exibir e de competir, perdeu o sentido da vida e acumula doses maciças de frustração.

A reportagem é de Elisabetta Rosaspina, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 29-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No livro La resistenza intima [A resistência íntima] (Ed. Vita e Pensiero), Esquirol adverte: “Não existe resistência sem modéstia ou generosidade. Por isso, a presunção e o egoísmo são sintomas da sua ausência. Narciso não é um resistente”.

Esquirol, pessoalmente, foge há muito tempo dos salões e dos debates da televisão, as cobiçadas tertúlias espanholas, e acompanha as indicações de Novalis: “Filosofia é a nostalgia de estar em casa”. Mesmo evitando os talk-shows e os cenáculos, o filósofo catalão já é um ponto de referência: seu livro (que em breve terá uma sequência) foi lançado na Espanha pela editora Acantilado em 2015, difundiu-se de boca em boca, até mesmo entre o público não especializado e rendeu-lhe o prestigiado Prêmio Nacional de Ensaística, conferido pelo Ministério da Cultura espanhol.

Esquirol em breve estará na Itália: antes do encontro no Bergamo Festival Fare la Pace, estará em Milão no dia 10 de maio na Livraria Vita e Pensiero para apresentar seu livro.

Eis a entrevista.

Professor Esquirol, pode-se dizer que este livro fala sobre as fraquezas humanas: a ansiedade do sucesso, o protagonismo...

A ideia geral desse ensaio é que o ser humano sempre se encontra em situações em que forças desagregadoras estão agindo. São muitos os elementos desagregadores que afetam a nossa sociedade: sim, é claro, o sucesso é um deles. Assim como a competição, o consumismo. Portanto, torna-se um gesto humano fundamental tentar nos proteger, cuidar de nós mesmos, defender-nos contra todo tipo de desgaste, de entropia. Trata-se de resistir diante de tudo o que nos desagrega.

E eis o antídoto, a “filosofia da proximidade”: um convite à recuperação da simplicidade cotidiana, à redescoberta da solidão. Portanto, à autonomia do indivíduo?

Não, absolutamente não. Não é uma forma de individualismo. Ao contrário. Proximidade e próximo tem a mesma raiz, certo? Proximidade indica vizinhança, amizade, camaradagem, afeto. É precisamente o oposto do individualismo, do isolamento. Distingamos entre isolamento e solidão: o primeiro é típico de uma sociedade consumista e massificada, formada por indivíduos cada vez mais isolados. Enquanto a segunda é propedêutica à boa companhia: quem está bem consigo mesmo também consegue estabelecer boas relações com os outros.

Mas quando você fala de retorno ao lar, ao calor da vida doméstica, não corre o risco de automaticamente excluir os sem família, os solteiros, cada vez mais numerosos?

Atenção, não estou defendendo a família, mas sim as relações interpessoais significativas. Entre as várias formas de vínculos desse tipo, certamente está também a família. Mas não só. Não estou colocando a família tradicional como modelo.

O conceito de resistência pressupõe um adversário ao qual é preciso se opor. Quem é o inimigo?

Resistência, para mim, tem dois significados: um, diante daquilo que corrói; dois, diante daquilo que domina, utilizando, neste caso, a definição política do termo, mas se referindo ao aspecto antropológico.

Em palavras mais simples?

Resista ao domínio da homogeneidade. Isso naturalmente leva a se situar às margens da sociedade, mas não significa desertar, mas sim cuidar de uma forma de vida alternativa à dominante.

Tudo bem, mas como, na prática?

Na prática? A resposta é a mesma que se poderia dar a perguntas tipo: como se cuida dos próprios alunos? Como se faz amigos? As relações são sempre fecundas. Eu vejo isso no meu âmbito profissional: gerações de estudantes foram influenciados por esse modo de proceder, e criou-se uma rede de resistência que já envolve alunos dos meus ex-alunos. Não foi um discurso abstrato: são graduados que agora trabalham nos hospitais, nas prisões...

Nas universidades...

Exato. A universidade é um bom exemplo. A tendência dominante é a de tratar os alunos como se fossem clientes. Se eu disser que a universidade é a comunidade dos mestres e dos discípulos em busca da verdade, isso pode parecer antiquado, não é verdade? Mas, mesmo apenas se conectando com os próprios alunos, cria-se uma riqueza e uma força incríveis. Resistência é conectar-se com os outros.

Isso talvez já seja mais evidente no mundo acadêmico: e no das pessoas comuns? Como uma vendedora ou um pedreiro “resistem”?

Há profissões que facilitam isso, é claro. Mas é possível encontrar pessoas igualmente amáveis e atentas, mesmo onde o vínculo se baseia apenas em uma troca comercial. Basta manifestar gratidão, generosidade, gentileza ao próximo. Interessar-se, falar sobre algo que vá além da razão puramente técnica ou comercial da interação. Não são necessários atos heroicos. O mundo vive de gestos de reconhecimento cotidiano e de cortesia, sem os quais se tornaria um planeta inóspito. Não que também não encontremos pessoas egoístas, competitivas e distraídas, mas há também aquelas que nos desejam um bom dia. Sem elas, o mundo não seria suportável.

E é isso que você mostraria a um anjo caído do céu, caso o encontrasse, como escreve no seu “elogio da cotidianidade”?

Sim, imagino que, tendo que mostrar algo de nós a uma criatura angelical que não conhece a Terra, tentaríamos impressioná-la com histórias, lugares extraordinários ou monumentos maravilhosos. Em vez disso, não há nada que poderia surpreendê-la mais do que as pequenas coisas que compõem a nossa existência cotidiana e que nos parecem banais. Oxalá fôssemos capazes de observá-las, de vez em quando, com os olhos de um anjo que as descobre pela primeira vez!

Nós também acharíamos uma cabana mais acolhedora do que um castelo? É isso que você quer dizer quando escreve que um alojamento modesto é mais casa do que um palácio enorme?

O substantivo “casa” em si não é importante. Em espanhol, o verbo “casar” significa reunir, completar, coordenar, combinar elementos que criam um espaço quente. A parte fundamental não diz respeito à estrutura arquitetônica. Quero dizer que nós, seres humanos, sempre vivemos nas intempéries, mas temos um lar. Quando doentes, um hospital. Temos uma proteção. Uma pequena casa em um vilarejo é mais acolhedora do que um castelo solitário no topo de uma montanha.

Vivemos muito de aparências?

Sim, há uma enorme vontade de aparecer. A exposição excessiva tira espaço do recolhimento. Um filósofo alemão do século XX, Walter Benjamin, dizia que a transparência é inimiga do mistério. Com a internet e as redes sociais, os jovens se comunicam mais, e isso está bem, mas um excesso é contraproducente, porque nos impede de cuidar de nós mesmos. Leva a se perder.

A formação católica afeta as suas convicções filosóficas?

Somos todos filhos de Atenas e Jerusalém (risos), mas meu discurso não está subordinado a nenhum tipo de credo: ao contrário, é antropológico, trata da condição humana. Alguma referência, sim, existe, mas é normal. A Bíblia faz parte da nossa cultura.

Por exemplo, quando você afirma que a morte é um retorno para casa, não se refere à do Pai?

Não. Ao contrário, no próximo livro vou criticar a ideia da busca do paraíso perdido. Isso nos faz mais mal do que bem.

E quando evoca a importância de “estar juntos à mesa”, de compartilhar pão, palavras e gestos, não se refere à Eucaristia?

O que importa para mim é a fraternidade. Que ninguém se coloque acima do outro, mas ao seu lado. Que as pessoas troquem olhares laterais, e não de cima para baixo. Estamos todos no mesmo nível.

Isso também vale para as relações entre Madri e Barcelona?

Eu não sei como vai acabar para a Catalunha. Mas espero que se possa encontrar uma sintonia e que se chegue ao diálogo. Mas em pé de igualdade, reconhecendo o próprio interlocutor. Se um lado se sente superior ao outro, não há solução possível.

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