01 Março 2018
Após 46 anos, o general Antonio Hamilton Mourão passou à reserva do Exército nesta quarta-feira como um símbolo de que o alto escalão do poder no Brasil tolera militares que não só resistem a reconhecer os crimes de ditadura que se encerrou em 1985 como se mostram dispostos a flertar publicamente com a ideia de que os quartéis devem intervir na vida política do país.
A reportagem é de Flávia Marreiro, publicada por El País, 01-03-2018.
Nos últimos dois anos, Mourão vinha criticando o poder político, algo inusual para alguém da ativa desde a redemocratização. Em setembro passado defendeu publicamente uma intervenção militar e, em dezembro, disse que o Governo Michel Temer só estava de pé porque mantinha "um balcão de negócios". Esse histórico recente não impediu Mourão de se despedir da carreira no prestigioso cargo de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército, responsável pelo orçamento da força. Fez ainda seu último discurso como general em uma concorrida cerimônia no Salão de Honras do Comando Militar do Exército, em Brasília, no qual decidiu nada menos do que chamar de "herói" o coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015). Ustra foi chefe de um importante centro da repressão durante a ditadura militar e reconhecido como torturador pela Justiça brasileira e pelo relatório oficial da Comissão Nacional da Verdade, de 2014.
Enquanto a imprensa repercutia o que Mourão, agora na reserva, falava a respeito de seu planos políticos - entre eles o de subir, se necessário, no palanque do presidenciável de extrema direita Jair Bolsonaro -, o general reformado era elogiado pelo atual comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Em sua conta de Twitter, seguida por 82.000 pessoas, Villas Bôas disse ter sentido "emoção genuína" na despedida. "Todos te agradecemos amigo Mourão os exemplos de camaradagem, disciplina intelectual e liderança pelo exemplo", escreveu o numero 1 do Exército.
Não foi a única sintonia entre o general que fica e o que deixa o quartel. Mourão, em conversa com os jornalistas, disse que a atual intervenção federal em curso no Rio de Janeiro, com a área de segurança sob comando de um general desde meados de fevereiro, é "meia sola". "O general Braga Netto (interventor no Rio) não tem poder político, é um cachorro acuado e não vai conseguir resolver dessa forma", disse Mourão.
O general Villas Bôas usou palavras mais suaves, mas tampouco escondeu o seu desconforto com o atual status legal da inédita intervenção, ainda na fase de planejamento embora tenha sido anunciada há 12 dias. Segundo a Folha de S. Paulo, o general, que deve em poucas semanas passar o comando do Exército a um sucessor, afirmou ser "fundamental" que os militares possam atirar em quem se desloque armado no Rio de Janeiro. O general disse que esse debate está em curso.
A chamada mudança na "regra de engajamento" vem sendo ventilada há dias pelo general da reserva Augusto Heleno, ex-comandante de tropas brasileiras e internacionais no programa chancelado pela ONU de estabilização do Haiti, onde ela foi aplicada. A alteração preocupa especialistas em direitos humanos que veem nela uma espécie de "carta branca" que abriria porta para violações. Especialistas em segurança pública também veem com apreensão a regra, já em vigor, que permite que militares que matarem alguém durante a operação sejam julgados pela Justiça Militar, e não pela civil.
Responsável pelo momento de maior protagonismo das Forças Armadas na vida política desde 1985 que inquieta militantes anti-ditadura, o presidente Michel Temer, defendeu seu movimento. "Por muito tempo as Forças Armadas se recolheram, até demasiadamente no meu modo de ver. Elas só são chamadas quando eu as convoco. Não há um desejo sequer das Forças Armadas em assumir o poder", disse em entrevista à Jovem Pan.
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Comandante do Exército diz que general que elogiou torturador “lidera pelo exemplo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU