Por: Jonas Jorge da Silva | 10 Abril 2018
Com um olhar atento às transformações no mundo do trabalho, a pesquisadora Ludmila Costhek Abílio, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, desmistifica o que vem sendo chamado de modernização nas relações de trabalho, discurso que aparece na boca daqueles que defendem a reforma trabalhista, por exemplo. Pesquisadora atenta ao modo como vivem milhares de brasileiros, acostumados a lutar de diferentes formas para sobreviver, enxerga na reforma trabalhista e no que vem analisando como a uberização do trabalho a continuidade e atualização do que historicamente sempre marcou o mercado de trabalho brasileiro: informalidade, precarização, instabilidade, rotatividade, etc., ou seja, relações de trabalho nada novas.
Abílio foi a convidada do CEPAT para a abertura do ciclo de debates Cenários para o Brasil contemporâneo, no último sábado, 7 de abril, para discorrer sobre o tema: O mundo do trabalho em um contexto de uberização. A atividade conta com a parceria do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Cáritas - Regional Paraná, Comunidades de Vida Cristã (CVX) - Regional Sul e Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
O IHU dispõe de importantes contribuições de Ludmila Abílio a respeito da temática abordada. Em entrevista ao IHU, em dezembro de 2017, Abílio definiu o processo de uberização do mercado de trabalho da seguinte forma:
“A uberização se refere a um processo que tomou grande visibilidade com a entrada da empresa Uber no mercado e seus milhões de motoristas cadastrados pelo mundo (sabemos que no Brasil já são ao menos 500 mil). Mas, em realidade, trata-se de um processo que vai para muito além do Uber e da economia digital, que é novo, mas é também uma atualização que conferiu visibilidade a características estruturais do mercado de trabalho brasileiro, assim como a processos que estão em jogo no mundo do trabalho há décadas (e que agora, no caso brasileiro, culminam na reforma trabalhista)”. Sendo assim, “a uberização é um novo passo tanto nas terceirizações quanto na redução do trabalhador à pura força de trabalho, disponível, desprotegida, utilizada na exata medida das demandas do mercado”.
É constitutivo do neoliberalismo os processos de precarização no mundo trabalho e no caso brasileiro há que se ter em mente que ao menos 50% dos trabalhadores e trabalhadoras sobrevivem na informalidade. Diante desse quadro, para Ludmila Abílio é assustador perceber que a reforma trabalhista tenha passado com pouquíssima resistência. Ao que parece, a grande maioria ainda ignora o impacto dessa reforma na vida de todos os trabalhadores. A reforma trabalhista vai ao encontro do que alguns já têm chamado de capitalismo de plataforma, o que tem sedimentado cada vez mais um paradigma que fragiliza intensamente a luta pelos direitos dos trabalhadores.
O neoliberalismo, a partir de um discurso de gestão econômica e modernização, considera os direitos do trabalho custos a ser suprimidos para que o capital não seja obstruído e atue sem limites. Nesse sentido, o conceito de uberização traz à tona uma forma de gerenciamento do trabalho que se casa muito bem com aquilo que sempre foi constitutivo do mercado de trabalho brasileiro: a chamada “viração”. Para Abílio, ainda citando a entrevista que concedeu, “grande parte da população trabalhadora brasileira é feita de um trânsito entre formal e informal, em arranjos cotidianos que envolvem empreendimentos familiares, trajetórias profissionais instáveis que são traçadas pelas oportunidades que envolvem participar de um programa social, acionar a rede de oportunidades que a igreja oferece, lidar com o trabalho no tráfico de drogas, ser várias coisas ao mesmo tempo”.
“A uberização em realidade quer dizer a formação de uma multidão de trabalhadores autônomos que deixam de ser empregados, que se autogerenciam, que arcam com os custos e riscos de sua profissão. E que, ao mesmo tempo, se mantêm subordinados, que têm seu trabalho utilizado na exata medida das necessidades do capital. São nanoempreendedores de si, subordinados e gerenciados por meios e formas mais difíceis de reconhecer e mapear, por empresas já difíceis de localizar - ainda que estas atuem cada vez mais de forma monopolística”, amplia a pesquisadora.
Com esta configuração, Ludmila Abílio chama a atenção para “uma nova forma de organização, de controle e gerenciamento do trabalho, a qual conta com o par autogerenciamento/eliminação de vínculos empregatícios e regulações públicas do trabalho”.
Desse modo, no modelo Uber, a empresa se apresenta como uma mediadora entre o trabalhador e o cliente, terceirizando todos os elementos possíveis considerados custos do trabalho, inclusive deixando para a multidão de consumidores o trabalho de avaliar e, automaticamente, controlar a qualidade do serviço prestado. É uma forma de controle do trabalho que já não passa mais pela regulação pública, mas, sim, pela relação de confiança da multidão de consumidores.
O que se assiste atualmente é uma intensificação das formas de exploração do trabalho humano, extensão do tempo de trabalho e a transferência dos riscos e custos para os trabalhadores, em um cenário de aceleradas mudanças e de difícil leitura. Na conjuntura atual, em que tal processo de uberização é global, cabe aos que procuram resistir à exploração capitalista do trabalho reler a trajetória de milhares de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, com foco no que está em jogo no século atual. Aos que olharem atentamente, perceberão que, infelizmente, o atual processo de uberização no mundo do trabalho apenas amplia o que no Brasil já é realidade para uma multidão que, desde sempre, aprendeu a viver na precarização e na insegurança, tendo que fazer malabarismos para sobreviver.
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O mundo do trabalho em um contexto de uberização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU