06 Dezembro 2017
"Um lugar e um tempo onde até a natureza, os animais, os seres humanos, imitam de tal forma um modelo de “justo” que não dá lugar ao ódio, à injustiça, ao desamor, à indiferença frente às/aos necessitadas/os e pobres abandonadas/os ao desabrigo de defesa e proteção contra o mal" escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Viver em paz, embora seja um desejo acalentado pela maioria das pessoas, jamais dependerá de uma decisão individual. Pressupõe relações sociais de uma reciprocidade atenta às necessidades alheias como exige uma convivência fundada na justiça. E esta, como a definia o falecido professor Armando Câmara, filósofo jurista só pode se efetivar quando a realidade demonstra de fato “adequação de uma relação interpessoal com o bem comum”.
Críticas a parte, como sempre acontece com toda a tentativa de conceituar um valor de grandeza como o da justiça, as condições de possibilidade da “adequação”, da “relação interpessoal” e do “bem comum” carecem de poder para se validarem, o que nos leva fatalmente a confrontar como a política do seu exercício está “adequada” para garantir os fins expressos naquela definição.
À toda a crise de relacionamento entre as nações, como está ocorrendo novamente entre os Estados Unidos e a Coréia do Norte, a solução pela força das armas aparece no primeiro plano de cogitação das suas lideranças. O passado já cansou de avisar que essa não é uma boa alternativa nem para adequar boa relação interpessoal, nem para sustentar o bem comum. Se pretender justificar-se enchendo arsenais, como forma de se prevenir contra qualquer suspeita de agressão, amedrontando quem for considerado inimigo, mesmo que chegue a tanto, também aumenta a tentação de utiliza-los quando não há necessidade disso, e o risco de o exagero da defesa ou do ataque se transformar em crime contra a humanidade ou suicídio.
É o que acontece com as armas nucleares. O prêmio Nobel da Paz deste ano foi dado à Ican (sigla em inglês da Iinternational Campaign to Abolish Nuclear Weapons), denominação da "Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares", uma organização dedicada a impedir que a fabricação e consequente utilização dessa espécie de armamento, em vez de garantir a paz, estimule a guerra.
A edição de 6 de outubro passado da revista “Super Interessante” abre a notícia do prêmio sob manchete expressiva: Nobel da Paz de 2017 dá puxão de orelha em Trump e Kim. Líderes, respectivamente, dos Estados Unidos e da Coréia do Norte, os dois não parecem preocupados com a utilização das armas nucleares se considerarem necessárias para aniquilação recíproca dos dois povos, mas a advertência da organização premiada com o Nobel da Paz é clara:
“Em um anúncio oficial, a ICAN afirmou que o prêmio “é um tributo aos esforços incansáveis de milhões de manifestantes e cidadãos que, desde o início da era atômica, protestaram contra as armas nucleares, insistindo que elas não podem servir para fins legítimos e precisam ser banidas para sempre da face da Terra.”
O prêmio, na interpretação da maior parte dos jornalistas e críticos, é um claro “cutucão” nas nove nações nucleares (EUA, Rússia, Índia, Paquistão, Grã-Bretanha, França, Coreia do Norte e Israel), que em julho deste ano se negaram a participa de um acordo da ONU pelo banimento de armas nucleares. O documento foi assinado por 122 países, entre eles o Brasil, e só foi possível graças aos esforços diplomáticos da ICAN.”
Num contexto desses, a lembrança de previsões próprias de conjunturas históricas muito diferentes, quando as armas não passavam de espada e lança (!), nos chamam a atenção sobre como é antiga a saudável utopia de se alcançar a paz entre pessoas e povos, por meios que excluem o ódio e as guerras. As igrejas dedicam um tempo litúrgico de preparação do natal, o advento (o que está por vir), no qual recordam Isaias, um profeta que viveu séculos antes de Cristo, onde a realidade de um novo mundo de paz é imaginada e cantada com uma esperança e um otimismo surpreendentes.
Se for comparada com todo o poderio posterior das armas e guerras, responsável pelo massacre repetido de povos inteiros, chegando hoje a colocar a vida da terra e de toda a humanidade sob ameaça de extinção, a palavra de Isaias desenha um mundo futuro de harmonia “impossível”, mas tão profundamente desejável, que motiva qualquer pessoa de boa vontade unir-se a todo o esforço coletivo indispensável à sua conquista.
Um lugar e um tempo onde até a natureza, os animais, os seres humanos, imitam de tal forma um modelo de “justo” que não dá lugar ao ódio, à injustiça, ao desamor, à indiferença frente às/aos necessitadas/os e pobres abandonadas/os ao desabrigo de defesa e proteção contra o mal.
Ou seja, tudo quanto Isaias previu seria a vida como querida por Jesus Cristo, cujo nascimento vai se recordar novamente dia 25 deste dezembro: “Deus será o juiz das nações, decidirá questões entre muitos povos. Eles transformarão as suas espadas em arados e as suas lanças em foices, Nunca mais as nações farão guerra, nem se prepararão para batalhas.” (Isaias 2,4). “Ele não julgará pelas aparências, e não decidirá pelo que ouvir dizer; mas julgará os fracos com eqüidade, fará justiça aos pobres da terra.” (...) “A justiça será como o cinto de seus rins, e a lealdade circundará seus flancos. Então o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao pé do cabrito, o touro e o leão comerão juntos, e um menino pequeno os conduzirá; a vaca e o urso se fraternizarão, suas crias repousarão juntas, e o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará junto à toca da víbora, e o menino desmamado meterá a mão na caverna da áspide. (Isaias 11, 1-8).
Tudo isso pode ser criticado como pura poesia, gosto pelo paradoxo, imaginação licenciosa nutrida por ingenuidade e desejo sem base alguma, mas que o não decidir nada só pelas aparências ou pelo ouvir dizer, o julgar os fracos com equidade e o fazer justiça aos pobres da terra, continuam pretendendo ser o que séculos antes de Cristo já se pretendia ser, é impossível negar. Ainda hoje, mais do que programa, uma urgente necessidade. Quem sabe o advento deste ano, preparando o Aniversário deste fim de mês, nos convença desta Verdade e nos anime a segui-la, se não mais com o arado e a foice, com a denúncia e a ação contrárias a tudo quanto o Menino Aniversariante fez em defesa e garantia da Justiça e da Paz.
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Transformar as espadas em arados e as lanças em foices - Instituto Humanitas Unisinos - IHU