26 Março 2018
Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, o fracasso do governo Dilma Rousseff deixou o País vacinado contra “recaídas populistas” e, por isso, reformas, como a da Previdência, são inevitáveis. Segundo ele, é urgente a revisão de gastos obrigatórios do governo, que está virando mero gestor de folha de pagamentos. A solução para o problema fiscal só virá com mudanças no pacto federativo que deem mais autonomia a Estados e municípios para tributar e que reduzam o governo central, afirmou.
A entrevista é de Renata Agostini e Alexandre Calais, publicada por O Estado de S. Paulo, 25-03-2018.
Giannetti criticou Jair Bolsonaro (PSL), a quem credita um passado de “intervencionismo truculento”, e disse que Marina Silva (Rede) precisa de um vice com experiência gerencial caso queira que seu projeto se torne realidade. Ele disse que não terá papel ativo na campanha da ex-senadora como em 2014, quando foi coordenador do programa econômico.
O sr. integrará novamente o time de Marina Silva na eleição?
Tentarei ajudá-la. Mas não quero assumir compromisso de estar na linha de frente. Não me sinto bem nessa situação. Desejo contribuir com a melhoria da vida dos brasileiros e considero a candidatura de Marina Silva a melhor opção, mas não tenho perfil executivo.
O sr. já falou que Marina tem de definir se é líder de um movimento ou candidata ao Executivo. O que gostaria de ver?
Para ser candidata ao Executivo, precisa ter propostas claras, que não vão agradar. É um privilégio para qualquer país ter uma liderança política com as qualidades que Marina tem. Mas não vejo nela definição clara como postulante ao cargo. Ela precisaria de, no mínimo, um vice-presidente com excelentes qualificações e experiência gerencial para que esse projeto possa ser realidade.
Qual o principal problema do País hoje no campo econômico?
O Brasil tem carga tributária de 33%, muito acima do padrão de um país de renda média, e não atende às necessidades mais elementares da vida civilizada. Metade dos municípios não tem coleta de esgoto, indicadores de saúde e educação estão defasados, nossa segurança pública é uma calamidade. O Bolsa Família, principal programa de transferência de renda, representa 0,5% do PIB. É a migalha que cai da mesa. Gastamos 9% do PIB em saúde e temos indicadores muito abaixo do razoável. O Banco Mundial mostrou que poderíamos gastar 30% menos para ter desempenho igual. Em educação, gastamos 6% do PIB. Países como Colômbia gastam menos e têm o mesmo resultado no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Gastamos muito mal.
O que está por trás disso?
Há um problema de pacto federativo mal resolvido, gerado pela Constituição de 1988. Se tudo tivesse ido bem, o crescimento dos gastos nos Estados e municípios acompanharia a redução dos gastos do governo central. Mas os três níveis cresceram ao mesmo tempo. A sociedade passou a carregar dois Estados superpostos, no que chamo de federalismo truncado. A solução do problema fiscal brasileiro passa por corajosa mudança no desenho do pacto federativo. Menos Brasília e mais Brasil. Diminuir o governo central e dar a Estados e municípios mais autoridade para tributar. O dinheiro público deve ser gasto o mais perto possível de onde é arrecadado.
Como isso ajudaria? Estados estão falidos e pedindo socorro.
Temos de construir o mínimo de cidadania tributária. Há 5.570 municípios e 90% deles praticamente não arrecadam e vivem de mesada constitucional. O cidadão desse município não tem noção de quanto paga, para onde vai o dinheiro. As questões relevantes para o cidadão se dão onde ele mora. Precisamos é de governo local.
O que fazer com temas mais imediatos, de desajuste fiscal?
A reforma da Previdência é inescapável. Temos oito pessoas em idade de trabalho para cada pessoa acima de 65 anos. Em 2060, serão 2,3 para 1. Se seguir assim, em breve estaremos gastando todo o Orçamento do governo em benefício previdenciário. O déficit da Previdência de 4 milhões de inativos e pensionistas da União, Estados e municípios é maior que o de 29 milhões do INSS. É um sistema de castas previdenciário. Tem de ter governo legítimo, recém-eleito, para enfrentar essas corporações que defendem privilégios adquiridos. Não dá para estar num País em que 92% do Orçamento do governo federal são gastos obrigatórios. Os governos no Brasil estão virando gestores de folha de pagamento.
Como o sr. vê a proposta de uma ampla privatização?
Vejo com bons olhos, mas não para cobrir rombo fiscal de curto prazo. Uma das coisas que o economista aprende na vida é não confundir estoque e fluxo. Não se vende a prata da família para jantar fora – essa é a mensagem.
No campo econômico, vemos candidatos com agendas muito parecidas. O que isso significa?
Acho que alguns têm confiabilidade muito baixa, à luz do seu passado. Refiro-me a Jair Bolsonaro (PSL), cujo passado é de intervencionismo truculento, uma visão nacionalista e contrária a tudo que acredita Paulo Guedes (coordenador do programa de Bolsonaro). Seria um caminho de aventura. Lembrei-me de frase que ouvi na Inglaterra: ‘economistas podem ser mais ingênuos sobre política do que políticos podem ser sobre economia’. Se aplica bem ao Paulo Guedes.
Ele não sabe onde se meteu?
Acho que não tem a menor ideia – o que é uma interpretação caridosa para ele. É muito pior se ele souber onde está se metendo.
Vender-se como liberal ajuda politicamente hoje?
O Brasil passou por uma experiência muito sofrida de neopopulismo no governo Dilma, com coisas como maquiagem das contas públicas para esconder déficit. Estamos, no curto prazo, vacinados. A não ser que prefiramos voltar ao ‘princípio da contraindução’, do Mário Henrique Simonsen, pelo qual a experiência que deu errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo.
Mas há apelo no populismo...
Espero que tenha havido algum aprendizado após a fraude eleitoral de 2014, quando a candidata que se elegeu mentiu deliberadamente sobre o estado da economia brasileira. A Lava Jato mudou profundamente a percepção do grande eleitor sobre o que se passa na nossa democracia e no nosso Estado. Ela é o mais importante acontecimento da vida pública brasileira dos últimos anos, ao lado da redemocratização, dos anos 80, e da estabilização da moeda, dos anos 90. Escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro, a relação incestuosa entre público e privado que nos acompanha desde o nascimento como nação, mas que se exacerbou nos últimos anos.
Qual é a reforma essencial?
Temos de repensar o presidencialismo de coalização e a reforma política é essencial. É inoperante ter 28 partidos no Congresso. O ciclo é claro: o executivo recém-eleito tem capital político que lhe permite, no início do mandato, algumas iniciativas mais ousadas. Assim que o capital político se deprecia, o executivo passa a ser chantageado pelo fisiologismo dos partidos parasitários do Congresso. E termina rendido, refém das exigências. Uso a biologia política: enquanto o hospedeiro está forte, o parasita se mantém sereno. Quando sente a fraqueza – e ela vem – ele começa a sugar. O MDB não fez outra coisa desde o início da redemocratização senão esse jogo. A diferença é que o parasita virou hospedeiro.
Apareceram propostas de se desvalorizar o câmbio para induzir o crescimento. Como avalia?
Não adianta achar que o País vai crescer a golpe de mágica cambial ou monetária. Temos enorme capacidade de geração de riqueza e de empreendedorismo que está soterrada pela absoluta falta de oportunidades de desenvolvimento – falta de saúde, educação e ambiência – para que possa florescer. Ainda estamos no antigo regime. O patronato político age como se a sociedade existisse para servi-lo. Pergunto-me se o Brasil conseguirá virar o jogo sem passar por alguma revolução, como foi a americana e a francesa. Espero que façamos dentro da democracia. Mas a tolerância da sociedade está chegando ao limite.
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'O governo virou gestor de folha de pagamento', diz economista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU