20 Dezembro 2017
Após a publicação da reportagem 'Suicídio levanta questões sobre saúde mental na pós', no final de outubro, a Folha recebeu 272 depoimentos de alunos de pós-graduação de todo o país, dos quais uma parcela está reproduzida abaixo. Eles permitem traçar um retrato das principais agruras e dificuldades enfrentadas por estudantes de mestrado e doutorado no Brasil –e das consequências em sua saúde mental.
A reportagem é de Fernando Tadeu Moraes, publicada por Folha de S. Paulo, 18-12-2017.
Vistos em conjunto, os relatos chamam a atenção, em primeiro lugar, pelo fato de terem sido escritos por estudantes dos mais diversos cursos, instituições e regiões do país.
A maioria dos depoimentos, como seria de esperar, provém de discentes de grandes universidades públicas, como USP, Unicamp, Unesp, e as federais do Rio e de Minas Gerais, que concentram a maior parte dos estudantes de pós-graduação.
Não são poucos, porém, aqueles redigidos por alunos de instituições de menor porte, como a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ou particulares, como a PUC-PR e a Universidade Metodista de SP.
Os relatos vieram ainda das cinco regiões do país e de estudantes de toda a sorte de áreas e carreiras: de letras a matemática, de biologia a engenharia.
Na intersecção da maioria das dificuldades descritas pelos estudantes – pressão exagerada, carga de trabalho frequentemente excessiva, solidão, assédio moral, entre ''outras – encontra-se a figura do orientador, o professor responsável por ajudá-los a realizar a tese e prepará-los para a pesquisa acadêmica.
Ele não apenas possui um papel central na formação intelectual do estudante como, pela maneira como a pós-graduação é organizada no país, detém poder considerável sobre a sua rotina.
Assim, a maneira como se desenvolve o relacionamento entre mestre e discípulo acaba sendo determinante para o sucesso ou o fracasso deste durante o mestrado ou o doutorado. Não raro, como atestam os relatos, orientadores se mostram despreparados para lidar com os alunos e exercer o papel esperado na formação deles.
Parte desse problema talvez advenha da falta de regras claras acerca do que separa cobranças normais de exigências descabidas.
Diante disso, e dada a importância dessa relação, uma das providências possíveis de serem tomadas por universidades e institutos de pesquisa que abrigam alunos de pós é preparar seus docentes para lidar com os orientandos. Também poderia ser estabelecido alguma espécie de código de conduta que esclarecesse aos orientadores o limite a partir do qual suas atitudes se tornam humilhações, maus-tratos e abusos.
Outro fator que colabora para esse quadro, embora seja costumeiramente negligenciado, é o ambiente estressante onde habitam os professores universitários. Em alguma medida, essa carga acaba se transferindo para os alunos.
Docentes, em seu dia a dia, precisam lidar com prazos apertados, obter financiamentos para seus projetos de pesquisa, dar aulas, orientar alunos, corrigir provas e teses, preparar relatórios para agências de fomento, além de sofrerem pressão para produzir artigos de alto impacto.
Além das pressões e dificuldades próprias da pós-graduação, os estudantes precisam ainda lidar com a estigmatização dos transtornos mentais dentro do ambiente acadêmico, onde ansiedade, depressão e pânico são frequentemente associados à fraqueza, incapacidade e despreparo. Tal estigmatização -que não difere da maneira como tais enfermidades são vistas na sociedade- debilita ainda mais o aluno que já passa por dificuldades, e pode, ao ser introjetada, desestimulá-lo a buscar a ajuda necessária nos serviços de saúde.
Também nessa linha educativa, ações simples, como campanhas ou grupos de discussão, podem compor uma estratégia no combate ao preconceito que ronda a questão.
Diversos estudantes contam, em seus depoimentos, a situação de precariedade econômica em que vivem devido ao valor das bolsas de estudo pagas pelo governo federal. De fato, R$ 1.500 (para o mestrado) e R$ 2.200 (para o doutorado) –montantes que não são reajustados desde 2013– não constituem valores atrativos nem suficientes para exercer uma função altamente especializada e que, em grande parte dos casos, demanda dedicação exclusiva.
De outro lado, a Capes, ligada ao MEC e maior financiadora do país, paga 90 mil bolsas a mestrandos e doutorandos. Se numa época de grave restrição econômica já é difícil manter esse número estável, é pouco provável que esse valor aumente de maneira significativa.
Nesse cenário surge uma discussão sobre qual seria o modelo de financiamento mais adequado para esse sistema, debate que vem acompanhado da discussão de que tipo de pós-graduação o país deseja ter. É melhor investir em mais bolsas, ainda que pagando somas menores, ou deve-se buscar um valor maior para elas, quiçá competitivo com o que é pago pela iniciativa privada, mas numa quantidade reduzida?
Essas são apenas algumas das questões trazidas à luz pelos depoimentos enviados por pós-graduandos.
Não se deve, por certo, generalizar para todos os alunos de mestrado e doutorado os dramas expostos nesses relatos; tampouco se deve menosprezá-los, como se refletissem apenas situações isoladas ou queixas de alunos problemáticos.
Tais problemas resultam da maneira como o sistema de pós-graduação é organizado no país e, portanto, precisam ser enfrentados por todos os atores que o constituem.
Afinal, o aluno que tem a sua saúde mental afetada, embora seja o mais prejudicado, também gera custos para toda a cadeia: o grupo de pesquisa ao qual pertence, o programa de pós ao qual está vinculado, a universidade em que estuda e a agência de fomento que financia a sua bolsa.
A sensação de ser uma impostora é diária em um meio onde há pressão o tempo todo, de todas as formas possíveis. No mês que antecedeu minha defesa [conclusão do curso], chorei todos os dias. Esquecia de comer, me sentia culpada ao sair com os amigos no fim de semana, pois deveria estar terminando minha dissertação, mesmo que estivesse esgotada.
Além disso, minha orientadora sumia por meses. Faltando algumas semanas, para a defesa, ela viajou para o exterior. Escrevi tudo sozinha, sem direcionamento, até a sua volta, quando precisei virar noites para terminar a tempo. Acordei diversas vezes sem querer acordar. Levantar da cama e encarar o dia era um desafio que eu não conseguia enfrentar sem derramar lágrimas.
Fiz terapia durante quase todo o processo, mas precisei parar no final, pois a minha bolsa terminou; o programa de pós nunca ofereceu auxílio psicológico.
O mestrado significou longos meses de tortura e sofrimento. Minha orientadora me tratava com pouco caso, atribuindo o fracasso a mim mesmo quando não tinha a ver comigo.
Ela era sempre impositiva, me mantinha sempre sob sujeição e nunca me deu sequer um elogio; só fui elogiado no dia da defesa. Como morava numa república, longe de casa e não tinha com quem conversar, foram várias as situações que, mesmo sabendo que não cometeria suicídio, pensava "até que não seria má ideia". Foram os dois anos mais trágicos da minha vida.
No meu mestrado, tive síndrome do pânico e achei que não ia conseguir terminar.
Com apoio psicológico da universidade consegui concluir, apesar do péssimo relacionamento com minha orientadora, que me cobrava muito e não entendia que estava doente.
Cinco anos depois da defesa a minha tese continua jogada na estante e não consigo sequer olhar para ela. Entrei no doutorado, mas acabei desistindo. Hoje estou bem com essa escolha, pois o meio acadêmico não é para pessoas sensíveis.
Nunca consegui terminar o doutorado. Estava prestes a qualificar [exame crucial que precede a defesa da tese] quando o meu orientador simplesmente me agarrou no laboratório.
Denunciei o assédio, mas nunca deu em nada. Eu fui a quinta aluna atacada por ele. Nunca houve punição por parte do programa de pós ou da universidade.
Tive que trocar de orientador, e então, para me atrapalhar, ele me excluiu do sistema antes que eu pudesse concluir a transferência. Tive que recomeçar tudo do zero: disciplinas, projeto, experimentos. Eu não me conformava de ter sido a vítima e também a pessoa que estava sendo punida.
Todo mundo sabia da história, mas ninguém fez nada. Ele andava solto falando que eu era "a menininha não sabia ser cantada sem ficar bravinha". Tentei por mais um ano, até que perdeu o sentido. Eu não aguentava mais.
No doutorado, minha pesquisa parecia travada. Nada dava certo, faltava orientação adequada. Eu estava tentando produzir algo muito novo e meu orientador não conseguia ajudar. Tive que desenvolver uma nova metodologia, o que deu muito trabalho.
Gastei quase três anos do meu doutorado nessa etapa, algo que não era para ser nem 25% da minha tese.
Estava, obviamente, muito atrasado. Em vez de receber algum mérito pelo desenvolvimento do método praticamente sem ajuda de colaboradores, fui muito criticado por estar atrasado e acabei sendo reprovado na minha qualificação.
Existe uma segunda chance de se qualificar, mas uma nova reprovação te desliga da pós. Nesse ponto comecei a dar sinais de depressão. Não conseguia dormir porque ficava pensando muito nisso. Passava noites em claro.
Comecei a ter fortes crises de ansiedade. Meu peito doía sem parar, meu coração acelerava loucamente. Fui parar no hospital universitário duas vezes achando que estava tendo um infarto.
Fizeram exames, mas nada foi constatado. O médico perguntou todo o meu histórico. No fim, só restou um diagnóstico: crise de ansiedade. O tratamento parece ser simples: parar de se preocupar. Só parece, porque obviamente não é.
Logo que entrei senti que seria mais complicado do que imaginei. Meu orientador não orientava, ele desorientava todos os seus alunos. Para completar, o (des)orientador passou em um concurso em outra universidade e foi embora.
Aí ele me abandonou de vez. Quando vinha ao laboratório, os orientandos que estavam mais próximos de defender ou de qualificar tinham prioridade e nunca sobrava tempo pra me atender. Meus e-mails raramente eram respondidos. Pedi para ter uma co-orientadora e fui informada de que "não havia necessidade". Entrei no mestrado com 64 quilos, saí com 84. Ganhei 20 quilos em dois anos.
Descontava minha ansiedade, minhas frustrações, minha raiva e minha tristeza na comida. Quando comia, tinha o meu único momento de prazer.
Meu orientador cobrava presença diária nas atividades do laboratório, mas nunca me orientou. Fiz tudo sozinha. Além do professor não orientar, o ambiente era extremamente hostil.
Minha defesa de projeto, no meio do curso, foi traumática. Meus familiares não aguentaram assistir a tanta humilhação. Eu mesma não aguentei e chorei o tempo todo.
Na minha defesa final não foi diferente: humilhação em cima de humilhação. Para não me despedaçar eu foquei no diploma do mestrado que eu estava prestes a receber.
Tive uma orientadora autoritária, "workaholic", estressada e que gostava de humilhar seus alunos. Abandonei o projeto, para o qual tinha bolsa de estudos, e fui em busca de um orientador mais justo.
Concluí o mestrado com esse orientador e atualmente faço doutorado. As coisas estão um pouco melhores, mas atualmente sofremos com o corte de verbas. Conheço muitas outros alunos que foram humilhados e passaram por situações difíceis; é algo comum. No fundo, é um ciclo. Os orientadores, quando alunos, passaram pelas mesmas coisas e replicam isso, achando normal.
Eu deveria seguir uma carga horária de quatro a seis horas diárias, de acordo com o regulamento da bolsa. Mas não há fiscalização e ninguém sabe o que se passa dentro de um laboratório.
Quem manda é o orientador, que não se apossa apenas do seu trabalho, mas também da sua vida pessoal a depender de seu temperamento.
Tem dias que passo 12h na universidade, mais precisamente num laboratório que não deve ter mais que cinco metros quadrados.
E não é porque tenho muito trabalho a fazer, mas por capricho do chefe. Não me permitiram sequer arrumar um emprego à noite para somar a uma ultrapassada bolsa de R$ 1.500.
Quanto ao meu projeto, meu orientador faz questão de me lembrar com esses termos: "Você está fodida".
É triste quando o que você ama se volta contra você. Finalizei o mestrado há dois anos e não consigo abrir a minha dissertação.
Minha ex-orientadora se tornou um pesadelo, ainda ando nas ruas conferindo todas as placas dos carros do mesmo modelo que ela tinha.
Ela sempre trabalhou com o esquema de hierarquia, em que ela, que estava no topo, podia fazer tudo, e nós deveríamos aceitar calados.
Com relação à dissertação, lembro que ela me cobrou com três meses de antecedência, e eu perguntava a ela sobre as correções até que um dia ela me disse que a única pessoa que havia olhado a minha dissertação foi a filha dela de dois anos e me mostrou vários desenhos que a criança havia feito.
Ao entrar no mestrado sofri com as cobranças exageradas; fiquei doente, precisei de ajuda de psicólogo e neurologista, tive crises de ansiedade, não conseguia dormir. Pensava em suicídio, sim.
No doutorado tentamos retirar a medicação, pois parecia que havia me adaptando à rotina. Não deu certo. Em um mês, a ansiedade e a insônia tinham voltado.
É como se você tivesse que ser mil e uma utilidades, os orientadores exigem que o pós-graduando realize, além da sua pesquisa, outras demandas do laboratório, dê aulas em seu lugar... a jornada chega a doze horas diárias. Além disso, temos de produzir artigos e escrever inúmeros relatórios para as agências de fomento.
Dentro do laboratório nem sempre as coisas funcionam bem. Às vezes o experimento dá certo, e mil outras vezes, não. Era duro escutar que talvez eu não tivesse capacidade suficiente para fazer o básico, quando muitas vezes o erro era do acaso...
Sim, as coisas podem dar errado, mas dentro da ciência o erro era sempre meu, e também dos meus colegas, mas nunca dos orientadores.
O aluno de pós não é um trabalhador: não há salário, há bolsa; não há férias; não há função específica; é uma espécie de escravidão.
Que pós-graduando nunca entrou no laboratório às 7h e saiu às 23h? Qual nunca ficou até o dia 24/12 no laboratório? Qual nunca teve que repetir o mesmo experimento 200 vezes só para mostrar ao orientador que a hipótese dele estava errada?
Tudo isso machuca muito. Quantos professores não abrem a boca só para ferir o aluno? Poucos são aqueles que protegem e ensinam.
O medo e a vergonha de ser rotulado de fraco, de louco, de exagerado são maiores do que a vontade de gritar. Como ser indiferente a jornadas cansativas, professores semideuses, orientadores abusivos?
Nunca me senti tratado como gente enquanto estive na pós, pois colocar família, saúde ou lazer, mesmo que poucas vezes, à frente das atividades acadêmicas é visto como crime. Não foram poucos os amigos que desistiram. Pior ainda, outros permaneceram, vivendo a base de remédio para dar conta.
Eu já acordei assustada depois de sonhar com meu orientador me questionando por estar dormindo. Isso quando eu conseguia dormir. Tive que me encher de ansiolíticos e antidepressivos para dar conta de continuar viva.
No último semestre do mestrado, os remédios perderam o efeito. Eu não dormia, não descansava, não conseguia escrever a dissertação. Com ajuda médica consegui defender. No doutorado tudo piorou, pois a relação com meu orientador foi se desgastando e eu tomei aversão ao trabalho e ao laboratório.
Minha depressão piorou muito e eu desenvolvi síndrome do pânico e fobia social. Cheguei ao fundo do poço e o suicídio passou a ser encarado como uma alternativa na minha vida.
Estou no meu primeiro ano de mestrado e tenho passado por muitas dificuldades. A pós-graduação já me causou muita perturbação, começando pelo ambiente de trabalho, onde as pessoas fazem você se sentir absolutamente um nada.
Além disso, o orientador te pressiona, te desmerece, quer te humilhar, muitas vezes por coisas pequenas.
A pior coisa do mundo é ter de fingir que tudo isso é normal, pois, caso contrário, vou ser tachada de fraca, imatura, burra, aquela que não aguenta. Está sendo a pior coisa do mundo.
Eu gostava muito da ideia de fazer o mestrado, mas depois que entrei eu sinto que foi uma das piores escolhas da minha vida. Já pensei em me matar e sumir. Estou fazendo acompanhamento com psiquiatra e psicólogo.
Na instituição onde estudo, depressão é vista como frescura, ou desculpa do aluno que não quer entregar um trabalho digno.
Enquanto estive no Brasil, sofri com depressão e crises de pânico. Foi só na Suécia, onde fui fazer o período sanduíche do doutorado, que eu me senti pela primeira vez respeitada como pessoa dentro do ambiente acadêmico. Lá, cada aluno tem ao menos uma cadeira e mesa individual.
Aqui, nós sentamos no meio do laboratório junto com as bactérias que cultivamos, ou próximo a reagentes cancerígenos. O salário dos meus colegas na Suécia é similar ao de um emprego regular.
Também há pressão por lá, mas o orientador é responsável para com os alunos. Não se espera que o doutorando desempenhe algo se não forem dados recursos e condições adequadas para isso. Os colegas são cooperativos, não competitivos. Existe um ambiente de ganha-ganha.
Estou no meu segundo ano de doutorado e já fiz planos de suicídio mais de uma vez. O meu departamento ameaça quem não produz com cortes de bolsa e devolução das que já recebeu e outras coisas.
As exigências aumentam, mas as condições para cumprir o que eles pedem não melhoram. Minha orientadora (uma santa) sugeriu que eu procurasse um psiquiatra depois de perceber que eu não estava bem. Meus colegas, por estarem disputando materiais comigo, me tratam mal.
As fofocas e bullying são algo assustador, e atingem todos aqueles que mostram fragilidade. Quem fica deprimido, é covarde, alguém que não deveria ter entrado no programa.
As meninas que querem se casar ou ter filhos são ameaçadas de perder a bolsa por "não prestigiarem suas carreiras".
No mestrado, eu tinha alucinações. Trabalhava de segunda a segunda. Mal dormia e comia. Quase perdi parte do pulmão por um descolamento da pleura num incidente de bicicleta que causei porque queria morrer.
Tive um sério problema de melancolia durante o mestrado. Não cheguei a ir a um médico, mas o choro antes de dormir denunciava meu estado. Cheguei a travar diante da sala de aula, devido à pressão que sentia. Estudávamos de 12 a 14 horas por dia. Resenhávamos 500 páginas por semana.
Os professores riam das nossas caras quando tentávamos apresentar novas ideias e interpretações. A bolsa não pagava nem o aluguel. O terrorismo acadêmico é verdadeiro.
Até agora, escrevendo esse texto, sinto meu sangue ferver de raiva e ódio pelo que me fizeram passar. Ainda bem que fui consciente: posterguei meu sonho de ser acadêmico, mas ganhei minha vida de volta.
No mestrado, a frieza no laboratório, a cobrança por resultados que não dependiam de mim, e sim de equipamentos, e as longas horas de trabalho me fizeram desenvolver crises insuportáveis de fibromialgia, perda de apetite a ponto de ficar com o peso corporal incompatível com a saúde e uma tristeza tão profunda que ia chorando no caminho de casa até o laboratório.
Terminei e resolvi mudar de área de pesquisa. Estava contente por iniciar um novo ciclo no doutorado. E não demorou para eu passar pelas mesmas humilhações públicas, pressões e desamparo anteriores, além de ter tido insônia, ansiedade, sensação de impotência
Fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado no mesmo laboratório. O mais comum são estudantes sem perspectivas, desanimados, sem conseguir ver a luz no fim do túnel. Vários amigos e colegas tiveram depressão.
Duas pessoas do meu laboratório tiveram paralisia facial. Uma amiga, também do laboratório, teve um surto psicótico no ano passado. Foi horrível. E nossa chefa nem queria avisar a família, que vive em Recife. Me chamou de alarmista e imatura.
Mesmo após de ter concluído a pós, um certo trauma ficou. Eu ainda não consigo passar um final de semana sem sentir culpa por não estar trabalhando, lendo um artigo, escrevendo um "paper". É uma loucura que só entende quem passa.
No meio do doutorado tive problemas com a minha pesquisa, o que levou a uma carga maior de trabalho e a muito estresse. Isso se somou à precariedade financeira, ao medo do futuro e aos questionamentos que sempre aparecem na mente dos pós-graduandos: o que eu estou fazendo? Onde vou chegar fazendo isso?
Comecei a ter crises de refluxo gastroesofágico combinados com crises de pânico.
Não há glamour na pesquisa científica. Ao contrário, ficamos isolados, com pouco contato social e trabalhamos incessantemente em projetos e publicações de artigos, além de vivermos sob prazos apertados. Isso é pouco discutido porque somos vistos como "privilegiados", que são remunerados para estudar.
No mestrado, as preocupações com relação a prazos me fizeram entrar em um estado no qual não conseguia fazer mais nada da vida que não fosse estudar. Se saía num sábado para me divertir, me sentia como se estivesse fazendo algo muito errado. Fiz uma viagem num feriado com a família e, nesses poucos dias, a consciência pesada por não estar estudando era tanta que cheguei a ter taquicardia. Já no doutorado, comecei a apresentar um quadro depressivo.
A pós-graduação é um ambiente de muita incerteza e não existe acolhimento para alunos que passam por problemas assim. Cheguei a um ponto no qual não queria mais levantar da cama. Viver doía. Não cheguei a pensar em suicídio especificamente, mas pensava que morrer não seria ruim.
Uma relação bastante conturbada resultou na troca de orientador e de projeto. Na prática, fiquei com pouco tempo para desenvolver a pesquisa. Pressão, prazos apertados e vida pessoal e familiar problemáticas me renderam uma depressão.
Eis algumas frases que ouvi durante a doença: "Depressão é frescura", "Isso é preguiça mesmo", "mãe de família não deveria cogitar a ideia de pós graduação, nunca irá acompanhar o ritmo".
Será que a pós é um contrato de escravidão? Não temos direitos, apenas deveres?
Botânica, Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
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Estudantes de mestrado e doutorado relatam suas dores na pós-graduação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU